(Crédito da foto em destaque: EBC).

Reportagem: Matheus Espíndola

A premissa de que os profissionais envolvidos no sistema público de ensino devem ser preparados para apartar os dogmas religiosos do cotidiano das salas de aula norteou a discussão da mesa-redonda Formação de professores na universidade laica, realizada na tarde de segunda-feira, 17, durante a 69ª Reunião Anual da SBPC.

“A universidade não é o lugar do dogma. A circulação do saber crítico deve prevalecer sobre toda crença que se pretenda impor como uma verdade absoluta”, defendeu o professor Carlos Roberto Jamil Cury, da pós-graduação em Educação da PUC Minas.

Em seu pronunciamento, o educador defendeu que a educação no âmbito do estado deve ser “expressão de cidadania aberta”, evocando noções presentes no texto da Constituição Federal, alinhadas com o combate a todos os tipos de preconceito. “Compatíveis com a Lei brasileira, que nos protege de diferencialismos segregadores, as diretrizes curriculares têm como princípio formar docentes compromissados com o projeto social, político e ético de nação, valorizando, dessa forma, a diversidade e a emancipação dos indivíduos”.

Cury: educação como “expressão de cidadania aberta”. Foto: Raíssa Cesar / UFMG

Da intolerância ao reconhecimento

Para Jamil Cury, que é professor emérito da UFMG, a propagação de doutrinas religiosas nas instituições, prática que tem raízes muito profundas na cultura brasileira, é geradora da impressão de desigualdade de direitos. “A intolerância deriva de dogmatismos intransigentes. A aceitação da diversidade gera o reconhecimento do outro como sujeito dos mesmos direitos. Por isso, a laicidade tem afinidade direta com a modernidade”, argumenta.

O professor destaca que a universidade laica, diferentemente do que aparenta, não é adepta da “irreligião ou da antirreligiosidade”, mas respeita as liberdades e desabona o estado do controle religioso.

“A laicidade não é desprovida de valores. Seu princípio basilar é o respeito às doutrinas e formas de fé religiosas, como frutos de uma escolha particular e subjetiva, que merecem consideração”, reforça.

Para a antropóloga Lygia Baptista Pereira Segala Pauletto, da Universidade Federal Fluminense (UFF), o ensino superior é “um escoadouro do debate inflamado em torno da ciência e da crença”. A docente relatou episódios presenciados no interior da universidade em que a coexistência de grupos religiosos e não religiosos gerou aquilo que chamou de “mal-estar da diferença”.

Para Lygia Baptista Pauletto, os professores não devem se furtar ao debate contínuo sobre a questão da laicidade. “É tempo de revisitar teórica e politicamente essas fronteiras, ou prevalecerá um silêncio inflamado”, avalia.

Lygia Pauletto: mal-estar gerado pela convivência entre grupos religiosos e não religiosos. Foto: Raíssa Cesar / UFMG

Pedagogia do conflito

O conflito que decorre da existência de múltiplas crenças, para o professor Luis Fernando Marques Dorvillé, do Departamento de Ciências Biológicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), “desabilita os homens do conforto ao apresentar explicações diferentes e outras maneiras de pensar”.

O especialista defendeu que o ensino de ciências pode ser feito com base na ideia de que “não há uma única ciência, mas várias, com metodologias e epistemologias subjacentes e distintas”.

Em seu ponto de vista, a ciência é um saber dinâmico, provisório, que nunca deve ser aceito como verdade absoluta. Por isso, deve dialogar com outros saberes, fortalecendo uma perspectiva intercultural. “É importante que os estudantes sejam estimulados a aumentar seu repertório de modalidades de compreensão do mundo”, afirmou, criticando, com ênfase, o fundamentalismo existente na escolha entre criacionismo e evolucionismo, que influenciou seus primeiros anos escolares.

Luis Fernando Dorvillé: ensino baseado no princípio da existência de várias ciências. Foto: Raíssa Cesar / UFMG