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Nº 1922 - Ano 42
30.11.2015

As gavetas do escritor

Editora UFMG lança coletânea em que Reinaldo Marques, professor da Fale, estabelece novo objeto teórico-crítico: o arquivo literário

Ewerton Martins Ribeiro

Durante sua vida intelectual, o escritor produz, voluntária ou involuntariamente, um arquivo pessoal. Quando esse arquivo é deslocado do ambiente privado para um espaço público – fundação cultural, instituto de pesquisas e estudos, centro de documentação –, ele acaba afetado por um "complexo jogo de forças", que evidenciam a memória – e a sua construção – como campo de luta política.

Em Arquivos literários – Teorias, histórias, desafios, livro que acaba de ser lançado pela Editora UFMG, Reinaldo Marques, professor de teoria da literatura e literatura comparada da Faculdade de Letras (Fale), reúne uma série de ensaios que produziu durante duas décadas de pesquisa teórica – e empírica – sobre o tema e seus desafios, que tocam a privacidade e a ética.

Os textos reunidos por Marques procuram delinear um novo objeto teórico-crítico: o arquivo literário. "O deslocamento do acervo do escritor do espaço privado para o público resulta em sua metamorfose em arquivo literário. Nesse deslocamento, operam-se complexos processos de desterritorialização e reterritorialização, que afetam substancialmente esses arquivos em termos espaciais, organizacionais, operacionais, simbólicos e conceituais", explica o pesquisador.

O que Reinaldo Marques investiga é como o tratamento que esse arquivo sofre por parte de saberes especializados – arquivologia, biblioteconomia, museologia, restauro, conservação – reinterpreta e rearranja subjetivamente o arquivo, fazendo emergirem dele novos sentidos, que se estabelecem por meio de diversas tensões. O resultado desse processo é um arquivo de caráter misto, que deixa de ser privado sem se tornar, absolutamente, público. Como fator complicador para a definição do status desse arquivo, colabora o fato de ele muitas vezes ser hospedado por uma entidade privada.

Os nove ensaios reunidos no livro discutem, além do estabelecimento desse novo objeto teórico-crítico, os rumos da disciplina literatura comparada no século 21, as imagens do escritor que se projetam por meio dos arquivos literários e os conceitos de memória e de imaginação histórica. Além disso, apresentam-se estudos de caso, como o do arquivo de Henriqueta Lisboa, que figura no Acervo de Escritores Mineiros, e o da correspondência travada entre os poetas Abgar Renault e Carlos Drummond de Andrade. Nela, desvela-se, segundo o pesquisador, a forma "como a modernidade se configura de modo tardio em espaços periféricos" como o Brasil.

Work in progress

"Neste livro, de forma geral, apresento uma teoria que tem sido construída pela experiência prática de lidar com o acervo do escritor", diz Reinaldo Marques. Suas pesquisas remontam ao seu trabalho, a partir de 1996, no Acervo de Escritores Mineiros (AEM), órgão do qual foi diretor. Ele também realizou dois pós-doutorados sobre o tema dos arquivos literários (PUC-Rio, 2005/2006) e o das ficções engendradas por esse tipo de arquivo (UFRJ, 2014/2015). Dessas investigações resultou o ensaio mais longo do volume: Arquivos literários, entre o público e o privado.

Com efeito, a coletânea reporta uma espécie de work in progress pertinente à definição do arquivo literário como objeto epistemológico, o que implica "certo caráter repetitivo de alguns textos, de retomada de alguns argumentos ou formulações de textos anteriores, para melhor elaboração" – como explica o próprio autor, definindo seu novo objeto teórico-crítico como constante devir. "Meu esforço de elaboração do conceito de 'arquivo literário' acabou resultando numa ficção teórica", diz Reinaldo Marques, à moda de Jorge Luis Borges. "A noção de arquivo literário remete a um objeto mais imaginado e ideal, nem sempre localizável no mundo empírico. Porque é impossível totalizar o arquivo", conclui, parafraseando Foucault.

Livro: Arquivos literários – Teorias, histórias, desafios
Autor: Reinaldo Marques
Editora UFMG
228 páginas / R$ 42 (preço de capa)