Três exemplos de utilização da biodiversidade como fonte para desenvolvimento de novos fármacos e de novas tecnologias em saúde serão apresentados em mesa-redonda que integra a programação da SBPC Inovação. “A natureza é um imenso repositório de centenas de milhões de moléculas, entre as quais, diversas moléculas ativas extraídas de plantas e de venenos animais têm sido estudadas para aplicação em modelos de medicamentos e de vacinas”, comenta a professora Maria Elena de Lima, da UFMG, que vai coordenar a mesa Biodiversidade e biotecnologia: um dueto afinado.

A professora da UFMG apresentará trabalhos de seu grupo de pesquisa relacionados a aplicações terapêuticas de moléculas sintéticas, derivadas do veneno da aranha armadeira, como o peptídeo PnPP-19, que potencializa a ereção sem provocar efeitos tóxicos.

Também participam da mesa, na terça-feira, 18, às 15h30 (sala C 307 do Centro de Atividades Didáticas de Ciência Humanas – CAD 2), os professores Laila Salmen Espindola, da Universidade de Brasília (UnB), e Mario Palma, da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Rio Claro).

Laila Salmen Espindola vai abordar o projeto ArboControl Brasil, que busca protótipos de produtos com atividade em formas imaturas (ovos, larvas e pupas) e adultas de Aedes aegypti. O professor Mário Palma discutirá o uso de toxinas de venenos animais como fonte de inspiração para o desenvolvimento de novos fármacos.

Riquezas
Ao fazer referência à colonização e às riquezas da biodiversidade que foram levadas do Brasil, Mário Palma vai citar exemplos de substâncias das quais se isolaram princípios ativos usados como modelos para o desenvolvimento de importantes medicamentos, “sem qualquer participação de brasileiros e sem qualquer retorno para o país”. Segundo ele, poderosas corporações multinacionais têm desenvolvido novos fármacos utilizando a biodiversidade dos países em desenvolvimento.

O pesquisador da Unesp vai apresentar o trabalho que realiza em laboratório do Centro de Estudos de Insetos Sociais e no Departamento de Biologia do Instituto de Biociências de Rio Claro. “Temos trabalhado no desenvolvimento de uma grande biblioteca de toxinas de insetos, aranhas e escorpiões, que tem servido de fonte de descoberta dos novos compostos anticâncer, com abordagens na relação entre as estruturas químicas e as ações biológicas dessas toxinas”, informa.

Esse tipo de trabalho, explica o professor, tem sido objeto de iniciativas do programa Bioprospecta, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que visa apoiar pesquisas dedicadas a estudos de produtos naturais, como fonte de inspiração para descoberta e desenvolvimento racional de princípios ativos de interesse para a produção de novos fármacos e/ou inseticidas seletivos, com baixo impacto ambiental.

“Com grande força na engenharia das novas moléculas, temos criado muitas variáveis sintéticas, usando simulações computacionais para chegar a novas estruturas químicas das toxinas naturais (de maneira virtual)”, comenta Mário Palma. A etapa seguinte é o desenvolvimento de processos de síntese química em laboratório.

Essas estruturas químicas sintéticas são testadas em modelos biológicos de laboratório (in vitro). As mais ativas e promissoras são submetidas a ensaios em modelos in vivo e, posteriormente, em humanos. “Algumas já estão patenteadas e poderão se tornar princípios ativos de novos fármacos daqui a alguns anos”, projeta Palma.

Arboviroses
Mais de 2,5 bilhões de pessoas estão atualmente sob risco de infecção por arboviroses, transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, alerta a conselheira da SBPC, professora Laila Salmen Espindola. A grande infestação por esses vetores, segundo ela, é responsável por manter surtos regulares de dengue e, mais recentemente, epidemias pelos vírus chikungunya e zika.

Na mesa Biodiversidade e biotecnologia: um dueto afinado, a professora vai apresentar convênio firmado entre o Ministério da Saúde e a UnB, no Plano Nacional de Enfrentamento ao Aedes e à Microcefalia, para a execução do projeto ArboControl Brasil, que tem forte componente de pesquisa de protótipos de produtos para o controle do vetor.

O convênio prevê ainda pesquisas em novas tecnologias em saúde, ações de educação, informação e comunicação para o controle do vetor e formação e capacitação profissional.

A professora comenta que a Organização Mundial de Saúde define o controle vetorial integrado, com foco nas formas imaturas (ovo, larva e pupa) e adulta do mosquito, por meios biológicos, ambientais e químicos. “Iniciamos o projeto pela análise da atividade de extratos e substâncias depositadas no Banco de Extratos de Plantas do Bioma Cerrado” do Laboratório de Farmacognosia da UnB, conta Laila Espindola.

As substâncias ativas, quando necessário, estão sendo nanoestruturadas a fim de atender a organização operacional dos agentes de vigilância, que retornam a um local infestado a cada dois meses, para nova aplicação do inseticida. “Amostras provenientes de plantas, microrganismos endofíticos, animais e microrganismos marinhos estão sendo recebidas das instituições parceiras, integrantes da rede ArboControl, composta de 27 instituições nacionais e 20 internacionais, corresponsáveis por assegurar a execução e transferência do modelo ArboControl Brasil para o controle do vetor e das arboviroses”, informa a pesquisadora da UnB.

Toxinas
Com base em toxinas isoladas por pesquisadores da Fundação Ezequiel Dias (Funed), a partir do coquetel de substâncias presentes no veneno da aranha armadeira (Phoneutria nigriventer), pesquisadores da UFMG desenvolveram, com o uso de ferramentas de bioinformática, substância sintética capaz de potencializar ereção sem acarretar efeitos tóxicos.

Objeto de depósito de patente, o peptídeo PnPP-19, sintetizado pela equipe da professora Maria Elena de Lima, surge como modelo eficaz de fármaco que atua em mecanismos diferentes dos utilizados pelos medicamentos já comercializados para o tratamento da disfunção erétil. “Outro diferencial é o fato de o produto ser ativo por aplicação tópica”, destaca a pesquisadora.

A patente referente a essa tecnologia, parceria entre UFMG, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Funed, foi recentemente transferida para a empresa Biozeus (Rio de Janeiro, Brasil), que investe na finalização dos testes pré-clínicos, inclusive com a participação do laboratório coordenado pela professora Maria Elena. A previsão é que os testes em seres humanos sejam iniciados no próximo ano.

O novo peptídeo não é o único trabalho do Laboratório de Venenos e Toxinas Animais (LVTA) que vem chamando a atenção de empresas de biotecnologia. A professora Maria Elena de Lima e sua equipe, em colaboração com pesquisadores de diversos departamentos da UFMG e de outras instituições brasileiras e com as universidades Católica de Leuven (Bélgica) e Aix Marseille University (França), têm-se dedicado a estudo sobre venenos e toxinas também para o desenvolvimento de analgésicos, antimicrobianos e inseticidas. Na mesma linha de investigação de drogas com atuação na disfunção erétil, estão em andamento estudos com outro peptídeo, obtido de uma espécie de taturana, em parceria com o Instituto Butantã.

“Começamos estudando apenas toxinas com neurotoxicidade, como aquelas que agem nos canais iônicos, mas os venenos são ricos coquetéis de substâncias. Para aproveitar todo esse potencial, ampliamos nossas linhas de atuação, buscando estudar novas atividades e substâncias com aplicações em biotecnologia e terapêutica”, explica a professora.

Segundo ela, uma das abordagens inovadoras dos trabalhos realizados por sua equipe inclui a síntese das moléculas de interesse, baseando-se também em estudos de bioinformática, como os citados pelo professor Palma, reduzindo seus tamanhos e, em muitos casos, modificando suas sequências de aminoácidos, com remoções, substituições ou inserções de outros tipos. “Isso torna essas moléculas, muitas vezes, mais simples de ser estudadas, diminui custos na síntese em escala, pode levar ao aumento de absorção pelo organismo e até de suas atividades biológicas, características positivas na obtenção de possíveis fármacos”, enumera.

Para Maria Elena Lima, “cabe aos cientistas estudar a biodiversidade com critério, evidenciando suas potencialidades para o bem do homem, dos animais e do meio ambiente, concorrendo, ainda, para a maior valorização e preservação da natureza”.