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Nº 1890 - Ano 41
02.02.2015

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Mais com menos

ICB desenvolve e compartilha método que potencializa qualidade de imagens geradas em laboratório; estudo é destaque em publicação internacional de protocolos

Ana Rita Araújo

Adaptações de baixo custo em microscópio confocal convencional, combinadas com uso inovador de reagentes, estão descritas em artigo de pesquisadores da UFMG recém-publicado na revista NatureProtocols. Coordenada pelo professor Gustavo Menezes, do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), a equipe demonstra como obter imagens da cavidade abdominal de animais vivos mantidos sem dor. “A intenção é que o método seja reproduzido em qualquer laboratório, sobretudo em países com menor aporte financeiro para pesquisa, ou por pesquisadores em início de carreira que não dispõem de tantos recursos”, esclarece Menezes.

A validade do método foi comprovada em trabalhos anteriores do grupo que também renderam artigos em publicações internacionais. De acordo com o professor, o artigo ensina a obter imagens de qualidade sem a utilização de microscópios extremamente potentes e caros. Tal desempenho foi alcançado por meio de estratégias como concepção e construção de mesa de acrílico para adaptar o microscópio ao uso de animais vivos, adaptação de técnicas cirúrgicas e utilização inovadora de reagentes. O método revela potencialidades que os próprios fabricantes desconheciam.

“Os microscópios mais caros têm vantagens em relação ao nosso, mas mostramos como gerar dados de alta qualidade com equipamento de menor valor, que se encaixa no orçamento de muitos laboratórios de pesquisa do mundo”, observa. O artigo contém a descrição de modelo, marca e características das peças do equipamento, dimensões da mesa acrílica e referências dos reagentes, de modo que outros pesquisadores possam reproduzir exatamente o mesmo processo.

O professor afirma que o trabalho, integralmente realizado por pesquisadores da UFMG, mostra o empenho em transformar o Brasil “de consumidor em produtor de tecnologia de qualidade”. Há cerca de três anos, a equipe de Gustavo Menezes foi pioneira na América do Sul na obtenção de imagens de microscopia intravital confocal concentradas em processos hepáticos para conhecer melhor o funcionamento do sistema imune. As mesmas técnicas podem ser utilizadas para obtenção de imagens de outros órgãos. “Com o método, é possível visualizar virtualmente qualquer órgão da cavidade abdominal – intestino, baço, mesentério, fígado, tecido adiposo – usando o mesmo procedimento cirúrgico e os mesmos reagentes”, assegura. Segundo ele, alguns dos reagentes descritos no artigo nunca tinham sido padronizados para uso in vivo.

Adaptação

Gustavo Menezes explica que projetos de diferentes pesquisadores forneceram os recursos para a compra de um microscópio confocal convencional, mais barato, com funcionalidades reduzidas para caber no orçamento disponível. “Como o equipamento não respondia a determinadas perguntas, nós o modificamos. O mesmo ocorreu com os reagentes. O método já existia, feito de outras maneiras, por outros pesquisadores. O que fizemos foi adaptá-lo às condições mais básicas possíveis, vividas por grupos como o nosso”, diz.

Mesmo sem estar localizado em um laboratório multiusuário, o microscópio é compartilhado por mais de 30 grupos de pesquisa. “É um modelo de como investir dinheiro público. Cada real gasto nesse microscópio é muito bem utilizado por muita gente”, garante. Ao ressaltar que o trabalho que originou o artigo foi totalmente realizado por pesquisadores brasileiros, Gustavo Menezes comenta: “há quem diga que isso é falta de internacionalização. Nós encaramos como independência, até porque, em outros trabalhos, temos parcerias internacionais”.

Segundo ele, a intenção ao publicar o artigo foi de facilitar a vida de pesquisadores do mundo inteiro, não só dos que trabalham com fígado e biologia de leucócitos – foco da pesquisa que ele coordena –, mas também para os que estudam fenômenos fisiológicos normais e biologia básica. “Assim como adaptamos um método, esperamos que outros melhorem o nosso e joguem também na rede, para que a informação flua”, sugere. Menezes também reforça a importância desse tipo de publicação, já que artigos acadêmicos em geral não oferecem a oportunidade de descrição do método de forma a ser reproduzido tão fidedignamente como ocorre em uma revista de protocolo. “Nossa perspectiva, agora, é tentar adaptar tecnologias de ponta – como microscopia de super-resolução –, que são as de alto custo, para utilização in vivo, o que ainda não é feito”, completa.

Gustavo Menezes informa que além de mestrandos, doutorandos, pós-doutorandos e pesquisadores, o trabalho envolveu alunos que, na época, eram bolsistas de Iniciação Científica. “Foi uma colaboração entre os vários estágios da formação científica, com pessoas em início de carreira já participando de um trabalho de tecnologia avançada”, diz o professor, ao lembrar que essa sistemática de trabalho enriquece a formação dos estudantes, pois oferece a eles a oportunidade de acompanhar desde a gênese da ideia do experimento à redação do artigo, passando por etapas como cirurgia – mantendo o animal no microscópio vivo e sem dor –, captura e conversão da imagem.

Artigo: Imaging liver biology in vivo using conventional confocal microscopy
Autores: Pedro Marques, Maísa Antunes, Bruna David,Rafaela Pereira, Mauro Teixeira e Gustavo Menezes
Publicado na revista Nature Protocols (www.nature.com/nprot/).