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Por que precisamos falar em mobilidade urbana sustentável?

Saiba a importância desse modelo para garantir o acesso a um transporte de qualidade sem agredir o meio ambiente

 

27 de fevereiro de 2024

 

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Pense no seguinte cenário: você se programou para ir de ônibus até a região Centro-Sul de Belo Horizonte, mais especificamente ao Espaço do Conhecimento, localizado na Praça da Liberdade. Você calculou o tempo, olhou qual seria a linha (ou as linhas) que você teria que pegar para chegar até lá… mas na hora de ir, alguém próximo a você se oferece para te levar de carro ou você abre algum dos aplicativos de transporte privado e descobre uma super promoção que sai ao mesmo valor do ônibus. A resposta é clara, certo? Na grande maioria das vezes, ao se deparar com essa situação, opta-se sem pestanejar pelo transporte individual, tanto por sua comodidade, quanto por seu conforto e segurança.

 

O transporte público no Brasil é facilmente atrelado a desconforto, riscos à nossa integridade física e material e a longos períodos de espera. O que acaba ficando de fora da equação são os danos ambientais gerados por essa “escolha induzida” pelo transporte individual. Longe de um fardo pessoal, entretanto, essa é uma escolha das autoridades, que sob a influência das empresas, especialmente do ramo automobilístico, inviabilizam o transporte público como uma escolha fácil e viável.

 

Essa história não é de hoje e perdura no Brasil desde os anos 60, quando o avanço da indústria automotiva significou o aumento dos deslocamentos motorizados individuais nas grandes cidades. Além disso, o transporte ferroviário perdeu força e os bondes elétricos foram praticamente extintos. Essas escolhas desencadearam a realidade do trânsito de boa parte das cidades brasileiras hoje: congestionamentos diários e aumento do número de acidentes.

 

Avenida Afonso Pena (Belo Horizonte – MG) – 1960. (Créditos: skyscrapercity).

 

Com o sucateamento e a falta de incentivo ao uso do transporte coletivo, as principais cidades do país enfrentam uma queda profunda no número de cidadãos que utilizam as frotas públicas para deslocamento. Segundo dados da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), Belo Horizonte, por exemplo, vêm apresentando um declínio do uso do transporte público. A frota metropolitana perdeu 23,3 milhões de passageiros entre 2012 e 2019, caindo de 722.930 passageiros por dia para 655.295. Com a pandemia de covid-19, esse número diminuiu para 402.341 passageiros diários. No transporte municipal, a situação se repete, com uma diminuição de 22,07% no número de passageiros de 2012 a 2019.

 

Os resultados da pesquisa Matriz Origem-Destino de Passageiros por Bilhetagem Eletrônica 2019, divulgados pela Seinfra e pela Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte (ARMBH), comprovam que a escolha pelo carro de aplicativo ao invés do ônibus têm se tornado comum, de modo que a proporção de modais coletivos diminuiu para 30%, enquanto a de modais individuais (carros e motos) aumentou para 47%. Essas alterações na dinâmica da mobilidade urbana vêm trazendo consequências desastrosas ao meio ambiente, como emissões de gases poluentes na atmosfera, poluição sonora e sobrecarga das vias urbanas, que, cada vez mais, suplantam os espaços verdes e naturais.

Divisão modal 2012 x 2019. (Créditos: VIVO/SBE – 2019 e OD RMBH – 2012).

 

Esses impactos ambientais estão diretamente ligados ao aquecimento global e as mudanças climáticas que têm assolado todo o planeta, proporcionando consequências catastróficas para a natureza e o ser humano. Dessa forma, é necessário pensar em um novo modelo de mobilidade, que combine a preocupação socioeconômica e a questão ambiental. É assim que surge a ideia de uma mobilidade urbana sustentável, que recupere os ideais de desenvolvimento sustentável, com uma perspectiva que tem crescido cada vez mais em outras áreas, como a produção de energia e alimentos.

 

Nesse modelo, há o incentivo a um sistema de transporte que atenda às necessidades humanas e que seja acessível para toda a população, ao mesmo tempo em que há uma preocupação com os impactos ambientais gerados pela locomoção diária pelas cidades. Ou seja, a mobilidade urbana sustentável busca associar as ideias de justiça social, sustentabilidade econômica e o uso consciente dos recursos naturais na criação de um sistema de deslocamento de qualidade, que satisfaça as demandas da geração atual sem comprometer as gerações futuras. 

 

De acordo com estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, a inclusão de um modelo de mobilidade coletiva sustentável inclui a adoção de tecnologias ecologicamente “limpas”, que contribuem para a redução das emissões de poluentes e dos níveis de ruído, bem como o desenvolvimento de veículos adequados ao ambiente em que operam. Também destaca-se a necessidade de um planejamento urbano e de transporte integrado. Do ponto de vista econômico, é crucial buscar um equilíbrio entre a oferta e a demanda, bem como investir na expansão e aprimoramento contínuo dos serviços de transporte público.

 

No que diz respeito à justiça social, o foco recai novamente sobre os transportes públicos, que devem oferecer tarifas acessíveis e inclusivas, visando combater a exclusão social e a falta de mobilidade entre os menos privilegiados. Isso implica em fornecer serviços em áreas urbanas carentes a preços compatíveis com a renda dos usuários, garantindo uma distribuição equitativa do espaço urbano e promovendo a acessibilidade universal ao transporte

 

No geral, cidades mundialmente reconhecidas quando o assunto é mobilidade urbana sustentável, como Hong Kong, Copenhague, Amsterdã e Zurique, não utilizam de mágicas ou investimentos inalcançáveis para conquistar tal feito. O segredo está justamente em viabilizar à população condições de utilizar os meios de transporte sustentáveis, assegurando a boa infraestrutura de estradas e ciclovias e oferecendo um transporte público de alta qualidade.

 

Transporte coletivo em Belo Horizonte. (Créditos: Bernardo Dias/CMBH).

 

Mesmo com a eficiência dos modelos de locomoção coletivos desenvolvidos por algumas das principais cidades do mundo, nos últimos anos, a busca por transportes individuais “ambientalmente amigáveis” tem ganhado bastante força. 

 

Nesse cenário, uma alternativa que vem recebendo notoriedade são os carros elétricos, que emitem quantidades significativamente menores de gases poluentes, já que são movidos por energia elétrica, e não por combustíveis derivados do petróleo. Popularizados, então, sob um marketing que os exalta como a solução perfeita para a mobilidade sustentável, esses EVs (sigla para Electric Vehicles, veículos elétricos em inglês) têm movimentado a mídia e o mercado automotivo nos últimos anos. Porém, o que muitos não sabem é que eles são um tanto quanto questionáveis – em vários sentidos. 

 

Primeiramente, em termos de acessibilidade socioeconômica, os carros elétricos são assombrosamente mais caros que os tradicionais a combustão. Tomando como base, por exemplo, a versão elétrica do Renault Kwid, atualmente o modelo mais barato do mercado brasileiro, que custa cerca de R$140.890,00, enquanto as versões à gasolina e etanol, custam em torno de R$ 69.900,00. 

 

Em segundo lugar, apesar de introduzidos mediante a ideia de que são 100% sustentáveis, os EVs, muitas vezes, também podem poluir o meio ambiente. Isso acontece porque as baterias que os equipam – e alimentam os seus motores elétricos – são compostas por minerais como o lítio, cujos processos de extração são extremamente agressivos ao meio ambiente. Além disso, mesmo que a energia elétrica seja mais limpa que a dos carros a combustão (que trabalham com a energia térmica), ainda assim possui impactos ambientais. E caso a frota fosse massivamente eletrificada, como alguns podem defender, é fato que a rede elétrica das grandes cidades ficaria sobrecarregada.

 

Afinal: essa tal “mobilidade sustentável” é algo realmente possível? Bom, a grande verdade é que, infelizmente, você nunca verá um meio de transporte que seja 100% limpo e livre de impactos ambientais – pelo menos até hoje, isso ainda não foi inventado. Mas algumas opções podem ser “mais amigáveis” ao meio ambiente. 

 

O transporte público, por exemplo, apesar dos problemas frequentemente mencionados, continua sendo destaque quando o assunto é este, uma vez que ocupa menos espaço nas vias e pode transportar um maior número de passageiros. Mas, além dele, há outros meios de locomoção viáveis e sustentáveis

 

Bicicletas e patinetes elétricos podem desempenhar um papel significativo na redução das emissões de gases poluentes nas áreas urbanas. No entanto, sua eficácia depende não apenas da disposição do usuário, mas também de fatores externos, como a presença de ciclovias e vias seguras. Pensando em trajetos curtos, a boa e velha caminhada também é uma opção benéfica à saúde e ao meio ambiente. Para isso, é imprescindível contar com uma infraestrutura adequada e acessível de calçadas, garantindo o trânsito seguro dos pedestres. No caso de aplicativos privados, viagens compartilhadas podem oferecer conforto aos usuários e, ao mesmo tempo, contribuir para a redução do número de veículos nas ruas e estradas.

 

Exemplos de cidades como Amsterdã e Hong Kong demonstram que essas alternativas são possíveis, por mais que pareçam distantes da realidade brasileira. Mais do que viáveis, hoje, estratégias de mobilidade urbana sustentável se tornam uma necessidade. Afinal, se as emissões de carbono continuarem em sua trajetória atual, a atmosfera poderá atingir um estado não visto em 50 milhões de anos, quando a Terra alcançava temperaturas globais até 10°C mais altas.

 

A ameaça de um colapso, porém, não é só ambiental. O crescimento urbano desordenado das cidades e o modelo econômico baseado na indústria automobilística têm induzido uma futura síncope da mobilidade urbana no Brasil. Para João Luiz da Silva Dias, presidente do Instituto de Mobilidade Sustentável Rua Viva, a estruturação do transporte público como bem de mercado faz com que exclua as pessoas mais pobres. Quando a renda aumenta, a tendência de parte da população é comprar um carro ou uma moto e desprezar o transporte público.

 

Seria, no mínimo, desonesto, porém, responsabilizar um indivíduo por seu mero desejo de chegar rápido e com conforto ao seu destino, quando existe por trás dessa lógica um outro interesse corporativo que suscita esse pensamento: como os muitos casos de milionários, que com seus jatos particulares e iates de luxo, emitem quantidades de carbono capazes de tornar qualquer viagem de carro inexpressiva.

 

É o caso da publicizada viagem de Neymar à cidade de Riade, onde joga seu novo clube Al Hilal, da Arábia Saudita. Em uma sexta-feira, o jogador brasileiro chegou à cidade por meio de um Boeing 747 vazio, só para ele. O ato foi uma demonstração do poder econômico do Al-Hilal Saudi Football Club que custou à atmosfera 230.000 kg de emissões de CO2, 32 vezes mais do que qualquer pessoa emite em um ano (cerca de 7.000 kg). Dessa forma, em uma viagem de algumas horas, a escolha do jogador junto ao clube poluiu o mesmo que você poluirá aproximadamente em meia vida.

 

Boeing 747, que transporta até 600 passageiros em voos comerciais. (Créditos: Senohrabek/Shutterstock)

 

A situação é uma forma importante de pensarmos como, para além de uma escolha individual, a mobilidade urbana sustentável deve ser política – por necessitar de uma mobilização em conjunto do Estado e das empresas. Somente através dessa aliança/movimentação será possível regulamentar o atual uso de veículos e efetivar novas alternativas de locomoção pela cidade, com segurança, facilidade e reduzindo os danos ao meio ambiente. 

 

[Texto desenvolvido durante a disciplina de Produção de Conteúdo para Web, do Departamento de Comunicação Social da UFMG. Graduandos autores: Eder Castro, Nicolle Teixeira, Laura Bragança, Laura Carellos e Rúbia Layane]

 

Referências:

CARVALHO, C. H. R. Mobilidade urbana sustentável: conceitos, tendências e reflexões. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília, 2016. (Texto para discussão n.1990). 38 p.

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