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Nº 1922 - Ano 42
30.11.2015

opiniao

Um manancial ameaçado pela mineração

Vagner Luciano de Andrade (*)

Imagine um rincão tipicamente mineiro: um centenário jequitibá, muros de pedras que remetem ao tempo da desumana escravidão, nascentes de água mineral, vestígios de degradação de uma antiga mineração, tradicionais agricultores familiares. Associe essa paisagem a uma serra, por onde passou o bandeirante Fernão Dias Paes, e a vários depoimentos de idosos. Eles contam que vários de seus parentes deixaram a região, entre 1950 e 1970, para morar na zona rural de Anápolis, Corumbá, Heitoraí, Itapaci, Itapuranga, Petrolina, Porangatú, São Francisco, em Goiás.

Imaginou? Agora lamente: o retorno das atividades minerárias à região ameaça essa paisagem bucólica e o seu já descaracterizado patrimônio cultural. Lamentavelmente, as atividades de sondagem de subsolo realizadas na Serra da Tapera, conhecida como Serra do Coelho, indicavam a instalação de uma mineradora que já adquiria áreas, interessada no minério de ferro e no manganês existentes na região. A serra, embora ainda não tombada e parcialmente degradada por ações minerárias do passado, é um importante elemento do patrimônio histórico e natural de Desterro de Entre Rios, município a 160 quilômetros de Belo Horizonte. Segundo estudos de Dom Oscar de Oliveira (1912-1997), bispo de Mariana, o local serviu de rota, no fim do século 17, para as bandeiras paulistas de Fernão Dias Leme, que se desviavam dos temíveis índios que habitavam a região.

Na luta diária pela sobrevivência, o patrimônio natural local sempre foi atingido. A pecuária praticada na região descaracterizou remanescentes naturais, sendo comum o desmatamento para pastagens ou cultivos agrícolas. A agricultura familiar de subsistência, marcada pelo plantio no regime de meeiro e venda do excedente, destacava-se na paisagem econômica da região. Com o passar do tempo, os solos foram se exaurindo, em decorrência do uso contínuo e inadequado, o que gerou um conjunto de incertezas, entre as quais, a ameaça da fome. Muitas pessoas, em busca de novas oportunidades, se deslocaram para Goiás, São Paulo, Belo Horizonte e outras localidades de Minas Gerais. Os que partiram para Goiás buscavam terras férteis e fartura de alimentos; os que optaram pelos grandes centros urbanos almejavam empregos na indústria, no comércio e nos serviços.

Posterior ao histórico processo de apropriação dos elementos naturais que, exauridos, ocasionaram fluxos para outras localidades, outra atividade provocou grande impacto socioambiental na região, no início da década de 1960: uma mineradora se instalou na Serra do Coelho, interessada em explorar minério de ferro nas localidades rurais do entorno, mas a exploração se mostrou inviável. Além da degradação do patrimônio natural, o que se sabe é que a mineração exerceu forte atração sobre os moradores locais, e vários jovens planejaram suas vidas na expectativa de um trabalho nas atividades minerárias, para permanecer junto aos seus familiares.

Com o encerramento das atividades, provocado pela inviabilidade comercial de extração mineral, vários deles transferiram residência para Belo Horizonte ou São Paulo, objetivando fixação e emprego, fato que se intensificou principalmente a partir da década de 1970. Na capital paulista, há bairros com considerável número de desterrenses ausentes, como a Vila Albertina, localizada na Zona Norte.

Com projeções do retorno minerário, a população local acredita que, apesar dos impactos, haverá a promoção de empregos e de renda para os municípios envolvidos. Porém as ações antrópicas decorrentes da instalação de atividades minerárias, na divisa com Piracema, afetarão uma pequena área de cerrado preservada, a última de uma região marcada por degradações decorrentes de atividades agropecuárias, onde é comum o desmatamento de remanescentes florestais para plantio de eucalipto e capim “braquiara”. Além disso, as ações minerárias comprometerão seriamente o lençol freático que abastece os moradores das localidades rurais de Barro Branco, Morro Grande, Mumbeca e Tapera. Na serra, existem várias nascentes de córregos, contribuintes das bacias hidrográficas dos ribeirões Capela Nova e Paracatu, ambos tributários do Rio Pará e do São Francisco, indispensáveis às atividades econômicas, ao abastecimento e ao desenvolvimento local. Trata-se de um manancial que ficará ameaçado com a chegada da mineradora, uma vez que a remoção da cobertura vegetal compromete seriamente o nível dos lençóis freáticos. Outro problema é a pressão exercida pela mineração sobre os agricultores familiares, visando à compra de terrenos no entorno, forçando-os a mudar dos locais nos quais seus familiares vivem há muito tempo.

Queremos que esse relevante cenário seja efetivamente preservado e que seu patrimônio cultural e natural seja desenvolvido de forma sustentável e inovadora. Lutemos pela Área de Preservação Ambiental Serra da Tapera, unidade de conservação criada pelo executivo estadual na divisa entre Desterro e Piracema. Só assim sua preservação será assegurada – tanto para as atuais quanto para as futuras gerações.

*Educador e mobilizador da Rede Ação Ambiental, com formação em Ecologia, Geografia, Magistério, Patrimônio e Turismo.