Diversidade

Sem deixar ninguém de fora

ITAMAR RIGUEIRA JR.

Medicina e outras especialidades se unem em torno de um objetivo universalizante: cuidar, sem distinção, da saúde de homens, mulheres, crianças e idosos

As especialidades da medicina – e as outras áreas da saúde humana – têm atuado juntas em uma nova forma de especialização, destinada a cuidar de crianças, mulheres, homens e idosos. Programas e estratégias de governo dão materialidade a políticas específicas, e pesquisadores se dedicam a ampliar a compreensão sobre as características e as necessidades nos diversos setores.
Esta reportagem segue tal tendência e procura revelar iniciativas em prol desses grupos e a opinião de professores e outros profissionais sobre avanços e carências. Assim, entre outros aspectos, as análises giram em torno da importância da educação para a saúde das crianças e da prevenção para o bem-estar da mulher, da necessidade de convencer os homens a procurar um médico e da estrutura ainda incipiente para atender a população com mais de 60 anos, que não pára de crescer.

Mais devagar... e sempre!

A construção do Instituto Genny Faria de Assistência à Saúde do Idoso, em Belo Horizonte, que vai ampliar em cinco vezes a capacidade de atendimento a pessoas dessa faixa etária pelo Hospital das Clínicas da UFMG, integra uma história exemplar sobre a migração do foco das preocupações da medicina. O prédio que sediará o novo instituto abrigou o Hospital Carlos Chagas, dedicado às doenças infecto-parasitárias, e mais tarde transformou-se em centro de saúde ginecológica. Sua nova destinação responde a uma demanda criada pelo extraordinário crescimento da população de idosos no Brasil.

O país tem hoje quase 20 milhões de idosos, que correspondem a mais de 10% da população. É melhor esquecer, portanto, a idéia do país de jovens. “O Brasil vive franco envelhecimento populacional, em ritmo que nunca se viu no mundo, e com essa massa de idosos começam a aparecer vários problemas”, alerta Edgar Moraes, professor da Faculdade de Medicina da UFMG e coordenador do Centro de Referência do Idoso do Hospital das Clínicas (HC). Ele informa que 40% dos recursos da saúde são gastos com pessoas acima de 60 anos e avalia que esse dinheiro é “mal aplicado, uma vez que não gera benefícios proporcionais”.

O problema, segundo Moraes, é o despreparo de quem atende os idosos. Capacitar o atendimento é urgente e fundamental para uma aplicação mais racional dos recursos, já que proporcionaria economia em remédios, exames e internações. Ele lembra que o Brasil tem apenas 600 geriatras, concentrados no sistema particular. O Sistema Único de Saúde (SUS) está apenas começando a se estruturar para oferecer consultas especializadas – a UFMG trabalha para treinar profissionais das redes públicas. “O médico em um centro de saúde dá 12 consultas por manhã e acaba dedicando a mesma atenção para pessoas de qualquer idade. Situações como esta têm de mudar”, afirma Edgar Moraes.

A opinião de Moraes sobre o despreparo dos profissionais é compartilhada pela professora Anadias Trajano Camargos, da Escola de Enfermagem da UFMG. Ela defende que as escolas criem disciplinas de graduação e cursos de especialização para capacitar profissionais e que o governo “dê sustentação política a propostas que mantenham as pessoas vivas e com saúde”.

Novo olhar

Para Edgar Moraes, o velho “não é um adulto de cabelo branco”, o que significa que suas doenças não devem ser consideradas normais da idade. O esquecimento, por exemplo, pode ser sintoma da Doença de Alzheimer, cujo tratamento é oferecido pelo governo, mas apenas 5% a 10% dos idosos tomam a medicação apropriada para o mal. Outro exemplo está ligado às quedas, tidas como inevitáveis depois de certa idade. “Todo mundo aceita que o velho caia, quebre o fêmur e vá para a cama, quando a causa principal do problema é o uso errado de tranqüilizantes e remédios para dormir, que afetam o equilíbrio”, explica o professor da UFMG, acrescentando que há tratamentos capazes de evitar metade das fraturas e que o SUS de Belo Horizonte, por exemplo, já custeia exames de densitometria óssea.

O geriatra defende a adoção de um novo olhar sobre a saúde do idoso, capaz de prevenir equívocos como a polifarmácia, que ocorre quando a pessoa toma simultaneamente cinco ou mais medicamentos. As chances de essa interação tornar-se maléfica passam de 80%, produzindo sintomas ou gerando internações.

Mas esse novo olhar, ressalta Edgar Moraes, deve se estender a todas as faixas etárias. Uma velhice bem-sucedida depende de uma boa gravidez, uma boa infância, e por aí vai. “O acúmulo de fatores de risco traz problemas mais tarde. Se a pessoa envelhece com pouca saúde, vai perder isso lá na frente. É muito melhor chegar lá com reservas”, explica o coordenador do Centro de Referência do Idoso, braço de extensão e assistência do Núcleo de Geriatria e Gerontologia da UFMG (Nugg), que congrega professores de diversas áreas envolvidos com o assunto. “O velho que tem uma boa ‘poupança’ torna-se apenas mais lento, o que não impede uma vida saudável por muito tempo”, completa Moraes.

Os cuidados com a saúde dos velhos brasileiros serão reforçados com os resultados de um estudo que envolverá nove mil pessoas com mais de 65 anos em diferentes regiões do Brasil. O objetivo da Rede Fibra (Fragilidade dos Idosos Brasileiros), que tem um de seus pólos na UFMG – os outros estão na Unicamp, na USP de Ribeirão Preto e na Uerj –, é saber como se manifesta no país a Síndrome Biológica da Fragilidade em Idosos, definida há pouco mais de 10 anos. Além do número de idosos frágeis, os pesquisadores querem descobrir fatores associados à fragilidade, relacionados a demografia, cognição, autopercepção, depressão, acesso a serviços de saúde e doenças paralelas.

Sinais de fragilidade

De acordo com Rosângela Corrêa Dias, professora do Departamento de Fisioterapia e coordenadora do Pólo UFMG da Rede Fibra, fragilidade não é doença. Definida por marcadores biológicos, alterações metabólicas e aspectos como perda de massa muscular, a síndrome leva ao declínio funcional extremo, gerando perda de autonomia e dependência. O enquadramento dos idosos é feito segundo cinco critérios: força nas mãos, velocidade da marcha, gasto calórico na atividade física, sensação de exaustão relatada pela própria pessoa e perda de peso não-intencional. Os pré-frágeis apresentam um ou dois desses indicadores e os frágeis, três ou mais. Para estes, a chance de reversão é pequena, mas um programa de fisioterapia específico impede a evolução da síndrome e ajuda a melhorar a qualidade de vida. Os pré-frágeis têm boa chance de ter o processo revertido se forem submetidos a exercícios que visam ao equilíbrio, ao ganho de força muscular e à reabilitação funcional.

Rosângela Dias lembra que o envelhecimento é um dos focos do trabalho da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Educacional da UFMG. Estudos importantes, como aqueles que tratam de marcadores inflamatórios, têm sido publicados e os diversos laboratórios investigam temas como perda de massa muscular, motivações e conseqüências das quedas e funções cardíacas. “Queremos saber por que alguns idosos envelhecem bem e outros mal, e precisamos diminuir o abismo que existe entre a capacidade que temos de tratar os velhos e a nossa incapacidade de fazer com que as pessoas cheguem bem à velhice”, defende a professora.

Saúde é coisa de homem

Ao mesmo tempo em que descobre o crescimento impressionante da população de idosos, o Brasil se dá conta também de que os homens ainda não estão convencidos da necessidade de parar para cuidar da própria saúde. Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, inaugurou em setembro deste ano um centro de referência voltado para a saúde do homem. Os centros Viva Vida, que o governo de Minas Gerais constrói por todo o estado, prevêem cuidados específicos como a prevenção do câncer de próstata. E o Ministério da Saúde acena com uma política nacional de atenção ao problema.

O governo federal parte de números que posicionam os acidentes e a violência – as chamadas causas externas – na liderança da responsabilidade pelas mortes dos homens entre 25 e 59 anos de idade. Depois aparecem, na ordem, as doenças do aparelho circulatório, os tumores e os males dos aparelhos digestivo e respiratório. Em 2007, quase 40% das 11,3 milhões de internações registradas no país foram de homens.

Política nacional Para dar a partida no combate à resistência dos homens, o Ministério da Saúde criou uma área técnica dedicada à saúde masculina, elaborou o documento-base Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem e abriu uma consulta pública. A idéia é lançar a política ainda em 2008. A ênfase recairá, naturalmente, na prevenção, incluindo mudança de hábitos alimentares, redução do consumo de álcool e eliminação do fumo. Mas o governo pretende priorizar também a abordagem da saúde sexual e reprodutiva.

O médico e sexólogo Ricardo Cavalcanti, coordenador da área no Ministério da Saúde, conta com a mudança da mentalidade machista da sociedade brasileira e anuncia a realização de campanhas publicitárias voltadas também para a mulher, que teria papel fundamental no convencimento e nos cuidados com a saúde de maridos, companheiros e parentes. Cavalcanti pretende convocar ainda a parceria das empresas, através da criação de programas para estimular os trabalhadores a freqüentar os consultórios. Além disso, as ações a serem implementadas deverão derrubar barreiras institucionais – os postos de saúde não estariam preparados, segundo o coordenador, para cuidar dos aspectos sexuais da saúde do homem, por exemplo – e médicas, representadas, entre outros fatores, por consultas muito ligeiras, que não permitem estabelecer a importante relação médico-paciente.

Câncer e violência

Identificar as necessidades da população masculina, atrair os homens para o contato com o sistema de saúde e enfrentar os problemas de acordo com os indicadores relativos a esse grupo são objetivos que resumem a filosofia do Centro de Referência da Saúde do Homem, que acaba de nascer em Contagem. Tem aumentado no município a taxa de mortalidade por doenças vasculares e câncer de próstata e chama a atenção a capacidade de ferir e matar dos acidentes e da violência, que respondem por 83,1% dos casos de adoecimento e morte na faixa dos 15 aos 19 anos.

Com capacidade de atender até 100 homens por dia, o Centro oferece assistência multiprofissional, focada na prevenção e no acompanhamento da população masculina, envolvendo cardiologia, urologia, proctologia, dermatologia, homeopatia e acupuntura, entre outras especialidades. Uma equipe se dedica às doenças sexualmente transmissíveis – do aconselhamento ao tratamento. Com relação à orientação para a saúde, na mesma linha do projeto do governo federal, a prefeitura quer a parceria de empresas de transporte, guarda municipal e indústrias com maioria de trabalhadores do sexo masculino.

Coordenadora do trabalho voltado para a saúde do homem em Contagem, a enfermeira Heloisa Helena de Carvalho diz que não tem ainda um panorama preciso das necessidades. Por isso, as atividades do Centro de Referência serão realizadas em paralelo com as do Instituto de Saúde do Homem, também ligado à prefeitura de Contagem, que funcionará como um observatório interdisciplinar, de cunho acadêmico e científico. “O Instituto vai traçar os perfis epidemiológicos das doenças prevalentes e promover atividades de capacitação de profissionais para os cuidados específicos relacionados à saúde do homem”, conta Heloisa, que atua há 20 anos no sistema público de saúde em Contagem.

Mulher precisa de prevenção

Um grande problema que persiste no Brasil é o fato de que a saúde preventiva ainda não faz parte da realidade da maioria das pessoas. E a saúde da mulher depende muito da prevenção. As taxas ainda elevadas de gravidez indesejada, por exemplo, são resultado da falta de planejamento familiar, e o acesso ao conceito e aos procedimentos desse planejamento ainda é muito restrito.

A professora Regina Aguiar, subchefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da UFMG, lamenta que continue expressiva a incidência de câncer do colo do útero, que é de fácil detecção, e que ainda seja relativamente raro o diagnóstico precoce do câncer de mama, dificultando os bons resultados da terapêutica disponível. Para ela, tendo em vista o sistema de saúde e a tecnologia de que dispõe o Brasil, não se justifica o tímido impacto das políticas de assistência à saúde da mulher na maior parte do país.

Mas por que isso acontece? “Já temos políticas fantásticas do ponto de vista do planejamento, mas falha a execução, ou seja, a prática da assistência está longe de estar à disposição das mulheres. Se uma mulher espera 50 dias para marcar uma consulta, fica três horas esperando sua vez e é liberada em dez minutos pelo médico, é difícil que aquilo faça sentido na vida dela”, afirma Regina, coordenadora do serviço de obstetrícia do Hospital das Clínicas da UFMG.

Segurança enganosa

A professora menciona uma das principais preocupações da gestão da saúde pública nos dias atuais: a feminização da infecção pelo HIV. Há pouco mais de 20 anos, havia cerca de 20 homens portadores para cada mulher – hoje a relação não chega a dois para uma. Segundo Regina Aguiar, o fenômeno reflete sobretudo a sensação enganosa de segurança das mulheres casadas, que se sentem protegidas por manter relação monogâmica. Em Minas Gerais, a política de combate a essa tendência inclui treinamento específico dos profissionais de saúde e a promoção de encontros que abordam questões que envolvem a sexualidade, estendendo-se à prevenção da transmissão vertical mãe-bebê. A mulher sabidamente infectada é medicada antes do parto e evita o aleitamento; as outras se submetem a testes e passam por medidas de prevenção até que o resultado do exame esteja disponível.

A articulação da rede de assistência à mulher no estado tem priorizado também aspectos como violência e gestações de alto risco. Com capacitação profissional e dotação de equipamentos para maternidades, além da construção de unidades desse tipo e incremento da rede de UTIs neonatais, as taxas de mortalidade materna foram reduzidas de 106,76 para cada 100 mil bebês nascidos vivos, em 1997, para 28,87, em 2006. Mesmo considerada a margem de erro que se deve à suposta subnotificação de casos, a evolução é considerável: o índice baixou de “muito alto” para “médio”, segundo os critérios da Organização Mundial de Saúde.

Até 2010, Minas Gerais terá 47 Centros de Referência em Saúde Sexual e Reprodutiva (os Centros Viva Vida), que vão atuar por microrregiões. Sete deles já estão funcionando, com atendimento não apenas à mulher, mas também ao homem e à criança.

Formação profissional

Falar de saúde da mulher torna inevitável abordar a polêmica que opõe o parto normal à cesariana. Regina Aguiar, da UFMG, lembra que o aumento da opção pela cesariana nos últimos tempos se deve a uma falsa cultura de segurança desse tipo de procedimento, que protegeria tanto o feto – do risco de lesões – quanto o corpo da mulher – sobretudo do ponto de vista da funcionalidade sexual. Ela explica que, ao contrário, o parto vaginal é a via natural após uma gravidez saudável. Ele é mais seguro porque evita possíveis complicações de uma cirurgia e diminui as chances de problemas em uma futura gravidez. Além disso, as contrações e todo o processo do parto natural proporcionam importante transição para o funcionamento dos órgãos do bebê no meio extra-uterino.

O temor dos profissionais com relação a processos judiciais por danos no parto e a redução de seu tempo disponível em função do acúmulo de empregos ajudam a criar o ambiente favorável à cesariana, principalmente nos serviços privados de saúde. De acordo com a professora da UFMG, no serviço público, que atende mulheres menos saudáveis e com menor acesso à prevenção, a taxa de cesarianas não chega a 50% em âmbito nacional, enquanto nos hospitais privados de algumas regiões mais de 80% das mulheres saudáveis escolhem a cesariana. O Hospital das Clínicas faz 36% de seus partos por cesariana, e a meta e chegar a 32%. “A grande taxa de cesarianas sem justificativa médica não está no serviço público”, resume Regina Aguiar.

Compromisso social

Assim como defende a eliminação de preconceitos como o que leva os médicos a riscarem o parto normal de suas agendas, Regina Aguiar alerta para o perigo que representam os profissionais mal preparados, em virtude, por exemplo, da proliferação dos cursos de medicina. Ela acha que falta a muitos médicos compromisso social e recomenda o exemplo da UFMG, marcada historicamente pela preocupação de fazer seus alunos interagirem com o meio social. “No caso da saúde da mulher, nossos alunos têm contato com a gravidez de alto risco, no HC, e com a de risco habitual, no Hospital Universitário Risoleta Neves, e ainda fazem estágios em outras maternidades. Além disso, cuidamos para que o aluno não saia com o vício de trabalhar apenas com alta tecnologia”, explica Regina.

Criança saudável é criança segura

Conquistas importantes na área da saúde infantil – a combinação de muitas delas tem resultado na redução da mortalidade no Brasil – abrem espaço para o predomínio dos conceitos de promoção da saúde e da segurança da criança. Com a parceria da escola e de profissionais que atuam próximo aos jovens, a medicina e as outras áreas da saúde direcionam seus esforços também para a orientação sobre alimentação, higiene, exercícios físicos, prevenção de doenças e mudança de hábitos de risco.

“Depois da recuperação da saúde e da medicina social e preventiva, que marcaram, respectivamente, a primeira e a segunda metades do século 20, o milênio se inicia com a preparação dos profissionais para uma nova realidade, relacionada ao perigo representado pelos acidentes e pela violência, dentro e fora do ambiente doméstico”, afirma Lincoln Freire, professor associado do Departamento de Pediatria da UFMG e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Parceria

Nesse contexto, segundo o professor, ganha relevância o conceito de promoção da saúde entre crianças e adolescentes, que devem ser educados para cuidados que vão além das medidas tradicionais. Ele considera que famílias, professores e escolas – mais, naturalmente, os diversos profissionais da área médica – devem atuar como parceiros da pediatria. E eles precisam estar preparados para o crescimento, nos próximos 10 anos, do que já pode ser considerado uma epidemia: a morbimortalidade por causas externas, que incluem afogamentos, queimaduras, acidentes, homicídios e suicídios. As previsões sombrias quanto a essas causas já influenciam o trabalho dos pediatras da UFMG, que incluem em seu atendimento ambulatorial orientações sobre prevenção de acidentes. E a segurança da criança e do adolescente integra o currículo da residência pediátrica na Universidade.

O objetivo é incrementar alguns resultados positivos na área da saúde da criança, representados pela queda da mortalidade infantil no Brasil – a taxa caiu de 36,9 por mil nascidos vivos, em 1996, para 25,1, em 2006. Entre as causas para esses índices, Freire menciona o trabalho de orientação da família, com o apoio da caderneta da criança, as medidas que reduziram a diarréia e a desidratação, o programa de imunizações que fez cair a incidência de doenças transmissíveis, a disseminação dos testes do Pezinho, da Orelhinha e a triagem oftalmológica neonatal, além de outras iniciativas que uniram governo federal e a sociedade civil, como o Hospital Amigo da Criança, o Carteiro Amigo, os bancos de leite humano. Ele se orgulha de ter participado, através da SBP, das estratégias de incentivo ao aleitamento materno, que receberam apoio da literatura infantil, das novelas de televisão e de artistas que se tornaram “madrinhas” do aleitamento. “Aumentou significativamente no país o percentual de mães que oferecem exclusivamente seu leite ao bebê, o que teve conseqüências extremamente positivas no combate à desnutrição e no fortalecimento dos vínculos mãe-filho”, afirma Lincoln Freire, coordenador das comissões Executiva e Científica do I o Congresso Nacional de Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG – desafios da promoção da saúde.

Contra a obesidade

Se avançou ao desviar muitas de suas crianças do destino da desnutrição, o país parece se dirigir ao extremo oposto. “A obesidade é uma desgraça também enorme”, sentencia Fernando José Nóbrega, professor aposentado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e recém-eleito presidente da Academia Brasileira de Pediatria. Ele lembra que os jovens comem cada vez mais sal e gorduras nocivas e que, da infância à idade adulta, o efeito da obesidade e da má alimentação é abreviar a vida. Nóbrega responsabiliza as falhas na educação por esse problema e diz que é preciso atuar junto aos pais, que devem mudar os próprios hábitos alimentares para servir de exemplo. Na mesma linha de raciocínio do professor Lincoln Freire, ele deposita esperanças na melhor formação dos professores, que exerceriam papel fundamental ao mostrar aos jovens a importância de uma alimentação saudável.

Aos 78 anos, considerado uma das referências da pediatria brasileira, Fernando José Nóbrega é contundente ao analisar a formação dos médicos em sua especialidade. Para começar, diz ele, existem no Brasil faculdades de medicina em excesso, sem que haja professores capacitados para atender tantos alunos, sobretudo nos estados mais pobres. O resultado é uma formação precária. “O índice de reprovação na residência é alto, mas esses médicos não podem ser impedidos de trabalhar”, opina.

Nóbrega, que orienta trabalhos de pós-graduação na Unifesp, reconhece a “bela cobertura” dos programas de vacinação no Brasil e a diminuição da mortalidade, mas critica o estado de desagregação em que ainda vive a família brasileira. “O país gasta fortunas em maternidades para impedir que morram crianças prematuras para depois ‘matar’ as crianças por meio do abandono gerado pela situação social”, ele afirma. O médico recomenda que se estabeleçam prioridades de acordo com as condições e as possibilidades dos governos locais. “Fazer um plano único para o Brasil é besteira, as prioridades não podem ser iguais em Ribeirão Preto e no sertão do Nordeste”, argumenta.

 


Revista Diversa nº 16
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