Busca no site da UFMG




Nº 1348 - Ano 28 - 09.05.2002

 

 

Le Pen e a pós-modernidade

Antônio Júlio de Menezes Neto *

França apresentou-se, na modernidade, como o país de maior influência intelectual. Afinal, foi o berço de uma revolução política, que, com sua conclamação à Liberdade, Igualdade e Fraternidade, contribuiu para instituir novas relações sociais e políticas. Assim, desde os iluministas, no século 18, criou-se a tradição francesa de intelectuais engajados nos grandes debates sociopolíticos. Eles sempre procuraram debater e influir nos rumos de seu país, da Europa e até do mundo. Pensadores deste século, como Sartre, Lefebvre ou Bourdieu, entre muitos outros, não se furtaram de debater os grandes problemas sociais, culturais, políticos, econômicos e filosóficos, influenciando uma geração de franceses e não franceses, inclusive muitos brasileiros.

Mas o neoliberalismo dos anos 80 e 90 abateu a nova geração de possíveis grandes intelectuais, que migraram da esquerda para um nebuloso pós-modernismo culturalista, que se tornou a nova vedete para intelectuais desnorteados. O mundo acadêmico tornou-se hermético aos grandes debates. Esses intelectuais inventaram uma pretensa teoria que dizia não existir mais esquerda ou direita. Aliás, diziam não existir explicações macrossociais ou classes sociais, capitalismo ou socialismo. Nem mesmo o mundo do trabalho existiria mais. Fragmentaram-se em acríticas reflexões culturais pós-modernas, diluídas nas questões étnica, de gênero e de família, isoladas de uma perspectiva global, buscando na irracionalidade e no delírio da razão o seu novo caldo analítico.

Este campo de discussão teórica levou à negação da objetividade e da ideologia, substituindo-as por um subjetivismo descontínuo, local, micro, com ênfase na diferença (mas não na desigualdade) e na descontinuidade. Este pensamento, que poderia servir para quebrar paradigmas conservadores e trazer problemas culturais críticos para o centro dos debates, serviu, na realidade, como um conceito ideológico, interessante à reprodução do capital e à legitimação do mercado e do capitalismo. Acabou privilegiando o privado sobre o público, servindo, assim, ao neoliberalismo.

Pierre Bourdieu e Loic Wacquant, ambos sociólogos e professores, respectivamente, no Collège de France e na Universidade de Berkeley, Califórnia, criticam estes intelectuais, numa publicação divulgada no II Fórum Social Mundial de Porto Alegre. Eles afirmaram: "Em todos os países avançados, patrões, altos funcionários internacionais, intelectuais de projeção na mídia e jornalistas do top estão de acordo em falar uma estranha nova língua cujo vocabulário, aparentemente sem origem, circula por todas as bocas: globalização, flexibilidade, governabilidade e empregabilidade, underclass e exclusão, nova economia e tolerância zero, comunitarismo, multiculturalismo e os seus primos pós-modernos, etnicidade, minoridade, identidade, fragmentação, etc. A difusão dessa nova vulgata planetária _ da qual se encontram notavelmente ausentes capitalismo, classe, exploração, dominação, desigualdade, e tantos vocábulos decisivamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de uma presumível falta de pertinência _ é produto de um imperialismo apropriadamente simbólico: os seus efeitos são tão poderosos e perniciosos porque ele é veiculado não apenas pelos partidários da revolução neoliberal _ a qual, sob a capa da modernização, entende reconstruir o mundo fazendo tábua rasa das conquistas sociais e econômicas resultantes de cem anos de lutas sociais, descritas agora como arcaísmos e obstáculos à nova ordem nascente _, mas também por produtores culturais (pesquisadores, escritores, artistas) e militantes de esquerda que, na sua maioria, continuam a considerar-se progressistas".

Mas como estas questões inserem-se na eleição francesa? Ao perder a perspectiva das grandes análises, para pensar apenas no micro, boa parte dos intelectuais franceses, que, num passado recente, perfilavam no campo da esquerda, começam a perder o bonde da história. Não explicam e nem se posicionam perante o fascismo de Le Pen. Alinham-se com os intelectuais italianos pós-modernos, que não explicam Berlusconi e as manifestações de massa de trabalhadores italianos contra as reformas nas leis trabalhistas, e com os intelectuais brasileiros que ficam de olho apenas no detalhe, perdendo as análises das grandes mudanças que, esperamos, venham a acontecer em nosso país.

Tomara que novos ventos comecem a soprar, levando a moda do fragmento cultural acrítico e deixando as reflexões e pesquisas sobre o que realmente interessa aos cidadãos e aos trabalhadores interessados em transformar as relações sociais. Que os pensadores voltem a participar dos grandes debates e a ser críticos ao sistema e às injustiças, honrando, desta forma, o nome de intelectual.

* Professor da Faculdade de Educação