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Nº 1900 - Ano 41
20.04.2015

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Para sair do escuro

Pesquisas na Faculdade de Medicina ajudam a desvendar papel do sistema imunológico no combate à depressão

Ewerton Martins Ribeiro

O tratamento de transtornos psiquiátricos graves, como o bipolar, é feito com o uso de drogas que atuam sobre os neurotransmissores do sistema nervoso central – em especial, a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. Mas isso pode mudar em breve. Estudos realizados na Faculdade de Medicina da UFMG, em parceria com outros grupos de pesquisa, têm sinalizado a possibilidade de se atacar transtornos como esses com drogas que atuem sobre o sistema imune.

“O que se descobriu é que os transtornos de humor estão diretamente relacionados a uma série de alterações imunes, de perfil pró-inflamatório, e não apenas a disfunções do sistema nervoso”, diz o professor Antonio Lucio Teixeira, do Departamento de Clínica Médica. “Estamos investigando como os leucócitos e seus produtos (as citocinas) podem influenciar as atividades do cérebro e, consequentemente, o comportamento humano”, acrescenta.

Essa frente de investigação sugere que o sistema imune pode fornecer biomarcadores indicativos do que se passa no sistema nervoso central. Consequentemente, o sistema imune poderia ser definido como foco para o desenvolvimento de estratégias e drogas para o tratamento de transtornos psiquiátricos. “Usar estratégias anti-inflamatórias no combate a esses transtornos pode beneficiar o indivíduo que até então respondia mal, ou apenas parcialmente, ao tratamento convencional”, diz o pesquisador.

Tal perspectiva advém de novo entendimento sobre o sistema imune. Até pouco tempo, pensava-se que a sua função se limitava à defesa do corpo humano contra micro-organismos patogênicos, ou seja, no combate às infecções. Nas últimas décadas, contudo, ele vem sendo reinterpretado como um complexo sistema fisiológico responsável por garantir a homeostase (equilíbrio) do organismo.

Moléculas

Já há alguns anos, o tratamento de transtornos psiquiátricos graves como o bipolar e a esquizofrenia vive um impasse. Por um lado, a pesquisa com neurotransmissores vem se confrontando com limitações intrínsecas ao próprio modelo. Por outro, a indústria farmacêutica já não mantém o mesmo nível de investimentos na produção de medicamentos que atuem sobre o sistema nervoso. “Os estudos já não geravam mais os resultados esperados pela indústria farmacêutica”, explica Antonio Lucio.

Uma vez que o sistema imune se transformou em frente de combate à melancolia, o desafio é descobrir quais de suas moléculas – ou grupos de moléculas – estariam relacionadas aos transtornos de humor. “Pesquisadores norte-americanos estão propondo um painel com nove moléculas do sangue que, ao que tudo indica, seria capaz de marcar, com razoável segurança, os indivíduos com depressão maior. Contudo, até o momento, não há como identificar moléculas associadas à resposta terapêutica dos indivíduos – embora já tenhamos percebido que algumas delas estão diretamente relacionadas com o desempenho dos indivíduos do ponto de vista cognitivo”, afirma Antonio Lucio.

Em última instância, as pesquisas em desenvolvimento na UFMG possibilitariam que doenças como a depressão maior sejam categorizadas por meio de um exame laboratorial de sangue. No entanto, os ganhos concernentes a esse tipo de abordagem vão além do simples diagnóstico. “A questão mais relevante é o prognóstico. Se conseguirmos mapear os painéis de moléculas relacionados aos transtornos, poderemos tipificar os perfis inflamatórios e escolher as estratégias terapêuticas mais racionais para cada subtipo de transtorno”, diz.

Cada caso poderia ser avaliado para se estabelecer as melhores estratégias farmacológicas de tratamento, que se restringiriam a um dos modelos ou combinar os dois – e até mesmo mobilizar condutas predominantemente comportamentais e/ou psicoterapia. “No atual cenário, o tratamento ainda é muito empírico. Não há muitas diretrizes claras, a priori, de por que usar x ou y — a não ser que o indivíduo já tenha histórico com certa estratégia terapêutica”, afirma o professor.

Evidências da relação entre os sistemas imune e nervoso

  • Experimentos com mamíferos: camundongos privados de determinadas moléculas do seu sistema imune desenvolveram comportamentos tipo-depressivo, inclusive com correlatos estruturais específicos no hipocampo, área cerebral importante na regulação de aspectos emocionais.
  • Interferon: cerca de 30% dos pacientes que fazem uso da droga no tratamento de Hepatite C se deprimem – muitos alimentam ideias suicidas. O interferon é uma molécula-chave do sistema imune.
  • Envelhecimento biológico: evidências indicam que, do ponto de vista biológico, indivíduos com transtorno bipolar grave envelhecem mais cedo e morrem antes que os indivíduos não doentes. A percepção é de que o envelhecimento precoce pode estar relacionado à persistente hiperatividade imune a que esses indivíduos estariam sujeitos.

[Matéria ampliada sobre a relação entre sistema imune e depressão foi publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 10 de abril]