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De andança por BH

Os rastros de alguns dos mais famosos nomes da literatura nacional nos levam a conhecer cada vez mais a cidade de Belo Horizonte

 

10 de junho de 2025

 

Por Maria Eduarda Abreu,

estudante de jornalismo e bolsista de Comunicação no Espaço do Conhecimento UFMG

 

Pelas ladeiras da capital mineira, escritores canônicos da literatura brasileira caminharam “todos manhosos, ladinos, cautelosos e desconfiados”, como bem resume a mineiridade Fernando Sabino na crônica “Minas Enigma”. Pelas subidas, descidas, praças, bondes e bares, se demoravam os olhares sensíveis daqueles prontos para criarem vida com a ponta do lápis. Como típico de capitais e cidades grandes famintas pelo (des)envolvimento, Belo Horizonte guarda em suas paisagens cada vez menos de sua própria história. Os passos de célebres nomes mineiros ainda deixam rastros leves para os olhos e corações atentos, mesmo frente à verticalização claustrofóbica.

 

Talvez você nem imagine que as ruas por onde anda, o comércio ou o café que visita ou até mesmo aquela esquina onde espera o ônibus carregam histórias de nomes como Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Guimarães Rosa, Alaíde dos Santos, Henriqueta Lisboa, Murilo Rubião, o próprio Fernando Sabino e uma multidão de outros artistas que perambulavam por aqui, especialmente pela região da Savassi e demais ruas do Centro-Sul belo-horizontino.

 

Na rua Silva Jardim, na altura do número 107 e ao lado da Igreja Nossa Senhora das Dores, foi o local que abrigou o recém-chegado de Itabira Carlos Drummond de Andrade, na década de 1920. O pequeno portão de ferro, a escada de mármore, as paredes azuis e duas janelas solitárias compunham o imóvel que foi residência do escritor até ele se mudar para o Rio de Janeiro. Em seu poema Lanterna Mágica, lembra do espaço como “a casinha de alpendre com duas janelas dolorosas”. O número 107 da Silva Jardim abriga hoje, para surpresa de poucos, um complexo residencial que nada remete mais à morada de Drummond. Resgatando a aparência antiga do lugar veio Pedro Nava, que visitou memórias de sua vida à pedido do Jornal Estado de Minas, em 1876. Na casinha, na época já uma qualquer entre muitas outras, o também escritor modernista e morador do bairro Floresta rememorou os momentos de encontro com o amigo.

 

 

Estátuas dos amigos Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade no centro de BH. (Créditos: Reprodução/Sou BH).

 

BH, 1976: Pedro Nava visita antiga casa de Carlos Drummond de Andrade, na Rua Silva Jardim, Floresta. (Créditos: JORGE GONTIJO/EM/D.APRESS – 17/12/76).

 

Foi na Rua Gonçalves Dias, 1.458, no bairro Funcionários, que viveu Fernando Sabino até seus 21 anos. Em O Menino do Espelho (1982), relembrou sua infância no terreno da família nas linhas “Havia um quintal, uma mangueira, uma caixa de areia”. Pode ser que você reconheça o dito endereço como a localização atual da Escola de Design da UEMG, localizada bem próxima ao Espaço do Conhecimento, aqui nos arredores da Praça da Liberdade! Era esta mesma praça que Sabino considerava a extensão de sua própria casa e onde desenvolveu sua maior obra, o romance “Encontro Marcado”. Nos bancos deste cartão postal de BH, se reunia com os outros três dos “quatro cavalheiros do apocalipse”, como eram conhecidos os escritores mineiros Otto Lara Rezende, Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino e Fernando Sabino. Um dos seus encontros está eternamente marcado em estátuas de bronze de tamanho real em frente à Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais Luiz de Bessa.

 

Em 2001, três anos antes de seu falecimento, Fernando Sabino volta à Belo Horizonte e deixa-nos de presente singelas palavras: 

 

“E a Praça da Liberdade – magnífica surpresa: impecavelmente recuperada, em todo o esplendor da minha lembrança. Vou direto ao banco onde nós, os quatro amigos de uma eterna juventude, tínhamos encontro marcado noite adentro para puxar angústia. O coreto em frente ao lago, os jardins ainda mais belos… Reconheço até mesmo o desvão entre roseiras em flor, onde ousei colher o primeiro beijo de uma namoradinha, esta minha apenas (se não me engano).”

 

Outra grande escritora mineira, também eternizada nas ruas de BH, é a poetisa Henriqueta Lisboa, natural da cidade de Lambari (MG) e dona da célebre obra “Flor da Morte”. A primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras fez residência na Rua Pernambuco, 1.338/403, no bairro da Savassi, quando um horizonte limpo de prédios enormes ainda possibilitava uma visão da Serra do Curral de encher os olhos. O prédio onde a autora viveu por grande parte de sua vida ainda está de pé e mais cheio de moradores, que podem encontrar Henriqueta na porta de seu condomínio, em uma estátua que celebra a eterna morada da brilhante poetisa.

 

Quem também fez sua passagem por aqui, mais especificamente pelos morros do bairro Santo Antônio, foi ele: João Guimarães Rosa! Um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos  morou em uma casinha tradicional na esquina da Rua Leopoldina com a Rua Congonhas, no número 415. No mesmo endereço funcionou por muitos anos depois o Bar do Lulu, um dos mais famosos pontos de encontro da boemia belo-horizontina, fechado em 1999. O autor cordisburguense mudou-se jovem para Belo Horizonte a fim de estudar Medicina na UFMG e morou no que era, até pouco tempo atrás, um conjunto de residências harmônicas e preservadas. Há alguns anos, para muito além das descaracterizações, todo o terreno próximo foi comprado e esvaziado por uma construtora, enterrando muito da memória simbólica e material que não encontra forças suficientes para resistir. Hoje, a casa que uma vez pertenceu a Guimarães Rosa ainda permanece na mesma esquina, junto a outras 13 residências poupadas pelo complexo residencial de 27 andares.

 

Frente ao perigo constante que paira sob estes imóveis e espaços de memória e cultura, é mais importante que nunca lembrar de como foram berços de algumas das mais belas palavras da literatura brasileira. Fica o convite para explorar Belo Horizonte em todos seus segredos, lembranças e mistérios! Há muito para além da superfície!

 

Referências

Conheça os endereços de 13 escritores famosos e sua relação com Belo Horizonte

Primeira leitura: ‘Floresta’, de Caio Junqueira Maciel

Na véspera de completar 118 anos, Belo Horizonte guarda pouco de sua história em sua paisagem

No Dia do Escritor, casa onde morou Guimarães Rosa, em BH, é demolida