Busca no site da UFMG

Nº 1900 - Ano 41
20.04.2015

y

“Precisamos criticar a visão ufanista da educação”

Para o professor Luciano Mendes de Faria Filho, “não é lícita” a distância salarial e de condições de trabalho que separa professores universitários de seus pares da educação básica. Ele também critica a visão salvacionista que se tem da educação e diz que a raiz do problema está na organização política, social e econômica do país: “Quando falamos da educação como salvadora da pátria, já elegemos o bode expiatório: o professor”.

Quais os maiores desafios enfrentados pela educação pública no Brasil?

Não dá para fugir das questões relativas a carreira e salário. Não podemos considerar lícita essa distância de salário e condições de trabalho entre professores da Universidade e da escola básica. Isso não é lícito. Essa distância hoje é muito grande e é preciso que diminua, melhorando significativamente o salário, o plano de trabalho e as condições de atuação dos docentes da educação básica, que hoje estão impossibilitados de se dedicar a uma escola. Por isso, também não estão surgindo novas gerações de professores. No Brasil, professor é uma ótima profissão, mas para o filho dos outros.

Por que propor intervenções prioritariamente na educação básica?

A escola básica, do ensino infantil ao médio, é o segmento da educação pública que ainda atende a uma parcela maior da população, por ser obrigatória. A sociedade tem a obrigação de oferecer uma boa escola para as novas gerações. Claro que o projeto tem impacto também nas universidades, ao mobilizar professores, formar alunos, incluindo os da comunicação. Sabemos que muitas vezes fala-se mal da educação, na imprensa, por desconhecimento: muitos jornalistas jamais frequentaram a escola pública e conhecem apenas a própria escola que o jornal mostra. É preciso que esses profissionais tenham outra formação. Também é preciso preparar os profissionais da educação para trabalhar com a comunicação, uma dimensão importante e necessária.

Qual o papel da pesquisa acadêmica nesse contexto?

Muito do que se decide na educação não está baseado em pesquisas. E nem sempre é necessário que seja. Muito da educação tem a ver com valores, ideologias, opiniões. A definição de escola é uma questão sempre controversa. O que é uma boa escola e que tipo de formação nós queremos são discussões das quais todos podem participar. A pesquisa é a nossa especificidade, a maneira como a Universidade colabora com esse debate.

De que forma a educação pode contribuir para o avanço social no país?

Eu não partilho da ideia da educação como salvadora da pátria. É preciso movimentar o conjunto do mundo social, em todas as suas dimensões, para fazer do Brasil um país melhor, mais justo, menos desigual, mais democrático. A educação ajuda e contribui para isso, mas não é a dimensão fundamental. Precisamos fazer uma crítica a essa visão ufanista e salvacionista da educação.

Quais os problemas dessa concepção?

Toda vez que se imputa à educação um poder que ela não tem, o fracasso é óbvio. Por outro lado, responsabiliza-se a educação e os professores por aquilo que não deu certo. O grande problema social do Brasil não é a educação, é a concentração de renda, que está relacionada com a organização econômica, social, cultural e política brasileira. Quando falamos da educação como salvadora da pátria, já elegemos o bode expiatório: o professor. A abrangência da educação aumentou vertiginosamente no Brasil ao longo do século 20, sobretudo nas últimas quatro décadas. E a concentração de renda e o empobrecimento da população também aumentaram. A reversão desse quadro não se faz por meio da educação, mas com distribuição e transferência de renda. Em um país que promoveu a concentração, esperar da educação a distribuição dessa renda é definir que daqui a 200 anos continuaremos discutindo as mesmas coisas. As mesmas pessoas e os mesmos partidos que dizem ser tão favoráveis à educação são contrários à taxação progressiva de imposto de renda. Superestimar o papel da educação é um modo de dizer da própria condição: “Estou aqui porque tive educação, porque meu pai trabalhou mais” e não “Estou aqui porque o país é tão desigual”.