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O mundo secreto dos vírus

Saiba mais sobre os agentes que estão por – literalmente – todo o planeta

 

22 de agosto de 2023

 

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Perguntar o que é um vírus pode parecer meio redundante no momento. Afinal, estamos nos encaminhando para o final de uma pandemia desencadeada por um deles e, não muito tempo atrás, informações sobre eles eram recorrentes em jornais, no YouTube e nos feeds das redes sociais. No entanto, é superficial apenas dizer que vírus são “perigosos” ou “letais” sem explicar o que eles são exatamente. 

 

Então, para esclarecer isso, o texto de hoje irá questionar: o que são vírus? 

 

A palavra tem origem no Latim e significa veneno ou toxina. Hoje, os dicionários os definem como um grupo de agentes infecciosos diminutos, desprovidos de metabolismo, que se replicam somente no interior de células vivas hospedeiras e que podem causar infecções. Já na nossa memória, vírus são coisas invisíveis que nos deixam doentes, matam muitas pessoas e podem começar pandemias. Também usamos a palavra para falar de softwares que acabam prejudicando nossos computadores, mas não é sobre eles que trataremos hoje.

 

Nem sempre essa palavra foi usada para descrever tais agentes que causam doenças, como gripe, dengue, HIV e outras. Na verdade, nossa história com os vírus começou há pouco tempo, se comparada a outras ciências. Acreditava-se que boa parte dessas doenças eram causadas por bactérias ou outros microrganismos, mas nunca por vírus, pois eram muito pequenos para serem identificados.

 

Foi apenas em 1892 que o biólogo russo Dmitri Ivanovski descobriu, enquanto estudava um extrato de plantas infectadas por uma doença desconhecida, que o que estava causando manchas amarelas nas folhas só poderia ser algo menor que uma bactéria. Apesar de ser impossível identificar o causador da doença com a tecnologia da época, foi possível observar que, mesmo depois de passar por filtros especiais que barravam bactérias, as folhas continuavam infectadas.

 

Vírus do mosaico do tabaco, com ampliação de 160.000x (Créditos: Desconhecido, Domínio público, Wikimedia Commons)

 

Mais tarde, descobririam que o causador dessa doença era um vírus RNA, chamado vírus do mosaico do tabaco. Porém, demorou um tempo para que a comunidade científica entrasse em consenso sobre a natureza da nova descoberta, que na época era chamada de “agentes filtráveis”. 

 

A existência dos vírus foi colocada em dúvida até 1938, quando B. von Borries e os irmãos Ernst e Helmut Ruska divulgaram um artigo científico com imagens de corpos minúsculos que pareciam várias manchas escuras na lente do microscópio – as primeiras imagens de vírus. Esse artigo foi um marco para o nascimento do estudo desses organismos em uma nova ciência, conhecida como virologia.

 

Desde então, foi possível descobrir que os vírus são formados pelo capsídeo, uma cápsula feita de proteínas que guarda a informação genética desses agentes e que pode estar na forma de DNA ou RNA. Alguns vírus também têm uma camada de proteção a mais, feita de lipídios (gorduras).

 

Primeiras imagens de vírus, publicadas em 1938 (Créditos: Reprodução/Jornal da Unicamp | Pequenas histórias de vírus, cientistas e ciência)

 

Os vírus são infecciosos e parasitas intracelulares. Isso significa que entram em células orgânicas e obtêm todos os seus recursos de outro organismo, sendo incapazes de sobreviver ou de se reproduzir sem infectar alguma célula. 

 

Após ser assimilado por uma célula hospedeira, o vírus pode transformá-la em uma “fábrica” de mais vírus e material genético viral. Depois de um tempo, o vírus coordena a autodestruição da célula, causando o processo do ciclo lítico, em que o material genético é liberado.

 

Outro tipo de reprodução de um vírus é o ciclo lisogênico. Nele, o vírus é acoplado à célula e funde seu material genético com o DNA da célula hospedeira. Toda vez que essa célula contaminada se multiplica, o DNA viral, que agora está misturado com o DNA original, também vai se reproduzir.

 

Ciclo lítico e ciclo lisogênico (Créditos: Reprodução/Estudo Prático)

 

Na prática, quando não está infectando uma célula ou organismo, um vírus é uma matéria inativa, que não tem vontade, desejo, ou qualquer tipo de atividade, sendo incapaz, inclusive, de se reproduzir por conta própria. Portanto, o vírus basicamente fica flutuando por aí até, quem sabe, esbarrar em uma célula orgânica viva que vai ter a chance de parasitar. E mesmo que encontre, não é garantido que o vírus será assimilado pela célula.

 

Por não serem formados por células, não conseguirem se reproduzir por conta própria e terem ciclos de atividade bastante específicos, ainda existem discussões sobre os vírus serem ou não seres vivos. Esse tema é bastante complexo e não poderia ser abordado em sua totalidade neste texto, mas é intrigante observar como as pesquisas sobre vírus estão fundamentalmente colocando à prova várias certezas que tínhamos sobre o funcionamento da vida.

 

Também não há observações concretas sobre como esses agentes surgiram. Afinal, traçar a evolução de algo que sobrevive e se reproduz somente por meio da assimilação de outros organismos é bem complicado, mas há suposições de que eles sempre estiveram por aqui, infectando bactérias e microrganismos.

 

A partir dos estudos da virologia, nós conhecemos aproximadamente 200 vírus que podem causar doenças em seres humanos. Se apenas um foi responsável por parar o mundo em 2020, esta quantidade conhecida pode parecer muito expressiva, mas, se comparada ao número de vírus que cientistas estimam existir na Terra, percebemos uma porção  extremamente baixa.

 

Segundo estimativas, existem cerca de 1 nonilhão desses agentes no planeta! Só para imaginar, um nonilhão é o número 1, seguido de 31 zeros. Isso quer dizer que existem mais vírus na Terra do que estrelas em todo o universo. Eles estão em literalmente todas as partes do planeta: no ar que respiramos, nas coisas que usamos, no céu, na terra, no chão, nas paredes, nas comidas, nos animais e no mar. Em apenas um litro de água do mar já é possível encontrar 100 bilhões de vírus, sendo que a maior parte deles ainda não foi catalogada e descoberta de fato. É muito provável que todos os organismos vivos atualmente tenham, pelo menos, um vírus no corpo.

 

Sars-CoV-2 – Novo CoronaVírus (Créditos: CDC/Unsplash)

 

Entretanto, a grande maioria desses agentes infecciosos só infectam bactérias e outros vírus maiores, então não precisamos ficar com medo de tudo à nossa volta. Vírus são extremamente comuns. Na verdade, pesquisas indicam que os vírus oceânicos são fundamentais para o controle microbiano desses ambientes, sendo responsáveis não só por manter a população de micróbios e bactérias controlada, como também por dispersar moléculas orgânicas. Isso acontece porque, com o rompimento das células hospedeiras no ciclo lítico, ocorre a liberação de material orgânico, como ferro, nutrientes e carbono, que vão ser reaproveitados por outros microrganismos. Alguns vírus também são responsáveis por alterar a taxa metabólica de células fotossintéticas, afetando positivamente a retenção de carbono em ecossistemas complexos. 

 

Devido à natureza microscópica desses agentes, é muito difícil quantificar o papel dos vírus em ambientes complexos como os oceanos e florestas, mas estudos têm indicado que, sem os vírus, a vida por si só não funcionaria do mesmo jeito. Esses agentes vão se mesclando com as células hospedeiras e, silenciosa e microscopicamente, afetam os caminhos de sua evolução.

 

Como dito em um vídeo do Kurzgesagt, a vida não é um evento isolado, mas um ping-pong de trilhões de organismos e vírus. E por mais que alguns deles causem grandes estragos, não podemos deixar de admirar e estudar todo esse microuniverso que existe em nosso mundo. Ou na verdade… se considerarmos os números, é o mundo deles.

 

[Texto adaptado de Gabriel Barcelos, estudante de jornalismo e bolsista de som do Espaço do Conhecimento UFMG]

 

Referências

An Ocean of Viruses

De onde vieram os vírus e como eles chegaram até nós?

Este vírus não deveria existir (mas existe)

Febre amarela | Nerdologia

História da cidade de Nova Iorque

How many viruses on Earth?

Introdução aos vírus | O que é um vírus. A estrutura de um vírus e como ele infecta uma célula

Os Vírus são “singulares” e desafiam os paradigmas da Ciência

Pandoravírus: O que são os misteriosos micro-organismos e por que cientistas duvidam que sejam vírus

Quando será possível dizer que a pandemia acabou?

Quantos vírus existem na Terra?

Risk factors for human disease emergence

The Viral Talk

Viral priming of cell intrinsic innate antiviral signaling by the unfolded protein response

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