Não é possível abraçar o mundo, mas é possível deixá-lo nos acolher
23 de maio de 2023
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Pense: Quando foi a última vez que você parou por um momento para observar as lindas nuvens brancas se movimentando no céu, perceber os sons rotineiros que nos cercam, ou até mesmo para apreciar a graciosidade das estrelas brilhantes em uma noite cotidiana de sua vida? E a última vez que fez algo simplesmente porque gosta, um hobby, sem nem ao menos perceber o tempo passar? Afinal, quando foi a última vez que você desacelerou?
Em um mundo de urgências, no qual a produtividade se torna medida de reconhecimento e validação pessoal, a criatividade, a arte e a cultura indicam caminhos para uma vida mais autêntica, harmoniosa e inspiradora. Exemplo desse cenário foi o aumento da busca por novas formas de entretenimento, hobbies, cursos e eventos virtuais, durante o contexto pandêmico e de distanciamento social, vivenciado de maneira intensa por muitos de nós nos anos de 2020 e 2021.
A impressão de desconexão com o mundo, e em determinados momentos também com nossas próprias identidades, são sensações que, em boa dose, são impulsionadas pela pressa e agilidade de nossas dinâmicas de vida. Segundo o relatório 2018/2019 da agência Health and Safety Executive (HSE), responsável pela promoção e regulamentação da saúde e segurança no trabalho no Reino Unido, a ansiedade e o estresse foram responsáveis por cerca de 43% de todas as faltas por doença no trabalho no país. O dado aponta para uma clara direção: quase metade de todas as faltas foram atribuídas a condições de saúde mental relacionadas ao trabalho.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), também incluem a cultura como um fator de impacto positivo nas perspectivas de cidadania, inclusão social, crescimento econômico, respeito aos direitos humanos e bem-estar social. A agenda 2030 busca a implementação desses objetivos com o intuito de proporcionar aspectos que impulsionam a criação de um mundo mais justo e sustentável, em seu sentido social, econômico e ambiental, onde as pessoas possam viver com dignidade e harmonia com o planeta.
Os ODS reconhecem a importância da cultura como um fator chave para o desenvolvimento sustentável e promovem a sua valorização e proteção. Através do ODS 11, escolhido como objetivo central do mês de maio no Espaço do Conhecimento, busca-se, entre muitos outros elementos, a valorização da diversidade cultural e a preservação do patrimônio cultural e natural nas cidades.
O contato com as diversas manifestações culturais e artísticas, portanto, estimula a criatividade que se conecta às questões de ancestralidade, repertório, vivências, experiências, vínculos pessoais e até mesmo qualidade de vida.
É preciso amar o inútil
O estresse, autocobrança, uso excessivo de aparelhos eletrônicos, comparações e incertezas são alguns dos fatores que levam à reflexão de alternativas, aliadas aos acompanhamentos profissionais adequados, para evitar o constante esgotamento físico e mental. Entre essas possibilidades, desacelerar apresenta um novo olhar para o tempo e para o que é considerado produtivo. Explorar novos hobbies, práticas e tudo que instiga a curiosidade é um inventivo ato de coragem. O desprendimento do perfeccionismo e dos resultados imediatos é um caminho para a autoconsciência e para a resiliência.
“Ouça, Virgínia, é preciso amar o inútil. Criar pombos sem pensar em comê-los, plantar roseiras sem pensar em colher as rosas, escrever sem pensar em publicar, fazer coisas assim, sem esperar nada em troca. A distância mais curta entre dois pontos pode ser a linha reta, mas é nos caminhos curvos que se encontram as melhores coisas.”
(Lygia Fagundes Telles, Ciranda de Pedra)
Imagem: Franz Bachinger | Pixabay
Em meio às diferentes realidades vivenciadas por todo o território nacional, das quais desacelerar pode estar distante, o investimento e acesso à participação cultural, em especial nos locais vulnerabilizados socialmente, é uma forma de ampliar um potencial criativo e permitir que a sociedade continue reforçando suas identidades, histórias e trocas simbólicas.
As recorrentes tarefas e demandas – cada vez mais potencializadas pela vida contemporânea e por rotinas intensas e recheadas de pressão – fazem com que o descanso se torne um privilégio para muitas pessoas. Não deveria ser! Por isso, é importante compreender que não é possível abraçar o mundo. Mas é possível deixar o mundo nos acolher, quando ajuda e colaboração são necessárias para alcançar uma vida mais equilibrada. Buscar quietude em meio ao caos é resgatar a coragem de um olhar paciente e gentil para as limitações e sonhos que temos dentro de nós mesmos.
“(…) quando falo de ‘viver criativamente’, estou falando de maneira mais ampla. Estou falando de viver uma vida mais motivada pela curiosidade do que pelo medo.”
(Elizabeth Gilbert, Grande Magia)
Desacelerar é uma forma de se deixar guiar pela curiosidade e pelo autoconhecimento, deixando de lado a pressa em uma vida que não possui linha de chegada. É encontrar o mapa para as belas sutilezas que compõem a rotina. É um convite para pausar por um momento, olhar para o céu e fazer algo simplesmente porque gosta.
[Texto de autoria de Ana Carolyna Gonçalves e Fernando Silva, integrantes do Núcleo de Comunicação e Design do Espaço do Conhecimento UFMG]
Referências
Cultura e desenvolvimento no Brasil.
GILBERT, Elizabeth. Grande Magia: Vida criativa sem medo; tradução Renata Telles. 1. ed. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015. 148 p. [e-book].
TELLES, Lygia Fagundes. Ciranda de Pedra. 1. ed. São Paulo: Editora Schwarcz S.A. Selo Companhia das Letras, 2009. 224 p. [e-book].