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Jane Goodall: a mulher que revolucionou a primatologia

Em meio às florestas da Tanzânia na década de 60, uma jovem inglesa fez descobertas extraordinárias

 

08 de março de 2023

 

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Em meados de 1960, uma jovem inglesa se aventura pelas florestas da Tanzânia para estudar primatas africanos. Sua imagem é nítida e conhecida para os amantes da ciência e telespectadores dos canais de televisão da época: uma mulher esguia de bermuda caqui e um longo cabelo loiro preso em um rabo-de-cavalo, com seus binóculos sempre em mãos. Seu nome é Jane Goodall, pesquisadora que, embora não tivesse formação acadêmica ligada à comunidade científica (ou justamente por causa disso), fez descobertas inusitadas em sua área e revolucionou os caminhos da primatologia.  

 

Nascida em 3 de abril de 1934, Jane cresceu na região de Bournemouth, no sul da Inglaterra. Desde sua infância, tinha grande paixão pela vida animal e sonhava em trabalhar nas selvas africanas. Apesar disso, foi cursar secretariado quando mais velha, pois sua família não conseguia arcar com os custos de sua educação na universidade. Em 1965, vinda de Oxford, retorna a sua cidade natal para trabalhar como garçonete e juntar dinheiro para comprar uma passagem de navio para o Quênia.

 

Ao chegar no continente africano, Jane solicitou uma reunião com Louis S.B. Leakey, um paleoantropólogo com especial interesse em primatas e no estudo sobre a origem da espécie humana. Movido pela determinação e potencial da garota, contrata-a como sua secretária e passa a buscar recursos para enviá-la à Tanzânia como uma cientista em potencial.

 

Em meados de 1960, a jovem monta acampamento na Reserva de Gombe Stream, às margens do Lago Tanganica. Seu pai, Vanne Morris-Goodall, vai como acompanhante da filha, já que o governo tanzaniano não permitia que mulheres vivessem sozinhas na floresta. Jane estabelece seus próprios métodos de pesquisa e segue seus instintos na busca e observação dos chimpanzés da reserva. Não os via somente como objeto de estudo, mas seres com distintas personalidades e comportamentos, fugindo da abordagem e tratamento científico tradicional. Foi criticada por cientistas da área por não ter designado números como forma de identificação de cada animal, mas achava tal conduta equivocada e insensível. Fifi, Flo, Sr. McGregor e David Greybeard foram alguns dos nomes escolhidos pela pesquisadora para os animais com quem convivia diariamente e que a permitiam acessar as particularidades da organização e cotidiano da espécie.

 

Jane e a filhote Flint, primeira cria após sua chegada em Gombe.  (Reprodução/National Geographic)

 

Na época, acreditava-se que primatas não ingeriam carne. Entretanto, foi a partir das observações de Goodall que tal crença foi contradita, ao relatar a cena em que um dos animais se alimentava da carcaça de outra espécie menor. Os chimpanzés eram, então, onívoros, assim como seus parentes humanos. Em outra ocasião, a pesquisadora observou David Greybeard, com sua característica “barba” grisalha, pegar um talo de capim, retirar suas folhas e enfiá-lo em um cupinzeiro. O capim voltava cheio de cupins presos a ele, que eram devorados por David. Nos livros de história, é comum vermos que uma das habilidades que diferenciam o ser humano como “ser racional” é sua capacidade cognitiva de construir e usar ferramentas. Ao descrever tal episódio a seu patrono, Leakey, Jane recebeu como resposta o seguinte telegrama:

 

TEMOS QUE REDEFINIR FERRAMENTA

REDEFINIR HOMEM

OU ACEITAR CHIMPANZÉS COMO SERES HUMANOS.

 

Após tais revolucionárias descobertas, Jane recebeu uma bolsa da National Geographic para continuar seu trabalho em Gombe. Como parte do contrato, foi enviado à reserva um fotógrafo profissional, Hugo van Lawick, para capturar imagens da pesquisadora em ação e dos chimpanzés da região para publicação em veículos midiáticos. Assim, a jovem se tornou um rosto presente em grandes revistas, filmes e programas de TV, que mostravam, com certa espetacularização, sua vida na Tanzânia. As transmissões feitas pela equipe de televisão e as fotografias de Hugo moveram o público e ocasionaram uma percepção geral de que nós, humanos, não somos os únicos seres com personalidade, emoções e subjetividades.

 

(Reprodução/National Geographic)

 

Recepção pela sociedade conservadora

 

Em um momento histórico onde a sociedade tradicional dissuadia mulheres de seguir carreira científica, Jane Goodall abriu caminho pelo ambiente conservador e machista da ciência e da mídia. 

 

Ao longo de sua carreira, se deparou com uma classe majoritariamente masculina que não a levava a sério, chefes de meios de comunicação que queriam roteirizar suas ações e explorar sua “boa aparência” em troca de apoio a sua pesquisa, além do controle de parceiros de trabalho que esperavam interesses amorosos em relações estritamente profissionais. 

 

Em entrevista ao El País, Jane, já com 86 anos, relata os comentários que ouviu de muitos cientistas no lançamento do primeiro documentário produzido pela empresa que a patrocinava: “Por que temos que escutar a Jane? É só uma garota, sem uma graduação, que obteve o apoio da National Geographic porque tem umas pernas bonitas…”. Em outra ocasião, o veículo midiático Associated Press inicia sua reportagem sobre ela com a seguinte frase: “loura esguia com mais tempo para macacos que para homens contou hoje como passou 15 meses na selva estudando os hábitos dos primatas”.

 

De cientista à ativista 

 

Goodall, desde seus primeiros dias em Gombe, argumentava pela proteção e conservação dos animais que acompanhava. Em suas palestras, relatava as características dos chimpanzés com descrições quase humanas: as acrobacias de Fifi ou o ar de superior de seu irmão mais velho, Figan.

 

Um chimpanzé criado em cativeiro chamado Jou Jou estende a mão para Jane. (Reprodução/National Geographic)

 

Com a ajuda de Leakey, foi aceita em um programa de doutorado na Universidade de Cambridge, sendo uma das raras ocasiões em que alguém sem diploma de graduação é admitido pela instituição. Assim que finalizou seus estudos, retornou à reserva para montar uma estação de pesquisa. Em 1986, ela assistiu, em uma conferência em Chicago, a exposições de cientistas que mostravam abusos e crueldades que chimpanzés viviam ao redor do mundo, mantidos em cativeiro em pequenas gaiolas como cobaias em laboratórios médicos.

 

Com isso em mente, Jane decidiu criar, em 1991, o Programa Roots & Shoots, que hoje atua em quase 100 países treinando jovens desde a pré-escola até a universidade para trabalhar em questões ambientais, humanitárias e de conservação. Seu propósito é incentivar as novas gerações a fazer mudanças positivas nas sociedades onde vivem e assim, melhorar o meio ambiente, a vida das pessoas e dos animais. Na mesma entrevista citada acima, para o veículo jornalístico El País, a pesquisadora diz que é preciso encontrar urgentemente maneiras alternativas de vida que não envolvam a destruição do meio ambiente. Para tal, ela ressalta a importância da educação e do empoderamento de jovens adultos, para que se tornem conscientes de seu potencial como agentes de mudança.

 

Na sua visão, os jovens de hoje em dia são a esperança para o futuro, dedicados de coração e alma a fazer uma diferença no mundo, assim como ela já foi, uma jovem garota com olhar sensível para uma espécie tão próxima.

 

Reprodução/Google Earth Programa Roots & Shoots

 

[Texto de autoria de Maria Eduarda Abreu Moura Guimarães, estudante de Jornalismo e estagiária do Núcleo de Comunicação e Design]