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Nº 1892 - Ano 41
23.02.2015

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Efeito contrário

Emissões de dióxido de carbono pelas siderúrgicas brasileiras duplicaram com a substituição do carvão mineral pelo vegetal, conclui artigo de professor da UFMG

Luana Macieira

No início dos anos 2000, o Brasil iniciou uma política energética que visava substituir o carvão mineral usado pelas siderúrgicas por carvão vegetal. O objetivo da troca era reduzir a emissão de dióxido de carbono (CO2), causador do aumento da temperatura global do planeta. Com a substituição, a emissão desse gás poluente seria neutralizada, atendendo ao protocolo de Kyoto e gerando créditos de carbono para as siderúrgicas que optassem pela substituição.

“Ao ser queimado pela indústria siderúrgica, o carvão mineral é altamente poluente. O uso do carvão vegetal é mais sustentável, uma vez que ele viria de madeira de reflorestamento. Na produção do carvão vegetal que vem do reflorestamento, a árvore cresce, sequestra o CO2 da atmosfera e o utiliza para se desenvolver. Ele é queimado pela indústria e volta para a atmosfera. Esse ciclo neutraliza os efeitos poluentes da queima do carvão”, explica o professor Britaldo Soares-Filho, do Instituto de Geociências da UFMG e um dos autores do artigo Carbon emissions due to deforestation for the production of charcoal used in Brazil’s steel industry, publicado neste mês na Nature Climate Change.

Segundo o professor, a política fracassou em sua tentativa de reduzir a emissão de CO2 pelas siderúrgicas do país, pois, apesar de bem intencionada, gerou um efeito contrário ao pretendido: as emissões de gás carbônico pelas siderúrgicas dobraram de 2000 a 2007, passando de 91 para 182 milhões de toneladas de CO2. A medida aumentou o desmatamento de florestas nativas, pois os produtores de madeira de reflorestamento não conseguiram atender às demandas do parque siderúrgico. Uma soma elevada de recursos foi gasta para que as usinas alterassem seu processo de produção e adaptassem suas caldeiras à tecnologia de queima do carvão vegetal. Entretanto, não houve fomento para aumentar o número de matas de reflorestamento que forneceriam esse carvão.

‘Vazamento’

“As siderúrgicas passaram por um processo de mudança industrial complexo e irreversível. E como não houve uma análise se havia plantação de reflorestamento suficiente para suprir a nova demanda, ocorreu o que chamamos de ‘vazamento’, processo em que a falta de um insumo é suprida de outra forma. Nesse caso, o carvão vegetal vem de florestas nativas, que passaram a ser desmatadas de forma ilegal”, diz Britaldo.

O vazamento foi o grande vilão do aumento das emissões de CO2. Em Minas Gerais, metade do carvão usado nas siderúrgicas passou a ser fornecido por florestas nativas desmatadas. O problema é que esse carvão não reduz a emissão dos gases que aumentam a temperatura global, pois as árvores cortadas não são repostas.

O estudo foi feito pela pesquisadora australiana Laura Sonter, sob a orientação do professor da UFMG. Então estudante de doutorado, ela passou um ano em Belo Horizonte no Laboratório de Análises e Modelagem Ambientais (Lamam), localizado no Centro de Sensoriamento Remoto (IGC), aprendendo técnicas de modelagem e análises espaciais. Além da observação da demanda das siderúrgicas e dos seus perfis de consumo, o estudo usou fórmulas e técnicas quantitativas e modelos computacionais de simulação.

Importador de carvão ilegal

Por ser grande polo produtor de aço, Minas Gerais é um dos estados brasileiros com a maior demanda pelo insumo. Com a falta de matas plantadas que fornecessem madeira suficiente para as siderúrgicas que deixavam de usar o carvão mineral, o estado passou a ser grande consumidor da matéria-prima proveniente de matas nativas. Se ela não estivesse sendo usada, a política teria sido eficiente, uma vez que a expectativa era de que as emissões de CO2 pelas usinas fossem reduzidas em até 79%.

Para combater o desmatamento ilegal, uma nova lei estadual estabelece que apenas 10% do carvão vegetal usado em Minas poderá vir de matas nativas. Para Britaldo, a legislação é ineficaz por causa da ausência de uma política pública que estimule a demanda de carvão de reflorestamento e combata o uso do insumo proveniente de desmatamento ilegal.

“Apesar da existência da lei, é muito difícil rastrear se a matéria-prima vem do desmatamento legal ou não. Esse carvão vegetal deveria vir só de áreas licenciadas para manejo florestal, mas não é isso que ocorre. Minas acabou se tornando um importador de carvão de desmatamento, obtendo o insumo de outros estados e até mesmo de outros países, como o Paraguai”, afirma o pesquisador.

Na visão de Britaldo, a solução para o fim do vazamento está na integração da política de redução de dióxido de carbono pelas siderúrgicas com a de fomento de produção de carvão vegetal de reflorestamento e de redução de desmatamento de matas nativas, sobretudo em Minas Gerais. “Quando a política de troca de carvão mineral por vegetal começou a vigorar, houve um boom do cultivo de eucalipto para atender às novas demandas do setor. Mas a atual crise do segmento, que se reflete na redução de seu ritmo de produção, acabou atingindo também os produtores que investiram no reflorestamento”, explica o professor.

Ele acrescenta que esses agricultores enfrentam dificuldades para vender seus excessos de produção porque a madeira de reflorestamento demora pelo menos sete anos para ser colhida. “Daí a necessidade de uma política que garanta o preço do carvão vegetal para seus produtores”, defende o professor do IGC.