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O problema de colonizar Marte

Estabelecer uma colônia em Marte traz uma série de vantagens, mas também levanta várias questões e dificuldades

 

20 de junho de 2023

 

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A velocidade com que nos lançamos ao espaço é espetacular. Há pouco mais de sessenta anos, lançado em uma nave minúscula em condições bastante precárias, correndo riscos extremos, Yuri Gagarin atravessou a atmosfera terrestre e chegou ao espaço. Agora existem planos para não apenas levar humanos para outro planeta, como também estabelecer uma colônia por lá.

 

O programa Artemis, que marcará o nosso retorno para a Lua, já é um primeiro passo de um projeto ainda mais ambicioso. Tendo evidências de já ter sido habitável no passado, o planeta Marte, é visto por boa parte da comunidade científica como um local viável para estabelecer a nossa segunda casa no universo, sendo um dos principais objetivos da astronáutica mundial atualmente.

 

Além da euforia científica dessa empreitada, uma colônia marciana nos tornaria uma espécie interplanetária, o que traz uma série de vantagens pensando na longevidade da humanidade no universo, mas também levanta várias questões e dificuldades que têm grande impacto em nossa existência.

 

Os desafios de uma colônia espacial:

Qualquer ida para fora de nossa atmosfera é altamente perigosa, mesmo com todos os avanços na área de propulsão de foguetes, além da logística ser extremamente complexa. A começar pela distância entre os dois planetas. Nunca um ser humano fez uma viagem espacial tão longa, o que significa dizer que ninguém esteve de verdade em condições semelhantes. O confinamento, a radiação, os riscos de falhas no caminho e os efeitos físicos que uma jornada do tipo pode causar no ser humano são apenas estimados a partir de diversos estudos, mas nunca sentidos na pele. Além disso, o período de menor distância entre Marte e a Terra acontece uma vez a cada  aproximadamente 2 anos, o que significa que não só o retorno será demorado, como também inviabiliza uma missão imediata de resgate caso algo dê errado. 

 

E os obstáculos não param por aí! Nas melhores condições de aproximação dos dois planetas e com as tecnologias de foguetes atuais, ir a Marte levaria aproximadamente 7 meses inteiros, tempo em que os astronautas ficariam confinados na espaçonave flutuando pelo espaço, deixando o planeta azul para trás. 

 

Após a chegada, os astronautas irão encontrar condições extremas de um deserto gelado. A temperatura na superfície varia entre 20 e -153 graus Celsius.

 

Não há campo magnético e a atmosfera é extremamente fina, o que torna o planeta pobre em gases, calor e praticamente indefeso contra ventos solares e raios cósmicos que vêm do espaço. A energia também é escassa, placas solares seriam pouco efetivas devido às fortes tempestades de areia e também por conta da distância da nossa estrela até o planeta, sendo necessárias outras formas de produção energética.

 

Água é outro problema, pois, apesar das evidências da abundância do recurso em um passado distante do planeta, boa parte do planeta é árida. Portanto, a missão idealmente teria de pousar próximo das calotas polares, que podem ser derretidas e tratadas. 

 

Além disso, o solo marciano é infértil e a produção de alimentos precisa ser resolvida para sustentar uma dieta saudável para os astronautas, o que demanda não só uma grande quantidade de energia, como também recursos. 

 

Para tornarmos o planeta habitável de verdade, isto é, ao ponto de sustentar vida semelhante à da Terra, sem a dependência constante de instalações que emulam as condições de nosso planeta, é preciso terraformar Marte. Ou seja, transformar as condições atmosféricas, de temperatura, pressão, recursos d’água e solo do planeta para que sustente a longo prazo uma colônia humana. Esse processo, além de extremamente complicado, é também bastante caro.

 

Apenas o desenvolvimento da Starship, o foguete mais poderoso já construído, escolhido para a Missão Artemis de retorno à Lua e também para a colonização de Marte, custou, em 2019, 3 bilhões de dólares. Mesmo que a ideia da SpaceX, empresa que desenvolve os foguetes, seja baratear os custos, uma missão dessa escala gera inúmeros outros gastos, tornando toda a empreitada salgada para os bolsos das agências espaciais e dos governos que as financiam.

 

(Starship, o foguete mais poderoso já construído – Foto: SpaceX)

 

No entanto, não é surreal dizer que todas essas questões podem ser sim superadas, afinal, já enviamos diversos objetos para o planeta vermelho. Com esforço, estudos e investimento, podemos desenvolver a engenharia necessária e em algumas gerações podemos ter os primeiros humanos nascendo em Marte. Porém, existem muitas outras questões além dos desafios tecnológicos e econômicos quando se trata da expansão de nossa espécie para outros planetas.

 

O que fica para trás?

Uma das principais razões para apontarmos nossos foguetes para Marte é preservar nossa espécie. A verdade inconveniente que se esconde por trás desse sonho é que nosso planetinha azul, nosso único lar no universo, é extremamente frágil.

 

(A Terra, nosso lar – Foto: Reprodução/Nasa)

 

Um asteroide pode acertar em cheio nosso planeta e destruir as civilizações humanas; uma nova pandemia pode dizimar uma quantidade considerável de pessoas; a superpopulação humana pode exceder os limites da produção alimentícia; uma guerra nuclear pode varrer a Terra em um inverno radioativo sem precedentes. Ou, sendo mais realistas, o uso indiscriminado dos recursos naturais do nosso planeta pode, e já está afetando fundamentalmente o equilíbrio ecológico, direcionando nossa espécie para um desastre autodestrutivo, em uma espiral infeliz de erros e negligências que pode acabar com a vida como a conhecemos.

 

Por isso, ter um segundo endereço no Sistema Solar não é uma ideia ruim, mas é um erro presunçoso focar todos os esforços no plano B. 

 

A missão de colonizar Marte, apesar de incrível, se apresenta com um gostinho de que estamos fugindo, fugindo das responsabilidades de reverter os danos que causamos e preservar o planeta que já é nossa casa

 

Quem vai e quem fica?

Curioso também é pensar que a humanidade pode em um futuro próximo ser uma espécie interplanetária, transitando corriqueiramente em vias estelares e construindo fortalezas em planetas distantes. Não há dúvidas de que nós podemos ir muito longe, cruzando os limites da fronteira final em astronaves brilhantes, mas quem é essa tal “humanidade”? 

 

Temos muitos motivos para dizer que qualquer conquista científica é uma conquista humana, coletiva e pertencente a todos de nossa espécie. Afinal, idealmente a ciência é uma ferramenta para não apenas transformar, mas também ajudar a vida de todos no planeta. Mas quando olhamos para os lados, para as divisões sociopolíticas, econômicas e étnicas de nossa espécie, vemos fragmentos desiguais, com diferentes níveis de acesso às tais conquistas da ciência. 

 

Apesar de bonito e ressonante, um mundo em que a ciência e seus benefícios são acessíveis a todos ainda não é realidade. Mesmo com o empenho de divulgadores científicos, academias, escolas e projetos de ensino e promoção da ciência, é preciso um esforço conjunto e plural para realmente possibilitar a participação e acesso aos adventos da ciência para toda a população. 

 

Então, quando pensamos na exploração espacial e também em Marte, essa infeliz inconveniência não é menos gritante. Em seis décadas de voos espaciais, menos da metade das pessoas que foram ao espaço eram negras ou não brancas.

 

Esses fatores levam a perguntas que ainda não possuem uma resposta convincente: qual é o rosto da “humanidade” que irá colonizar Marte? Quem terá acesso ao “plano B” caso as coisas por aqui não corram bem?

 

(Planeta Marte – Foto: Reprodução/Nasa)

 

O futuro:

Mesmo com todas essas discussões que não são tão lembradas quanto a engenharia de uma base lunar ou designs das habitações marcianas, o futuro parece um pouco promissor. A missão Artemis, que tem como objetivo levar novamente seres humanos para a Lua e eventualmente para Marte, tem grande foco na diversidade de toda equipe, tornando o espaço um pouquinho mais inclusivo.

 

Existem alguns projetos e fundações que levam iniciativas científicas para regiões menos favorecidas do globo, aumentando também a margem de participação desses espaços em fazeres científicos.

 

Porém, enquanto não pararmos um pouco para zelar pelo planeta que já temos, olhar com atenção para as injustiças, guerras sem propósito, consumo desenfreado e um descompasso entre nossos povos, um assentamento em Marte será sempre a herança amarga de uma espécie autodestrutiva. 

 

[Texto de autoria de Gabriel Barcelos, estudante de jornalismo e bolsista de som do Núcleo de Comunicação e Design]

 

Para saber mais:

Como tornar Marte habitável? Com Iberê e Castanhari

Como Terraformar Marte?

Não vamos usar Marte como um planeta de backup | Lucianne Walkowicz