No cerne da luta por um pedaço de chão, encampada pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) a partir dos anos 80, emergiu a percepção sobre a demanda por um ensino que atendesse às especificidades das populações camponesas. O primeiro passo foi identificar, em meio aos assentados, professores que pudessem alfabetizar as crianças nascidas nos acampamentos.
Após três décadas de lutas que tiveram participação direta do MST, existem hoje no Brasil 45 programas em 30 instituições federais, destinados exclusivamente para a educação no campo.
A trajetória dos Sem-Terra e outras experiências foram discutidas na mesa temática Educação no Campo, que ocorreu na tarde desta quinta-feira, 6, no âmbito da SPBC Educação, realizada no campus UFMG Montes Claros.
O foco na formulação de políticas educacionais que privilegiem a cultura, o dia a dia e as prioridades do homem do campo foi ponto comum entre as abordagens dos participantes.
O assentado da reforma agrária e dirigente estadual do MST Marcos Fernandes Silva argumentou que os desafios e responsabilidades inerentes à criação de escolas para as crianças do campo vão muito além da apropriação de teorias sobre o tema. “O MST é um grande espaço educativo. Ao longo da nossa militância, aprendemos que fazíamos parte de uma sociedade com cujos valores não comungávamos. Isso porque a educação formal, impregnada em nossa cabeça desde criança, é centrada na exploração capitalista. Seria preciso criar um projeto de escola que fizesse sentido para nós e correspondesse às nossas demandas”, disse.
Somente no fim dos anos 1990, o MST conseguiu parceria com as universidades. Com a criação do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), foram garantidas as condições para formação de educadores que atuassem nos assentamentos e também nas comunidades praticantes da agricultura familiar. “A partir daí, avançamos muito. Em 2005, foi formada a primeira turma de especialistas em educação no campo, na UFMG”, relatou.
Segundo Marcos Silva, a causa ainda enfrenta alguns entraves. “É preciso superar as leis vigentes, que impedem a formulação de uma grade e de uma metodologia diferenciada, com conteúdo contextualizado para a zona rural. Isso porque o estado é burguês e prima pela manutenção da estrutura capitalista”, argumenta.
Existe, para Marcos Silva, uma disparidade entre as propostas do “estado burguês” e a autonomia da população do campo. “Não seremos sujeitos enquanto não tivermos uma educação que de fato nos represente. Logo, é pertinente falar de luta de classe quando se fala de educação”, analisa.
Vocação despertada
Durante seu mandato (2009-2012) como vice-prefeita de Miradouro, cidade localizada a 350 km de Belo Horizonte, Gilsilene Maria Mendes se empenhou em fortalecer a educação do campo, especialmente quanto à valorização da história e do ambiente local. “Como a população do município é predominantemente rural, não fazia sentido trazer a educação ‘de cima’ para os estudantes”, justifica.
Com auxílio da UFMG, Gilsilene conseguiu incorporar Miradouro ao programa de educação no campo Escola da Terra, que abrange outros 16 municípios mineiros. “O programa tem como um dos eixos a pesquisa sobre a realidade local. Assim, os estudantes são estimulados a coletar, com moradores antigos, informações sobre a cultura e a tradição da cidade. Outra atividade de destaque é o retrato desenhado da comunidade, que os jovens elaboram de acordo com suas pesquisas”, descreve.
Entre os projetos de ação pedagógica promovidos pelo projeto, a ativista exemplifica a produção de substâncias naturais que substituem os agrotóxicos, a imersão no sistema local de coleta seletiva e a montagem de uma horta na escola. “Tudo isso desperta nos alunos várias vocações, sem distanciá-los do contexto em que sempre viveram”, avalia a professora.
De acordo com Maria de Fátima Almeida Martins, docente da Faculdade de Educação que atuou na formação da primeira turma de educadores do campo na UFMG, existe hoje uma “efervescência dos movimentos relativos à educação no campo”. Para a professora, é fundamental que a Universidade sistematize experiências como as relatadas ao longo da atividade. “É preciso haver um movimento de comunhão, para que as iniciativas sejam ampliadas e fortalecidas”, pontua. Em sua opinião, a educação do campo deve ser abordada “a partir do lugar da universidade”. “Ao se trazer para a instituição o protagonismo do campo, potencializa-se um diálogo que cria condições para que a educação no campo seja encarada, de fato, como uma política para o país”.
Sobre o corte de verbas imposto pelo governo, que ameaça a permanência das instituições de educação no campo, a professora enfatiza que “não se pode parar de lutar”. Segundo ela, a atuação desses educadores “tem feito toda a diferença. Não se trata apenas de sensibilidade, mas de uma construção ideológica importante para o futuro do país”, ressalta.