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Nº 1903 - Ano 41
11.05.2015
Marcos Fabrício Lopes da Silva*
O saudoso economista e senador Lauro Campos (PT-DF), em seus discursos no Congresso Nacional, ressaltava que, enquanto a ética do capital estiver desvinculada da ética do trabalho, a escravidão continuará. Quem está disposto a desarticular esse círculo vicioso costuma ser persona non grata, considerando a ótica hegemônica fundamentada ideologicamente pelos “donos do poder”. Uma das atitudes políticas mais decisivas para qualificar democraticamente as relações trabalhistas atende pelo nome de greve. A greve surge quando o grave impera tiranicamente. A repulsa autoritária à greve é antiga, o que demonstra uma tradição de censura gritante.
A origem do vocábulo “greve” remonta ao século 18, em Paris. Operários franceses se reuniam numa praça chamada Place de Grève para pleitear melhores condições de trabalho. Entende-se por greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação de serviços ao empregador. Cabe aos trabalhadores a decisão de aderir à greve como instrumento de pressão para que a fonte empregadora ou o governo atendam às suas reivindicações. No Brasil, o direito de greve está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 9º: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender”. Assim sendo, ninguém pode ser punido por realizá-la.
Lamentavelmente, o dia 29 de abril de 2015 ficará na história brasileira como página tenebrosa. A “Pátria Educadora” foi recebida com tropa de choque no Paraná, 30 anos depois do fim da ditadura militar. Infelizmente, as tentações autoritárias ainda persistem em nosso país. Cena típica de um subdesenvolvimento reinante. “Subdesenvolvimento não se improvisa, cultiva-se”, costumava repetir o senador e diplomata Roberto Campos. O jornal Correio Braziliense, de 30 de abril, destacou em sua capa o triste episódio com os seguintes dizeres: “A Polícia Militar usou bombas de gás, balas de borracha, spray de pimenta e cães contra manifestantes – a maioria, professores em greve – que protestavam em Curitiba contra mudanças na Previdência dos servidores do estado. Pelo menos 200 pessoas ficaram feridas, oito em estado grave. As imediações da Assembleia Legislativa, onde o projeto estava sendo votado, se transformaram numa praça de guerra”.
A razão do imbróglio está na aprovação, pela Assembleia Legislativa, do polêmico projeto de autoria do governo Beto Richa (PSDB-PR). Segundo cálculos do Executivo local, a medida “deve aliviar o caixa do governo em R$ 1,7 bilhão ao ano”. Porém, como bem noticia o Correio, “na prática, o governo quer passar a dividir a conta com os servidores. Os funcionários do estado alegam que a mudança comprometerá a saúde financeira da Paranaprevidência”. Estendendo a análise, chegamos a constatar que o descaso governamental em tela reproduz a velha mania de desrespeitar o professor, referindo-se a ele como rebelde sem causa ou alguém que não gosta de trabalhar. Ecoa tragicamente na atitude neonazista do governador Beto Richa a infeliz declaração do ex-presidente da República e sociólogo Fernando Henrique Cardoso, feita em 27/11/2001, durante a cerimônia de entrega do Prêmio Finep de Inovação: “Se a pessoa não consegue produzir, coitado, vai ser professor. Então fica a angústia: se ele vai ter um nome na praça ou se ele vai dar aula a vida inteira e repetir o que os outros fazem”.
Enquanto a visão distorcida do educador como “coitado” se espalha socialmente que nem vírus, o antivírus eficaz para combater esse dano traiçoeiro se faz presente no artigo Diversidade cultural, mídia e docência, publicado na revista Caminhos (no. 28/2011). O primoroso texto, assinado por Dalmir Franciso, jornalista, pesquisador e professor da Fafich, sugere um norte de excelência interessante para ressaltar o amplo papel social exercido pelo corpo docente:
“Docência, docente – eis duas palavras que nos identificam e nos qualificam – e que têm em sua raiz doc e docére, com o significado de ensinar, indicar, instruir, mostrar ou possibilitar entendimento. Como tal, docência tem a ver com documento e documentação (documentum, documentati) e, em consequência, está ligada à memória viva do saber a serviço da sociedade e da própria possibilidade futura da humanidade (história e cultura). E memória não se confunde com lembrança. Memória está ligada às musas e, ensinam os filósofos e a etimologia, vem de mne e se liga à força de explosão, de coragem, de fúria e de furor. Memória – mne – se liga à força de criação, de impulsão, de ousadia e de vigor, de ‘aplicar o espírito e, portanto, de aprender e ensinar; é a aplicação da força de concentração do espírito em alguma coisa, daí o sentido de cuidado e preocupação’.”
Diante da qualidade argumentativa deste parecer, não podemos acompanhar passivamente atitudes de burocratas idiotas que têm como programa político tornar o povo infeliz, adotando medidas arbitrárias. Como bem adverte Dalmir Francisco no texto citado acima: “Onde falta educação pública falta a própria noção de comunidade humana. Educação continua sendo abertura do ser humano para o desafio histórico que lhe cabe: buscar por uma sociedade cada vez mais humanamente própria e boa para todos os homens poderem vivê-la”. Enquanto a educação não for prioridade, o Brasil continuará dividido: de um lado, o poder alienado; do outro, o saber consciente. E, no meio do caminho, balas perdidas movimentando falas mais perdidas ainda.
* Professor da Faculdade JK, no Distrito Federal. Jornalista, poeta e doutor em Estudos Literários pela Faculdade de Letras da UFMG