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Nº 1913 - Ano 42
28.09.2015

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opiniao

O Sisu na UFMG e a necessidade de um olhar sobre as desigualdades

Bréscia Nonato*

Na edição 1.909 (22 de junho de 2015) deste BOLETIM, foi publicado um interessante artigo de opinião com o título A UFMG no Sisu e a arte de transformar virtude em defeito. O texto do professor Luciano Mendes discutiu o que chama de “suposta elitização”, fenômeno que, a seu ver, deveria ser visto como positivo, mas tem sido interpretado como negativo na mídia e em alguns setores da universidade. Em seu texto, entre outras considerações, Mendes afirma que a elitização da UFMG, diante do contexto do Sisu, era previsível dado o prestígio da instituição.

É preciso problematizar que o Sisu se serve de uma lógica hierarquizante e meritocrática. Isso não seria problema se a sociedade brasileira estivesse perto de ser justa e igualitária.

Não é esse o caso e ainda há um longo caminho a ser trilhado. Como sistema que evidencia e faz uso das desigualdades sociais presentes em nosso país, o Sisu ainda não pode ser considerado motivo de orgulho. As melhores notas no Enem e, consequentemente, o ingresso na UFMG são fruto de uma trajetória escolar e social que possibilita acesso a bens materiais, culturais e redes de informação que são privilégios de poucos jovens de nossa sociedade.

Se, por um lado, o Sisu amplia as possibilidades de acesso à universidade, quando consideramos a dimensão geográfica, é preciso ponderar que, por outro, ele acirra a competição entre jovens de todo o país. Isso só seria virtude se a educação, em especial a pública, oferecesse as mesmas condições de acesso, permanência e qualidade em todo o território nacional.

Como pronunciado pelo pró-reitor de Graduação, Ricardo Takahashi, no seminário que ocorreu no primeiro semestre de 2015: “É o sistema de cotas que tem funcionado como um contrapeso à elitização promovida pelo Sisu”. As cotas se configuram como um percentual de vagas destinado a alunos de escolas públicas, considerando também as variáveis renda e cor. Logo, o jovem pode escolher concorrer em uma entre cinco modalidades distintas: ampla concorrência, para aqueles que não podem ou não desejam se beneficiar de nenhuma das cotas; egressos de escolas públicas, independentemente da cor ou renda; egressos de escolas públicas com baixa renda, independentemente da cor; egressos de escolas públicas que se autodeclaram pretos, pardos ou indígenas, independentemente da renda; egressos de escolas públicas autodeclarados pretos, pardos ou indígenas e de baixa renda.

É importante salientar que, se não fosse o sistema de cotas (ainda em processo de implementação), com reserva de vagas proporcional por cursos e turno, a possibilidade de ingresso em cursos considerados tradicionais e de elite seria apenas um sonho distante para muitos jovens de camadas populares. Ser negro, pobre e estudante de Medicina ou de Direito na UFMG não era e ainda não é algo comum, mas a obrigatoriedade das cotas proporcionais tem mudado esse cenário. Apesar da necessidade de ajustes, esse é um grande avanço em relação ao bônus.

Passemos ao que precisa ser aperfeiçoado, revisado, problematizado nas cotas e também no Sisu.

Em relação às cotas, os dados dos processos seletivos pós-Sisu referentes às primeira e segunda edições de 2014 e à primeira edição de 2015 revelam que as notas de corte de escolas públicas são, na maior parte dos cursos, superiores às notas de corte de ampla concorrência. Mas por que isso acontece? As escolas públicas, que atendem quase 90% da população brasileira, como é sabido, dispõem de públicos e qualidades muito diversas. Temos desde escolas altamente seletivas que recebem investimento público diferenciado, como as técnicas federais de nível médio e os colégios militares, até escolas periféricas com infraestruturas precárias e falta constante de professores. Apesar dessa disparidade, todas são escolas públicas, e os candidatos cotistas que fizeram o ensino médio em qualquer uma delas concorrem entre si, mesmo tendo cursado o ensino fundamental em uma instituição privada.

Considerando a quantidade de escolas públicas existentes, a diferenciação entre essas escolas e o percentual de vagas reservado (37,5%), questiono se não estaria ocorrendo uma superseleção para essas vagas. O ingresso pela modalidade de ampla concorrência em alguns cursos tem sido, em muitos casos, mais simples do que por meio das cotas.

A escolha pelo possível também precisa ser questionada. A inversão do processo, no qual primeiro tem-se a nota e depois escolhe-se o curso, pode tornar as escolhas basicamente estratégicas. Estimula-se uma escolha dentro de um horizonte que, quando ponderada de maneira mais cuidadosa pelo estudante, não condiz com seus desejos e gostos. Isso pode ser um dos motivos para a não efetivação da matrícula por parte dos aprovados no Sisu e para um fenômeno que tem sido chamado de evasão interna. O estudante com a mesma nota do Enem opta por participar de novo processo seletivo do Sisu no segundo semestre. Assim, ingressa em outro curso da própria universidade, deixando vagas ociosas no anterior.

Os problemas que o Sisu apresenta precisam ser francamente analisados, e a Prograd tem feito ampla divulgação de suas virtudes e defeitos. Cabe à UFMG propor novos caminhos e soluções diante dos elementos desse sistema que precisam ser reavaliados, discutidos e aperfeiçoados. Se criarmos instrumentos que viabilizem uma seleção que considere os lugares desiguais de onde partem os sujeitos que buscam se inserir nesta Universidade, estaremos nos aproximando, de fato, dos melhores estudantes.

*Doutoranda em Educação pela UFMG, professora da Educação Básica e pesquisadora do Observatório da Juventude da UFMG e do Observatório Sociológico Família Escola