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Planeta est longe da eficincia hdrica, afirma Leo Heller, relator da ONU sobre gua e abastecimento

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015, s 18h22

Em meio crise hdrica que assola o pas, emergem na esfera pblica discusses sobre as causas do problema e como resolv-lo. Entretanto, na viso do professor Leo Heller, relator especial da ONU sobre gua e saneamento, o cerne da questo no a falta de gua, mas as dificuldades de acesso ao recurso. Em palestra ministrada na manh desta quarta-feira, 11 de fevereiro, no Conservatrio UFMG, o professor da Escola de Engenharia fez uma anlise global do quadro e sentenciou: o planeta est longe da eficincia hdrica.

De acordo com Heller, as cidades sempre se formaram nas imediaes de rios e lagos. A gua necessria para nossa sobrevivncia e para vrias atividades humanas, como o comrcio e o transporte. O professor explicou que os problemas com o abastecimento de gua comearam justamente com o crescimento desmedido das cidades: Nunca se considerou que o desenvolvimento dos centros urbanos afetaria o ciclo da gua, mas o tratamento inadequado do esgoto e o desmatamento s margens dos rios prejudica todo o sistema aqutico. Da a origem dos problemas que enfrentamos hoje."

Com a populao brasileira preocupada com a possibilidade de racionamento, Heller lembrou que, embora o consumo humano seja visto como prioridade e se torne plataforma de muitos governos, na prtica as coisas so bem diferentes. Os maiores consumidores de gua no so as pessoas, mas as atividades econmicas, como a minerao e a agricultura. Muitas pessoas sequer tm acesso gua. Ele ressaltou ainda que as medidas de fornecimento no podem ser discriminatrias. Em tempos de crise, no se pode simplesmente implantar um racionamento porque as populaes menos favorecidos sero mais afetadas.

Como exemplo, o professor apresentou dados que indicam clara discriminao social no sistema de saneamento bsico no Brasil. Pesquisas mostram que 33,9% dos municpios brasileiros no tm abastecimento adequado e 50,7% contam com esgotamento sanitrio precrio, a maioria nas regies Norte e Nordeste. Isso muito preocupante, porque mostra que houve discriminao no desenvolvimento do nosso sistema de saneamento que acabou favorecendo as regies Sul e Sudeste em detrimento das outras, alertou Leo Heller.

Direito irrevogvel Recm-nomeado relator especial da ONU sobre gua e saneamento, Heller lembrou que o direito gua e ao esgotamento sanitrio foi includo na Declarao dos Direitos Humanos em 2010. Apesar de reconhecer o avano, o professor chamou ateno para a falta de discusso sobre o acesso gua. No sabemos em que condies esse recurso chega populao. Aspectos como qualidade, quantidade e regularidade do fornecimento no so discutidos.

Outro problema apontado pelo professor da UFMG a acessibilidade econmica. preciso pensar nas pessoas pobres, nos moradores de rua e em habitantes de localidades distantes, para quem o custo da gua costuma ser maior, disse.

Ele citou, ainda, o caso de Detroit, nos Estados Unidos, onde todas as casas so abastecidas, mas a populao no tem condies de arcar com o custo do sistema. Alm da falta de gua para consumo prprio, os moradores de Detroit sofrem com o inverno rgido porque no tm dinheiro para pagar pela gua que alimentaria o sistema de aquecimento, explicou.

O saneamento bsico apontado por Heller como o ponto mais delicado para o cumprimento da diretriz de acesso universal aos recursos hdricos: Muitas escolas e postos de sade fecham simplesmente porque os banheiros no funcionam. Tambm h o problema da desigualdade de gnero, j que as mulheres so mais prejudicadas pelo esgotamento sanitrio inadequado.

O professor lembrou que a gua tambm era objeto de uma das metas do milnio, segundo a qual a populao sem acesso ao bem deveria diminuir pela metade at 2015. Essa meta foi alcanada em 2012, mas ainda existem no mundo 800 milhes de pessoas que no dispem de uma fonte adequada de gua, 2,5 bilhes sem acesso ao esgotamento melhorado, 1 bilho que defecam a cu aberto e 1,6 bilho que morrem todos os anos em razo de doenas relacionadas gua e ao esgotamento, enumerou Heller.

Desafios Como caminhos para a crise hdrica no Brasil, Lo Heller recomenda mudanas na forma como o pas v, analisa e combate os problemas relacionados gua. Temos de adotar uma abordagem por problemas e no por setor. No basta uma secretaria, preciso incluir acesso, conflitos, riscos ambientais, gesto. Tambm devemos substituir o imediatismo das obras pblicas pela implementao de polticas pblicas perenes", defendeu o relator.

O professor da UFMG afirmou ainda que os indicadores quantitativos devem dar lugar a uma compreenso globalizante do consumo da gua, na qual os fins so considerados antes dos meios. Por ltimo, preciso que a gesto da gua deixe de ser autocrtica e tecnista e se torne participativa, incluindo a populao em todas as fases do processo, encerrou Heller.

Fonte: Agência de notícias UFMG