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A reunião que definiu a “hora certa” do planeta

Uma história sobre trens, fusos-horários e átomos

 

25 de julho de 2023

 

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Alguns textos atrás, nós conhecemos a história de povos que inventaram formas de contar o tempo, como ampulhetas, relógios de pêndulo, relógios mecânicos e até dispositivos que calculam os segundos a partir das vibrações de átomos de césio 133!

 

Porém, mesmo com todas essas formas de registrar a passagem das horas, foi apenas recentemente que os relógios do mundo inteiro foram sincronizados e passaram a ser da forma como são hoje.

 

Isso se dá pois, durante muitos anos, não havia nenhuma forma de sincronizar os relógios do mundo de forma precisa. Portanto, cada cidade tinha seu próprio fuso, com suas “horas certas” definidas pelos sinos das igrejas, torcidos ao meio-dia quando o Sol estivesse no ponto mais alto do céu. 

 

Na época isso não era um problema, pois as cidades não eram tão conectadas quanto são hoje e para a maioria das pessoas do século 19, bastava saber o horário da fábrica onde trabalhava. Foi só com a Revolução Industrial e a chegada das linhas de trens entre as grandes cidades que a questão dos horários se tornou um problema. 

 

Por conta da diferença de tantos horários locais distintos, era impossível para os maquinistas e para as companhias ferroviárias saber que horas eram ou mesmo planejarem os cronogramas de suas ferrovias. Segundo uma matéria do New York Times de 1883, cerca de 56 horários padrões estavam sendo utilizados para o planejamento dos cronogramas das linhas de trem nos Estados Unidos.

 

(A chegada dos trens bagunçou os horários de todo mundo. Reprodução: A chegada de um trem na estação | By Auguste and Louis Lumière [Louis d. 1948, Auguste d. 1954])

 

Essa quantidade bastante bagunçada de fusos começou a afetar os lucros e despertou a atenção da indústria para a busca de alguma forma de sincronização dos relógios das cidades

 

No Reino Unido, a solução encontrada foi a criação de um horário padrão em sua rede. O horário foi definido a partir do Observatório Real de Greenwich e informado para as estações via telégrafo, assim, trens e fábricas passaram a trabalhar em sincronia.

 

Enquanto isso, nos Estados Unidos, um caminho parecido foi adotado pelas companhias ferroviárias. Por conta de sua extensão territorial, a diferença de alguns minutos entre os horários não seria eficiente para o país. A solução foi a criação de cinco fusos de uma hora dividindo todo o continente!

 

E não foram apenas os empresários da época que se preocupavam com a criação de fusos horários para sincronizar os relógios daquele tempo. Na verdade, entre geógrafos e estudiosos, a ideia da criação de um fuso-horário universal já estava em circulação há anos. 

 

Muito antes de ser uma dor de cabeça para os trens, a falta de sincronia temporal era um problema dos astrônomos e navegantes!

 

Para os astrônomos, era muito difícil conciliar as observações de vários observatórios do mundo quando seus relógios estavam fora de sincronia. Enquanto que para os navegadores era imprescindível conhecer precisamente a posição geográfica de seus navios através dos cálculos da longitude e da latitude.

 

O cálculo das coordenadas marítimas era feito a partir de meridianos: linhas imaginárias que cortam o planeta no sentido norte-sul. Essas linhas eram normalmente definidas a partir das capitais dos países que financiavam as navegações, e era comum que cada país tivesse seu próprio meridiano e sua própria referência nos cálculos das coordenadas.

 

Ao longo da história, vários meridianos foram utilizados como referência para medir as longitudes, o que resultava em confusões, cálculos de conversão das coordenadas em alto mar e de vez em quando o sumiço de um navio ou outro. 

 

Por tudo isso, já era de interesse amplo a definição de um único meridiano. E o favorito dos estudiosos, comerciantes e navegantes era o Observatório Real de Greenwich.

 

A conferência que sincronizou o tempo

Os assuntos acabaram se misturando quando o então presidente dos Estados Unidos, Chester Arthur, convocou, em 1884, a Conferência Internacional dos Meridianos, em Washington, com o objetivo de ajustar os relógios do planeta e escolher coletivamente qual meridiano seria usado como referência dali em diante.

 

(Delegados dos principais países na conferência Internacional dos Meridianos. Reprodução: Greenwich mean time)

 

A conferência contou com a presença de 41 delegados das 25 nações mais influentes da época, inclusive o Brasil, representado pelo diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Entre as muitas resoluções do encontro, a principal foi a adoção de Greenwich como meridiano primordial. A partir dele, a longitude seria contada em duas direções (leste-oeste) até os 180 graus e o planeta seria dividido em fusos horários de 15 graus cada. Além disso, o observatório também seria utilizado como referência para a adoção da “hora certa” e de dias universais. Dessa forma, pela primeira vez e para sempre, o mundo estaria sincronizado.

 

Porém, é importante lembrar que apesar da ampla aceitação das resoluções da conferência, elas eram apenas propostas, não imposições. Então cabia aos governos de cada país colocá-las em prática em seus próprios territórios, o que demorou mais alguns anos para ser feito. O primeiro país a ajustar seus relógios foi o Japão. Outros países como EUA, França e Brasil levaram um pouco mais de tempo.

 

Esse acordo de seguir os relógios de Greenwich foi suficiente por décadas, mas, à medida que a indústria e as tecnologias de transmissão de dados se tornavam cada vez mais sofisticadas, foi preciso uma nova sincronização dos relógios do planeta.

 

Afinal, mesmo com toda a precisão dos cronômetros do observatório britânico, alguns segundos eram perdidos. Por isso, atualmente, os relógios de todo o mundo (inclusive o meu e o seu) são sincronizados a partir de centenas de relógios atômicos ao redor do mundo.

 

Esses instrumentos medem um segundo a partir das oscilações energéticas de átomos de césio, o que permite uma taxa de precisão infinitesimal se comparadas aos relógios pendulares. Além disso, essas máquinas funcionam de tal modo que irão perder um segundo em aproximadamente 30 milhões de anos!

 

Tamanha acurácia é necessária não apenas para estudos científicos, como também para a internet, transmissões de dados,  sistemas de localização via satélite e também para algumas indústrias. Pode parecer bobagem, mas não é exagero dizer que nosso mundo só funciona como é hoje em dia graças aos relógios atômicos e sua sincronia – quase – perfeita.

 

[Texto de autoria de Gabriel Barcelos, Bolsista de Som do Espaço do Conhecimento UFMG]

 

Para saber mais:

A revolução das medidas | Nerdologia

Como funcionam os relógios atômicos, sem os quais o mundo moderno afundaria no caos