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Ciclo de palestras fecha hoje com apresentaes sobre a cultura afro-brasileira

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015, s 16h00

A cultura africana chegou ao Brasil por um caminho sofrido, nos pores dos navios negreiros da escravido. Aqui, sofreu influncia dos povos indgenas e dos colonizadores europeus. Mas, movida pela f, resistiu bravamente. O resultado dessa trajetria de luta foi uma nova cultura extremamente rica, a cultura afro-brasileira.

Para celebrar a diversidade cultural do pas s vsperas de uma de suas maiores festividades, o Carnaval, as ltimas palestras do Festival de Vero propiciaram debate sobre os diferentes aspectos da cultura afro-brasileira. O encontro ocorreu na manh desta sexta-feira, 13 de fevereiro, no Conservatrio UFMG. Os convidados foram o professor Adlcio de Sousa Cruz, da Universidade Federal de Viosa (UFV), e Ridalvo Felix de Arajo, mestre em Estudos Literrios pela UFMG.

Adlcio de Sousa falou sobre a representao da cultura negra na literatura, na msica e no cinema. Para o professor, a descrio do povo negro nas artes altamente marcada por suas performances. A corporalidade e a oralidade so caractersticas muito presentes nessas representaes. Fala-se muito sobre a linguagem e o corpo negro.

O professor explicou ainda que as representaes do povo negro quase sempre reproduzem esteretipos. A representao do negro provoca apenas duas emoes: riso ou pnico. Quando o cinema nos mostra um personagem negro, ou ele perigoso ou atrapalhado. Para reforar seu argumento, ele recorda a vez em que foi ao cinema assistir estreia do filme Cidade de Deus, em 2002.

Nas cenas da infncia, quando o menino negro Zezinho era chamado de horroroso pelas outras crianas, todos se acabavam de rir. Mas quando ele provoca uma chacina em um motel, a sala foi tomada por um silncio perturbador, conta.

O professor da UFV lembrou que esses esteretipos esto enraizados na mentalidade das pessoas e so ensinados at na escola. Como exemplo, ele citou o livro O cortio, de Aluisio de Azevedo, que descreve o personagem negro Joo Romo como um malandro trambiqueiro, indigno de confiana. Esse livro muito cobrado em vestibulares de todo o pas, mas a representao presente nele ajuda a naturalizar o preconceito contra o negro. Tambm temos muitos livros em que as religies africanas so tratadas como diablicas, disse.

De acordo com Adlcio, diferentemente da rejeio que sofreu no passado, a cultura negra hoje se tornou objeto de apropriao. As pessoas querem aproveitar a cultura negra sem o negro. O afro chique, o negro outra histria, afirma.

Para o professor, no que se refere a preconceito racial, pouco se avanou desde o fim da escravido. Basta olhar o caso dos Estados Unidos, um dos pases mais racistas do mundo: em 1814, os negros l eram escravos; em 1914, vtimas de linchamento; em 2014, a maior populao carcerria do pas.

Como forma de combate, Adlcio conta que o povo negro encontrou nas artes uma de suas maiores ferramentas de resistncia: Nos tempos de escravido, os negros faziam poemas narrando os horrores das senzalas e recordando as tradies africanas. Hoje temos o rap como forma de protesto, representado por nomes como Racionais MCs, Faco Central, Curumim, entre outros, completa.

Ritual tradicional Smbolos de resistncia dos povos afrodescendentes, as manifestaes religiosas so um dos principais traos da cultura afro-brasileira. Uma das mais tradicionais o Congado, tema de estudo do pesquisador Ridalvo Felix de Araujo. H trs anos acompanhando um grupo de mineiro de Candombe, ele falou do papel do canto, da dana e do ritmo no cortejo. Quem v pensa que os membros esto apenas danando, cantando e batendo tambor, mas aquilo uma filosofia. O congado uma forma de reverenciar nossos ancestrais, de mostrar respeito s pessoas que nos antecederam e pedir sua proteo.

Ridalvo afirmou que entre os membros do Congado existe uma devoo enorme a vrios santos catlicos, principalmente a Nossa Senhora do Rosrio. As histrias contam que um grupo de escravos encontrou uma santa boiando beira de um rio e pediu permisso ao senhor para recolh-la, mas ele proibiu e apenas ordenou aos escravos que construssem uma igreja para ela. Quando a capela estava finalizada, o homem e sua famlia, todos brancos, recolheram a imagem e a levaram para l. Mas no dia seguinte, a igreja amanheceu vazia e a santa foi encontrada boiando no rio. Isso aconteceu por vrios dias, at que o senhor permitiu que seus escravos frequentassem a igreja para adorar Nossa Senhora. Por isso a devoo do povo negro, conta.

O pesquisador explicou tambm que h divises entre os membros do Congado e que cada grupo tem sua funo. Na guarda esto os grupos de Candombe, Moambique e outros que abrem o cortejo com msica e dana. J no reinado vm o rei e a rainha do Congo, que so coroados durante o festejo. Ele ressaltou que a hierarquia importante para manter a raiz africana da tradio: So os reinados africanos que se reestruturaram e se ressignificaram no Brasil, comentou Ridalvo.

Assim como a hierarquia, o pesquisador destacou a importncia das cantigas para o Congado: Os participantes no podem cantar qualquer cantiga porque elas tm um sentido sagrado, que deve ser adequado para o momento. O acesso palavra outra coisa muito importante, um membro no pode comear a cantar sem pedir licena. A oralidade, por sinal, foi apontada por ele como um dos maiores smbolos de luta da cultura afro-brasileira: As cantigas e oraes so a nossa tradio oral que existe, resiste e persiste, finalizou Ridalvo Felix de Araujo.

Fonte: Agência de notícias UFMG