Notícias

'Lugares de conforto', redes sociais colaboram para uma viso deturpada da realidade, afirma professora da UFMG

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017, s 12h26

Em mdia, um usurio do Facebook tem 338 amigos. Se cada um faz duas ou trs publicaes por dia, o resultado so quase mil contedos para serem acompanhados diariamente pelo usurio mdio da rede isso sem contar as postagens de personalidades pblicas ou de veculos de comunicao que ele opta por seguir. A inviabilidade desse acompanhamento intensivo uma das explicaes para a existncia de algoritmos por trs das redes sociais, cuja funo bsica escolher automaticamente no lugar do usurio aquilo que se supe ser do seu interesse ver, em detrimento de outros contedos.

Essa curadoria algortmica de contedo foi um dos assuntos abordados na palestra Ela postou, eu no vi: lgicas de visibilidade e invisibilidade em rede, ministrada pela professora Joana Ziller, do Departamento de Comunicao, na manh desta tera-feira, 21, no Conservatrio UFMG, no mbito do 11 Festival de Vero. Com diversificada programao, o evento segue at quinta, 23.

Temos nesses ambientes um olhar que se constitui tambm pela falta, pela ausncia, pelo que deixamos do lado de fora. Sempre que nosso olhar convocado para algo, deixamos de olhar para outras coisas, introduziu a pesquisadora.

Conforme Ziller, a forma como essa relao de destaque e silenciamento ocorre no mundo virtual diferente da forma como se d na vida fsica, gerando consequncias negativas para a nossa compreenso do mundo. O algoritmo uma espcie de conta, que feita de uma grande quantidade de se e ento: se isso, ento aquilo. Em razo disso, caso demonstre interesse por um assunto ou formato, com o tempo voc receber cada vez mais contedos sobre aqueles assuntos e naqueles formatos", explicou a professora. O efeito negativo dessa seleo, salientou Ziller, reside no fato de que as as opinies diferentes e as produes realizadas em formatos distintos tendem a ser cada vez menos oferecidas.

Bolhas Minha pgina no Facebook, por exemplo, um lugar de conforto para mim. Fico feliz em abri-la e ver que nela no h homofbicos, no h racistas, ver que as pessoas entendem as lutas indgenas. Contudo, esse no parece ser um retrato amplo da sociedade, explica. Nesse sentido, as timelines funcionam como bolhas, que reportam uma realidade muito agradvel para o usurio, mas completamente distorcida em relao ao que de fato se passa no mundo, em sua pluralidade.

Joana citou outro exemplo de como essa realidade restritiva pode ser percebida. Se olharmos as curtidas que recebemos em nossas postagens, perceberemos que so sempre as mesmas pessoas que curtem. Isso ocorre porque sempre para as mesmas pessoas que as nossas postagens aparecem; apenas para elas.

Falar ou ser ouvido? Joana Ziller aponta ainda outro problema: as dedues simplistas que se imiscuem nos algoritmos, revelando preconceitos e reiterando esteretipos. Se voc mulher, por exemplo, a rede vai automaticamente considerar que voc gosta de certo tipo de contedo. H um certo Dr. Lava Tudo, por exemplo, que sempre aparece na minha timeline, com ofertas de servios para casa: lavam tapetes, sofs, essas coisas. Esse um clculo que parte do esteretipo de gnero: a ideia de que a mulher a responsvel por cuidar da casa, afirma ela. Alguns mulheres da plateia comentaram que tambm recebem a mesma propaganda frequentemente, mesmo nunca tendo demonstrado interesse no servio.

Para Joana, que pesquisadora do Centro de Convergncia de Novas Mdias (CCNM) da UFMG, as redes sociais trouxeram um grande benefcio: deu voz aos que antes no tinham acesso a meios massivos de expresso. Contudo, o valor desse ganho talvez seja menor que o estimado. As mdias sociais permitiram que muitos pudessem falar, mas falar no significa, necessariamente, ser escutado.

A professora ainda lembrou que, em certo momento, chegou-se a ver com otimismo o advento das redes sociais em funo de sua suposta capacidade de fortalecer grupos minoritrios e marginalizados. No entanto, verifica-se que, no atual estgio, as mesmas mdias proporcionam, paradoxalmente, a desconsiderao do outro inclusive em crculos mais progressistas, que teoricamente se relacionam mais intimamente com a ideia de diversidade.

Para a professora do Departamento de Comunicao, o fato de vises diferentes despontarem cada vez menos nas timelines colabora para um perigoso endurecimento das posies. Se no tenho a oportunidade de tomar conhecimento da existncia do outro nos meus lugares e espaos de sociabilidade e de suas diferenas em relao a mim, as questes prprias desse outro, suas opinies, vo me importar cada vez menos, concluiu.

A professora Joana Ziller tambm falou sobre suas pesquisas reportagem das Redes Sociais da UFMG. Assista ao vdeo.

Fonte: Agência de notícias UFMG