Você já pensou que as histórias de amor entre garotos podem mover multidões de fãs?
01 de julho de 2025
Ouça também no Spotify!
Por Kauet Machado, estudante de Jornalismo da UFMG, para a disciplina de Assessoria de Comunicação, sob supervisão da professora Camila Mantovani
Não é novidade que o romance é um dos gêneros ficcionais mais consumidos no mundo. Essas histórias de paixões cativantes, nas quais é possível encontrar o amor, já fazem parte do nosso cotidiano. Retratados de diferentes formas, casais formados por um homem e uma mulher ganham destaque em inúmeras mídias, desde filmes até propagandas de margarina. No entanto, em meio a essa abundância de narrativas, onde está o amor entre garotos?
Boys Love, também conhecido como BL, é o nome dado às histórias que contam o amor de garotos. O gênero, que nasceu na Ásia em meados dos anos 1980, foi criado como uma forma de representação de figuras masculinas em romances homoafetivos, por meio de histórias envolventes que têm se expandido, sobretudo, em mídias audiovisuais.
As histórias sempre abordam dois homens, geralmente no período do colégio ou da faculdade. Durante a trama, acompanhamos desde o momento em que o casal principal se conhece até o ápice de sua paixão. O destaque fica à cargo dos protagonistas, com foco no desenvolvimento e nos desafios que os afligem ao longo de suas jornadas, perpassando por uma variedade de temas, como romances clichês, mistério, fantasia e sobrenatural.
Elenco do BL tailandês “Pit Babe” em encontro de fãs no Brasil. (Créditos: Vitoria Strahler/Concerts in BR).
Para entender o Boys Love, é necessário voltar no tempo. Mais precisamente, em meados da década de 70, no Japão. Naquela época, o país passava por fortes transformações sociais. O cenário pós-Segunda Guerra Mundial foi propício para que movimentos de contracultura tomassem forma e foi nesse período que o BL nasceu. Yaoi, como o gênero é chamado no Japão, teve sua origem em revistas em quadrinhos direcionadas ao público feminino. Uma curiosidade interessante é o fato de que esses quadrinhos eram uma literatura feita por mulheres e para mulheres. Portanto, podemos dizer que o Boys Love nasceu em um berço feminino, com toques de subversão e questionamento aos papéis de gênero.
Inicialmente, essas histórias eram publicadas em revistas alternativas e independentes, feitas por fãs, sem pretensão comercial. Os quadrinhos buscavam a expressão criativa como uma forma de explorar relacionamentos, afetos e fantasias de forma livre, sem o peso dos padrões tradicionais. E, mesmo se tratando de histórias sobre casais masculinos, o público sempre foi majoritariamente composto por mulheres. Isso porque as narrativas ofereciam uma alternativa ao modelo romântico clássico, no qual, geralmente, as personagens femininas eram limitadas pelos estereótipos da época.
Ao focar em dois personagens masculinos, as autoras conseguiam se distanciar dos papéis de gênero impostos a elas e falar de sentimentos, dramas, conflitos e amores intensos de diferentes maneiras. Era como se, ao removerem as amarras da realidade, pudessem criar histórias mais livres e impactantes.
Com o tempo, o gênero se consolidou, o termo yaoi passou a circular com mais força nos anos 80 e 90, e obras originais começaram a surgir com enredos completos, personagens próprios e até adaptações para animes, filmes e séries. O que era antes restrito a pequenos grupos de fãs foi ganhando espaço no mercado editorial, no entretenimento e no gosto popular. Hoje, o BL definitivamente deixou de ser uma exclusividade japonesa. A Coreia do Sul, a China, a Tailândia e outros países asiáticos passaram a desenvolver suas próprias narrativas dentro do gênero. Cada país traz as suas particularidades culturais, estéticas e emocionais, promovendo uma diversidade que fez o Boys Love crescer ainda mais.
A Tailândia, por exemplo, se destacou de forma impressionante e é considerada um dos maiores polos de produção de BLs no mundo, com o lançamento de dezenas de séries originais por ano. Várias delas se tornaram fenômenos internacionais, com milhares de visualizações, fanbases ativas, traduções em dezenas de idiomas e importantes movimentações na indústria do entretenimento como um todo. Atores se tornam ídolos globais, trilhas sonoras viram hits e marcas disputam espaço para se associar a esse fenômeno midiático. Esse sucesso revela algo essencial: o público está buscando e abraçando histórias de amor que fogem dos moldes convencionais.
O êxito das produções Boys Love acompanha a sede por narrativas mais diversas e sensíveis. É verdade que o gênero ainda carrega elementos de fantasia e idealização, suavizando ou até ignorando os conflitos reais da vivência LGBTQIAPN+. Porém, esse aspecto também está mudando. Aos poucos, vemos surgir histórias mais maduras, que abordam temas como identidade, rejeição familiar, violência, aceitação e pertencimento. Isso não significa perder o romantismo, mas sim adicionar outras camadas às histórias, tornando-as mais complexas e próximas da realidade de quem vive esses afetos.
Atores Fort e Peat, conhecidos pelo trabalho conjunto no BL tailandês “Love in the Air”, em encontro de fãs no Brasil. (Créditos: Gui Caielli/Revista Quem).
E é claro, que não podemos deixar de falar sobre como o BL também conquistou o ocidente e, em especial, o Brasil. Com o avanço das plataformas de streaming e o crescimento das redes sociais, essas histórias começaram a atravessar fronteiras de forma rápida. Por aqui, o BL encontrou um público extremamente receptivo, com uma base de fãs vibrante e muito dedicada. Nas redes sociais, não faltam perfis especializados em comentar lançamentos, criar memes, fazer fanarts, escrever fanfics e até mesmo organizar encontros entre a comunidade de fãs.
Também começaram a surgir diversas iniciativas brasileiras inspiradas no gênero, como webséries, curta-metragens, revistas em quadrinhos independentes e livros nacionais. Essas produções trazem à tona sotaques locais, cenários brasileiros e dilemas que dialogam diretamente com as vivências da comunidade LGBTQIAPN+, dentro do nosso contexto social e cultural. Essa movimentação demonstra que o BL nacional está encontrando o seu próprio caminho, não como uma cópia do que vem de fora, mas como uma produção com identidade e propósitos singulares.
No fim das contas, o Boys Love está em movimento, crescendo, se transformando e se espalhando por diversas culturas. Agora você sabe que existem muitas possibilidades para se explorar no universo dos romances, inclusive o amor de garotos!