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Desde quando o futebol é futebol?

Conheça a chegada do esporte nas ruas belo-horizontinas

 

Por Mariana Taveira, estudante de Jornalismo da UFMG, para a disciplina de Assessoria de Comunicação, sob supervisão de Camila Mantovani

 

09 de setembro de 2025

 

Há quem brinque dizendo que o futebol nasceu nos dribles de Pelé, nas cobranças de falta de Ronaldinho ou na genialidade de Diego Maradona. Embora essas figuras tenham marcado a história do esporte, registros de práticas semelhantes ao futebol estiveram presentes ao longo da história, em diferentes partes do mundo. 

 

O primeiro registro foi documentado na China antiga, durante a Dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.), na qual a prática do cuju consistia em chutar uma bola através de um arco. No Japão, por outro lado, um jogo focado em manter a bola no ar era registrado com o nome de kemari. Mas, afinal, quando surgiu o esporte como conhecemos hoje?

 

Foi a partir da necessidade de organizar e padronizar o jogo, que o futebol se transformou e consolidou seus fundamentos na Inglaterra do século XIX. Devido à diversidade de formas de jogar, representantes de diversas instituições inglesas se reuniram na Universidade de Cambridge, em 1848, para criar um regulamento único, chamado Regras de Cambridge

 

Mais tarde, em outubro de 1863, foi fundada a Football Association (FA), em Londres, com o objetivo de comandar o esporte na Inglaterra e padronizar algumas das práticas que se manifestavam nos campos britânicos. A proibição de lances que envolvessem carregar a bola com as mãos e chutar adversários nas canelas foram estabelecidas, tornando a modalidade cada vez mais profissional. 

 

Com isso, o futebol se expandiu mundo afora e encantou países de todos os hemisférios, incluindo o Brasil. 

 

País do futebol? Nem sempre!

A chegada do esporte nas terras verde-amarelas se deu justamente pelos pioneiros: os ingleses. Com a então existência de alguns regulamentos e medidas próprias, o futebol desembarcava no Brasil por meio de marinheiros ingleses que, segundo registros históricos, realizavam partidas no litoral do país, em 1864. 

 

Entre 1872 e 1873, as primeiras práticas continuaram no Colégio S. Luiz de Itu, no estado de São Paulo. Como não havia infraestrutura esportiva adequada, muito menos posições bem definidas de jogo, os alunos usavam o que estava à disposição. Nesse caso, um pátio, que remetia ao campo, e um balão, que seria a bola. A apropriação do espaço escolar para criar um ambiente de jogo em momentos de lazer mostra que as escolas tiveram um importante papel na difusão inicial do futebol no país.

 

Partida similar ao futebol no Colégio S. Luiz de Itu. (Créditos: Reprodução/Jornal Periscópio).

 

Atividades similares eram registradas sempre no tom de recreação e lazer, com um caráter nada competitivo. Não há documentos que contenham registros de campeonatos, visitas a estádios ou mesmo torcidas. Por isso, o inglês Charles Miller foi nomeado o “pai” do futebol brasileiro, após introduzir lances que são conhecidos até hoje no esporte. 

 

Em resumo, Charles trouxe, durante sua vinda ao Brasil em 1894, duas bolas, uma bomba para enchê-las, uniformes e o livro de regras. O resto? É história. A modalidade tomou conta das vielas do país e foi se tornando cada vez mais popular. A partir de regulamentos e campeonatos disputados em grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, o futebol ia se profissionalizando. Para além das quatro linhas, o esporte se tornou um importante fenômeno cultural e social do povo brasileiro. 

 

Devido ao sucesso dentro de campo, a mídia daria ao Brasil um apelido que dura até os dias de hoje: o país do futebol. Certamente os triunfos das décadas de 50 e 70, bem como o surgimento de craques que são idolatrados até os dias atuais, contribuíram para a nomenclatura. As entidades, jornais e clubes mundo afora também viam nas terras brasileiras uma paixão fervorosa e uma vontade inexplicável de ir atrás do seu time do coração, mesmo nas derrotas. Desse modo, as vitórias ao longo da história, a exportação de jogadores-ídolos e a presença tão grande do futebol na vida dos brasileiros fez com que o apelido ganhasse sentido. 

 

BH também é futebol, uai!

Se o esporte está dentro de um país, é possível encontrá-lo nos estados, cidades e vilas que compõem o mapa nacional. O estado de Minas Gerais, por exemplo, passou a ser palco de partidas de futebol em 1904, quando o jovem carioca Victor Serpa se mudou para estudar Direito na capital mineira e trouxe consigo, após uma viagem para Europa, as regras e as tendências do jogo. 

 

Victor fundou, em julho daquele ano, o primeiro time de futebol da capital mineira junto com seus colegas, o Sport Club Foot-Ball, que teve sua primeira partida registrada no dia 03 de outubro. Junto com o clube, a vontade de disputar campeonatos fez com que uma liga também fosse criada, composta por três clubes e cinco times. Os jogos começaram, mas, devido às fortes chuvas e ao período de férias escolares, o campeonato não foi finalizado. 

 

Em um contexto de mudanças e transformações na cidade, o primeiro dos três grandes clubes de Belo Horizonte era fundado: o Clube Atlético Mineiro. Criado por funcionários públicos, comerciantes, engenheiros e jovens estudantes, quatro anos depois do surgimento do Sport Club Foot-Ball, o time que passaria a ser carinhosamente apelidado de “galo” era registrado na região central da cidade e se tornava um importante elemento de juventude e paixão popular. Em 1909, o clube já disputaria sua primeira partida oficial, contra o Sport Club, que marcava o primeiro jogo de futebol profissional registrado em Minas Gerais.

 

Alguns anos depois, em 1912, surgia o América Futebol Clube, fundado por jovens da elite belo-horizontina, muitos deles estudantes, filhos de políticos e comerciantes influentes. O time surgia em um contexto cada vez mais transformado em termos de urbanização, mas contrastava com o crescimento popular do Atlético. O clube pretendia ser um exemplo da elite mineira no mundo futebolístico e já adiantava em versos de seu hino essa ideia: “A tua classe aristocrata // É quem fulmina os teus rivais”.

 

Já em 1921, era fundado o principal rival histórico do Atlético, a Società Sportiva Palestra Itália (hoje, o Cruzeiro Esporte Clube). Como o nome original nos instiga a pensar, o clube foi criado por membros da colônia italiana de BH, que queriam um clube que representasse suas raízes e tradições, inspirados pelo time paulista Palestra Itália (atual Palmeiras). O Cruzeiro, apelidado nos dias atuais de “cabuloso”, contribuiu para promover o futebol entre os imigrantes e reforçar o sentimento de comunidade. A partir dos anos 60, o time começou a ganhar mais destaque no cenário do futebol nacional, completando a famosa tríade belo-horizontina dos clubes profissionais.

 

Estádio Governador Magalhães Pinto (o Mineirão), em Belo Horizonte. (Créditos: Reprodução/Estádio do Mineirão).

 

Além do profissional

Apesar do sucesso e visibilidade dos times da capital, se engana quem pensa que Belo Horizonte é tomada apenas pelo futebol profissional. Isso porque a capital mineira respira futebol não só através dos grandes estádios, mas também nas ruas, com pessoas das mais diversas classes, gêneros e raças. O futebol de várzea e as práticas não profissionalizadas contribuíram muito para a consolidação do futebol belo-horizontino.

 

Para quem não tinha acesso à elite dos clubes mais estruturados, a opção pela prática entre amigos em campos de terra era uma boa alternativa de lazer e recreação. Não à toa, Belo Horizonte foi palco de muitos campos invisíveis: lugares de respiro ao futebol profissional e elitizado, que, com o passar do tempo, não resistiram e deram espaço às regras e campeonatos oficiais e regulamentados. Porém, ainda que não existam muitos desses lugares atualmente, o futebol de várzea pode ser visto na capital por meio de campeonatos que movimentam toda a região metropolitana.

 

Jogadoras do Aglomerado Santa Lúcia com a Taça das Favelas, em 2022. (Créditos: G1/TV Globo).

 

A popularização do futebol em Belo Horizonte, seja pelos clubes da elite, ou pela prática nos mais diversos campos da cidade, teve um importante papel na formação sociocultural da capital. O futebol move a economia, o turismo e a infraestrutura, contribuindo para dar visibilidade às urgências e às possibilidades de toda a cidade. 

 

Referências

MOREIRA, R. A História do Futebol Brasileiro: Dos primeiros campeonatos ao Mundial de Clubes. São Paulo: Alcance, 2023.

CAMPOS INVISÍVEIS: América, Atlético e Cruzeiro constroem os próprios estádios. Esporte Espetacular. Rio de Janeiro: TV Globo, 27 abr. 2023. 1 vídeo (7-8min). Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/11441222/. Acesso em: 11 mai. 2025.