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Nº 1913 - Ano 42
28.09.2015

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Leishmania contra a artrite

Protozoário modificado geneticamente por pesquisadores da UFMG pode ser alternativa para tratamento de doenças inflamatórias

Ana Rita Araújo

Equipe de estudantes de graduação e de pós-graduação de diversos cursos da UFMG, coordenada por professores e pesquisadores do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), está desenvolvendo organismo geneticamente modificado que poderá representar nova alternativa para o tratamento de doenças inflamatórias como a artrite reumatoide. A proposta é levar o protozoário Leishmania donovani a sintetizar um anti-inflamatório que será liberado diretamente na articulação do paciente que precisa desse medicamento.

“Atenuado para evitar que cause leishmaniose, o protozoário não se reproduzirá no hospedeiro e, quando fagocitado pelos macrófagos (células do sistema imune), produzirá o medicamento interferon-beta”, explica o pesquisador Tiago Mendes, um dos coordenadores da equipe. O projeto participou, neste mês, no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), em Boston (EUA), da Competição Internacional de Máquinas Geneticamente Modificadas (iGEM, sigla em inglês).

A equipe da UFMG estabeleceu colaboração com o pesquisador Hira Nakhasi, do Food and Drug Administration (FDA), que produziu a Leishmania atenuada. A modificação genética para que o protozoário passe a sintetizar o anti-inflamatório interferon-beta está sendo desenvolvida na UFMG. Naturalmente atraído para a articulação inflamada do hospedeiro, o macrófago, nesse caso, portará uma Leishmania que terá algo a mais – o medicamento.

Tiago Mendes explica que o protozoário receberá, por meio da biologia sintética, uma construção gênica que lhe permitirá produzir o interferon-beta quando fagocitado. A preocupação com relação à toxicidade e a possíveis efeitos sistêmicos levou a equipe a planejar mecanismo inibitório de forma que o medicamento seja ativado apenas nas juntas sinoviais, estruturas que unem os ossos. “No local da inflamação, haverá proteases que vão clivar essa região inibitória. Assim, essas proteases, que ficarão expressas diferencialmente na região inflamatória, possibilitarão ao interferon-beta exercer essa ação”, destaca a professora Rafaela Ferreira, uma das instrutoras do trabalho.

Biodistribuição

Outro aspecto relevante da pesquisa refere-se à biodistribuição, forma como a Leishmania se espalha pelo organismo. Nos testes, o protozoário receberá marcação com elemento radioativo e, assim, poderá ser detectado por meio de medições de radioatividade. As possíveis metodologias de administração da Leishmania também serão investigadas pela equipe. “Vamos estudar a administração sistêmica, isto é, com espalhamento da Leishmania para diversos locais do organismo, mas também a administração local, especificamente na região inflamada”, antecipa a professora.

Carrear a medicação diretamente para o local evita rotas tradicionais, que envolvem, por exemplo, o sistema digestivo. A estratégia impede que o medicamento afete outras células e tecidos saudáveis e reduz a chance de aparecimento de efeitos adversos. “Nas entrevistas feitas para o projeto, temos procurado entender, com pacientes, quais os principais problemas do tratamento atualmente disponível”, diz Tiago Mendes. Ele explica que não há cura para artrite reumatoide, e, sim, controle dos sinais e sintomas. Como o medicamento age em outras regiões e tem fortes efeitos adversos, os pacientes costumam suspender temporariamente o uso, quando os sintomas deixam de aparecer.

O direcionamento do remédio para as articulações minimiza as possibilidades de que ele aja em outras células que não os alvos principais, o que reduz os efeitos colaterais. “Outra vantagem é que essa Leishmania consegue sobreviver de duas a três semanas após sintetizar o interferon-beta, o que diminui a necessidade de novas doses para manter o tratamento por um longo período”, observa Tiago Mendes.

Incubadora de ideias

Todo o esforço empreendido com vistas à competição, que termina nesta segunda-feira, 28, se transformou em pretexto para projeto mais ambicioso e duradouro: a criação de incubadora de ideias e a formação de novos grupos de pesquisa para impulsionar e divulgar a biologia sintética, área responsável pelo desenvolvimento de organismos ou sistemas biológicos não existentes na natureza.

A equipe da UFMG foi a única da América do Sul selecionada para a disputa e conseguiu recursos para custear a ida de 12 integrantes bancados com apoio da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia de Minas Gerais, da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais e do Consórcio Europeu de Biologia Sintética (Synenergene). Além de fontes oficiais, o grupo também obteve financiamento coletivo por meio de conta aberta em site especializado em crowdfunding.

Equipe Igem-UFMG
Instrutoras: professoras Liza Felicori e Rafaela Ferreira
Orientadores: pesquisadores Clara Guerra, Rodrigo Baptista e Tiago Mendes
Aluna de doutorado: Íria dos Santos
Alunos de mestrado: Carlos Gonçalves e Thaysa Leite Tagliaferri
Alunos de graduação: Cristiane Toledo, Natália Souza, Marcella de Paula, Victor Valadares, Ana Carolina de Almeida Prado, André Brait, Clarissa Lopes, Alessandra Martins, Lucas Santiago e Daniella Gonçalves

[Versão resumida de matéria publicada no Portal UFMG, seção Pesquisa e Inovação, em 22 de setembro de 2015]