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Nº 1900 - Ano 41
20.04.2015

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Uma por quatro

Pesquisa de professora da Belas-Artes analisa questões relacionadas à imagem – literária e visual – por meio de suas fotografias e entrevistas com heterônimos

Itamar Rigueira Jr.

Patricia Franca-Huchet
Imagem d’O livro de Zénon Piéters, o espectador fotógrafo
Imagem d’O livro de Zénon Piéters, o espectador fotógrafo

Zénon Piéters. Belga, livreiro, fotógrafo amador, profundamente interessado no universo que abriga a pintura e a fotografia. Ele assina as fotos e as reflexões – em forma de entrevista – do livro (ainda não publicado) que inaugura uma série. Zénon Piéters não existe – ao menos em carne e osso. É o primeiro heterônimo a revelar resultados de abrangente estudo da pesquisadora Patricia Franca-Huchet, professora da Escola de Belas-Artes da UFMG.

A artista cria um personagem que tem história, memória e ponto de vista crítico e filosófico sobre a imagem. “Essa bagagem serve para desenvolver uma montagem de historicidade e artisticidade cujos ­elementos, recolhidos na realidade, induzem um efeito de conhecimento novo que se encontra entre a intemporalidade da ficção e o caráter factual do presente”, escreveu a pesquisadora sobre seu trabalho. Fotógrafa há 30 anos, Patricia Franca-Huchet esteve em residência no Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG (Ieat), onde desenvolveu a pesquisa que vai conduzir à produção do segundo livro da série Os quatro fotógrafos.

Uma das perguntas fundamentais a mover a reflexão de Patricia é: o que é a imagem? E ela se preocupa com a responsabilidade de produzir imagens nos dias atuais. “Existem imagens demais, e ao mesmo tempo faltam aquelas que nos afetam em profundidade. Este é um lugar perigoso, em que não há inocência. As imagens de jornais, revistas, TV e internet nos chegam com um propósito”, comenta Patricia Franca-Huchet, que coordena o grupo Bureau de Estudos sobre a Imagem e o Tempo (BE-IT), vinculado à UFMG.

A pesquisadora enfatiza que a imagem é essencialmente transdisciplinar – “nenhuma área do conhecimento escapa a ela” – e que lhe interessa pensar como a partir de um grupo de imagens pode nascer uma prática específica do texto. As questões suscitadas por Zénon Piéters incluem narrativas que envolvem fotografias, montagem, edição, citações literárias e o debate ético, político e filosófico sobre a imagem. “O objeto é pensar a imagem literária – na forma de poesia, história, reflexão – e fotográfica, em abordagem que alia arte, memória e até mesmo um aspecto simbólico e antropológico”, explica Patricia, que tem pós-doutorado pela Universidade Sorbonne/Paris III.

Fotos, pinturas e teatralidade

Zénon Piéters fotografa a pintura ao mesmo tempo que problematiza a impossibilidade desse ato. Observar a pintura e fotografá-la em fragmentos o faz refletir sobre como se aprende a olhar as imagens. Toda essa pesquisa, segundo Patricia Franca-Huchet, vem também sendo estruturada com base no conceito de teatralidade, por meio de formas ficcionais encontradas na montagem literária e visual. A pesquisadora define a teatralidade como “uma espessura de signos dentro de um conjunto de informações – o heterônimo, a fotografia, a narrativa, a ficção, a história, a imagem do outro, a voz”.

Em uma de suas respostas, Zénon afirma que “existe uma suposta neutralidade e um hábito quase natural de fotografar uma ­pintura e de reproduzi-la nos livros, de ­reduzir o seu formato, esquecer a sua matéria, seu relevo, sua maneira de aceitar a luz e de impor àquele que a observa uma justa distância e uma justa posição. Fotografar uma pintura não é um ato simples e inocente. Parto da ideia de que existe muita teatralidade entre nossas trocas com o real; por um lado, um imediatismo do mundo sobre nós e do outro, a maneira de fabricar quem somos, o que queremos, nossas ficções. As fotografias de arte têm a ver com esse lugar. O real nunca se apresenta como tal, ele aparece como um facho de ficções e possibilidades de ação, percepção e temporalidade”.

Se Zénon Piéters é o “espectador fotógrafo”, o bretão Mäel, o segundo heterônimo, promete ser o “poeta fotógrafo”. Ele vai discorrer sobre as imagens de paisagens, com base nas fotografias e histórias da Bretanha reunidas por Patricia Franca-Huchet nos anos em que viveu na França. Além da composição dos livros, a pesquisa se desdobra em exposições, apresentações orais e projetos realizados com alunos de graduação e pós.