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Nº 1904 - Ano 41
18.05.2015

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opiniao

Cidade Universitária

Roberto Andrés*

Não há novidade em afirmar que as cidades são o desafio do século. Todo dia algum especialista o faz, nos jornais, no rádio, na TV, na Internet, mas pouco se diz sobre o papel da universidade nesse contexto. E se Belo Horizonte não é exatamente um modelo de cidade justa, eficiente e agradável, tampouco a nossa Universidade tem sugerido alternativas concretas para mudar essa realidade. Não se trata de desmerecer as pesquisas e atividades de extensão, mas de reconhecer que a própria política de ocupação do território pela UFMG tem sido um espelho triste dos descaminhos da cidade a seu redor.

Uma breve análise de Belo Horizonte revelaria a tomada das ruas pelos automóveis – um modal ineficiente, caro, gerador de acidentes e de poluição –, o déficit habitacional, a desigualdade no acesso a serviços e lazer, a insegurança gerada pela redução do comércio de rua e da diversidade de usos, a destruição da natureza urbana, representada pela incapacidade de lidar com árvores e cursos de água, a carência de praças, parques e áreas verdes, entre outros problemas.

Boas ideias? Chegam aos montes de cidades como Paris, Barcelona, Seul, Bogotá e, mais recentemente, de São Paulo. Entre elas, podemos destacar a priorização do transporte coletivo, com abundância de pistas exclusivas para ônibus, tecnologias mais eficientes e redução de tarifas; a atenção especial a pedestres e ciclistas, com alargamento de calçadas e criação de ciclovias; políticas habitacionais comprometidas com o déficit real, em todas as regionais, inclusive no Centro; o estímulo ao comércio de rua e o desestímulo aos shoppings; a recuperação de rios e córregos; a criação de áreas verdes e praças, em meio a tantas outras medidas.

Não há segredos: os gestores que aí estão conhecem as cidades-referência, onde mudanças simples melhoraram em muito a vida da maioria das pessoas. No entanto, preferem manter privilégios, construir viadutos, agradar ao mercado imobiliário, entregar terrenos de interesse público para construtoras. Na Universidade, há professores, estudantes e grupos de pesquisa que oferecem contrapontos críticos a esse modelo. Só que isso não reverbera na atuação institucional da UFMG, tampouco em sua operação cotidiana e na sua conduta territorial.

O campus Pampulha é um lugar a reboque da cidade. Virou um depositório de carros. Sua monofuncionalidade gera insegurança fora dos horários de uso intenso. Seu córrego foi coberto, e nele joga-se parte do esgoto. Boa parte do lixo não é reciclada e, embora o campus seja uma área verde considerável, não oferece um parque para as pessoas. A Escola de Arquitetura da UFMG, unidade em que leciono, não faz muito diferente e ainda avançou, recentemente, na política intolerante de criminalizar práticas e sujeitos sociais, cuja expressão deveria fomentar a atenção à diversidade.

O Festival de Inverno de 2014 realizou um experimento territorial em que o campus Pampulha ganhou sistema de bicicletas compartilhadas, ônibus com tarifa zero até a região central da cidade, restaurante coletivo articulado com agricultores urbanos, compostagem do lixo orgânico, coleta seletiva ampliada, tudo em meio à presença de sujeitos sociais que nunca haviam pisado no campus, como mestres das culturas indígena e negra, moradores de ocupações urbanas, entre outros. O experimento foi modesto, com limitações operacionais e orçamentárias, mas mostrou enorme potência transformadora.

Como seria o campus se houvesse centenas de bicicletas compartilhadas para possibilitar o deslocamento entre suas unidades e outros pontos da cidade? Se as pessoas pudessem chegar a ele facilmente de ônibus ou de metrô? Se fosse tratado como um grande parque, território do afeto e do lazer, aberto para um público diverso? Se abandonasse a herança monofuncional e diversificasse seus usos, enriquecendo-se com moradias, comércios e serviços? Se um sistema de energia solar suprisse a demanda? Se todo o lixo orgânico fosse compostado, e o lixo reciclável, reciclado? Se o córrego do Engenho fosse aberto, e a UFMG fosse um modelo de gestão hídrica?

Isso tudo é possível e existe em cidades e campi mundo afora. A Universidade deveria ser o modelo em que a cidade buscaria se espelhar, e não o contrário. Saber é também praticar o saber e conseguir transformar seu quintal. Parece tão óbvio, não? Recentemente, a Prefeitura de São Paulo realizou um concurso de ideias para o Plano Diretor. Urbanistas de todo o país colaboraram com propostas que subsidiaram amplo processo participativo. O resultado é muito rico e, não por acaso, urbanistas egressos da UFMG – profissionais capacitados que poderiam aportar contribuições para a urgente e desejável transformação dos territórios da Universidade – foram premiados em várias categorias.

Aproveitando a recente criação de um comitê de gestão dos campi, que tal um processo amplo de revisão do plano diretor, das posturas da UFMG em todos os setores – internos e externos –, com um concurso de ideias para subsidiar a discussão? Enquanto se espelhar na cidade, o campus não passará de uma cidadela. Mas se passar a ser o modelo, aí, sim, a cidade poderá tornar-se o território universal, que é a sua vocação. Um lugar experimental e diverso, de fato, uma cidade universitária.

* Arquiteto-urbanista, professor da Escola de Arquitetura e um dos editores da revista Piseagrama