26 de novembro de 2024
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As obras de Vincent Van Gogh, personificação da transição entre Impressionismo e Pós-Impressionismo, revelam a profunda espiritualidade do artista. Suas criações proporcionam diversas interpretações, mas uma em particular, A Noite Estrelada, cativa o olhar do público. Para alguns, as pinceladas grossas e largas dessa obra refletem o momento de profunda agonia vivido por Van Gogh em 1889. No entanto, recentemente, uma análise conduzida por físicos da China e da França sugere que o pintor holandês possuía, por meio de sua exímia e meticulosa habilidade de observar a natureza, uma impressionante e intuitiva compreensão de fluxos turbulentos — termo da física que descreve o movimento irregular de fluidos, como gases e líquidos.
Mas afinal, você já ouviu falar sobre este fenômeno natural? Ele é mais comum do que parece! Presente em correntes oceânicas, nas nuvens de tempestade, de fumaça, ou até mesmo na circulação sanguínea, o fluxo turbulento é de ordem comum e observado em fluidos, possuindo uma natureza caótica. Embora pareça aleatória para um observador qualquer, essa turbulência segue um padrão que pode ser estudado e parcialmente explicado usando equações matemáticas.
Estas icônicas imagens de Júpiter foram capturadas pela sonda Voyager 1 da NASA em 1979 e revelam um fascinante padrão de fluxo turbulento similar ao representado por Van Gogh em suas pinturas. (Créditos – NASA Goddard Space Flight Center)
É exatamente este fenômeno que Van Gogh capturou em sua pintura a óleo sobre tela, “A Noite Estrelada”, que retrata a vista do céu pouco antes do nascer do Sol, a partir de uma janela voltada para o leste no quarto do artista no sul da França. Nela são representados alguns objetos celestes, como estrelas e a Lua, envolvidas por padrões circulares em formato de redemoinhos, além de uma estrutura em forma de onda que atravessa parte do centro da imagem. Usando uma imagem digital da obra, as cientistas analisaram as 14 principais formas circulares e ondulatórias nela representadas para verificar se suas características correspondiam às teorias físicas que explicam esse tipo de movimento.
“A Noite Estrelada” de Vincent van Gogh (1889), com seus céus em movimento e vórtices de luz, ilustra poeticamente um dos fenômenos da natureza: a turbulência dos fluidos. (Disponível em domínio público via Wikimedia Commons.)
Imagine o intenso desafio de realizar este estudo, considerando que a obra é estática, enquanto a turbulência dos fluidos está intrinsecamente ligada ao movimento. A tradução e interpretação do material foi baseada nas pinceladas e cores presentes nos redemoinhos da pintura, em uma tentativa de obter dados que representassem o dinamismo do céu.
Como resultado, os pesquisadores e as pesquisadoras identificaram que os tamanhos dos 14 redemoinhos em “A Noite Estrelada”, assim como suas distâncias e intensidades relativas, seguem as mesmas regras que governam o movimento dos fluidos na natureza. Eles obedecem a teoria da turbulência de Kolmogorov, que descreve como a energia em um fluxo é transferida e se dissipa em padrões caóticos, mas ainda assim previsíveis.
Além disso, durante a pesquisa, as pinceladas em menor escala foram percebidas se misturando com alguns redemoinhos e giros de fundo de uma forma prevista pela teoria, seguindo um padrão estatístico conhecido como a escala de Batchelor. É como se a pintura imitasse a maneira como pequenas partículas são levadas por correntes turbulentas, como algas no mar ou poeira no vento.
A análise da escala, do espaço entre as pinceladas giratórias e das variações na luminância da tinta revelou-se fundamental para compreender como as leis da física que governam os céus reais são refletidas na representação artística. (Créditos: Yinxiang Ma. via Olhar Digital)
É fascinante imaginar que, apesar de Van Gogh não ter conhecimento teórico das equações que descrevem o fluxo turbulento, ele conseguiu capturar a beleza desse fenômeno, presente no plasma entre galáxias, no ambiente entre a Terra e o Sol, em nossos lagos, oceanos e na atmosfera. Em meio a um momento turbulento de sua própria vida, o artista soube expressar a universalidade dessa força caótica. Se você quer compreender ainda mais detalhes sobre esta impressionante descoberta, acesse os links disponíveis abaixo!
[Texto de autoria de Sarah Lima, bolsista de som do Espaço do Conhecimento UFMG, e Fernando Silva, assessor de comunicação do Espaço do Conhecimento UFMG]
Referências:
CNN Science: Turbulent skies of Vincent Van Gogh’s ‘The Starry Night’ align with a scientific theory, study finds
Revista Smithsonian: The Starry Night’ Accurately Depicts a Scientific Theory That Wasn’t Described Until Years After van Gogh’s Death
Physics of Fluids: Hidden turbulence in van Gogh’s The Starry Night featured
Jupiter’s Great Red Spot Viewed by Voyager I: https://www.nasa.gov/image-article/jupiters-great-red-spot-viewed-by-voyager-i/#.UyoYqfldXzg