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Nº 1376 - Ano 29 - 28.11.2002


"Mamãe, para que serve o cérebro?"

Professora do departamento de Psicologia da Fafich pesquisa aumento do QI das novas gerações

Ana Siqueira

pergunta expressa no título foi feita por uma menina de quatro anos à sua mãe, que, embaraçada, respondeu: "Para muitas coisas... é difícil explicar assim...". A criança, insatisfeita com a explicação da mãe, formulou sua própria resposta: "O cérebro serve para pensar, mãe". O caso, relatado pela professora Carmen Flores-Mendoza, do departamento de Psicologia, é emblemático do aumento da inteligência de uma geração para outra. "As crianças de hoje certamente fazem considerações bem mais complexas do que as crianças da minha geração", diz.

Para comprovar esse incremento do quociente de inteligência (QI) das novas gerações, a professora não utiliza casos específicos e cotidianos, mas muitos testes e estatísticas. "Frente a dados não há argumentos", afirma. Suas pesquisas partem do resultado de estudos realizados em várias partes do mundo, que constataram crescimento expressivo da inteligência média da população (leia quadro abaixo). Eles estimam que o QI aumenta cerca de 15 pontos a cada 50 anos. "Pretendo descobrir se o fenômeno também ocorre no Brasil e, caso a resposta seja afirmativa, qual a sua extensão", explica Carmen Flores-Mendoza.

Inteligência e sociabilidade

A amostragem selecionada para a pesquisa é formada por alunos do Centro Pedagógico (CP), com idade de 7 a 15 anos, matriculados nas oito séries do ensino fundamental e que serão acompanhados durante 10 anos. Nesse período, a pesquisa pretende incluir os novos alunos do CP na amostragem, de modo a comparar mudanças ocorridas de uma geração para outra, com crianças da mesma idade. Para aplicar e analisar os testes nos 700 estudantes, Carmen Flores-Mendoza, juntamente com a professora Elizabeth Nascimento, reuniu uma equipe de 24 alunos de psicologia. Os alunos do CP já se submeteram à primeira bateria de testes, que serão repetidos a cada dois anos, tempo que a professora Carmen Flores-Mendoza considera ideal para a pesquisa. "Além de oferecer tempo para a avaliação adequada dos resultados, esse intervalo é importante para que os alunos esqueçam um pouco os testes e não se sintam indispostos a eles", diz.

Dois tipos de testes são aplicados. O Wisc-3 busca avaliar, através da linguagem escrita, a inteligência cristalizada, que abrange o conhecimento relacionado à escolarização. Já o Raven, de caráter figurativo visoespacial, tenta dimensionar a inteligência fluida. Os pais e professores também participam da pesquisa. "No caso dos pais, faremos entrevistas orais sobre o comportamento dos filhos em casa. Já os professores estão respondendo questionário que trata de problemas como déficit de atenção, hiperatividade e rendimento", explica a professora.

Polêmica

Os pesquisadores da inteligência, concentrados principalmente nos Estados Unidos e Europa, creditam o aumento de QI a vários fatores, como a melhoria da alimentação, das condições sanitárias, o crescimento das matrículas na pré-escola e a ampliação dos níveis de escolaridade. De acordo com a professora Carmen, o crescimento da inteligência fluida é mais significativo que o da cristalizada. A hipótese sustentada para explicar essa desigualdade é a de que as novas tecnologias interferem mais no aumento da inteligência fluida. "Há indícios de que a Internet favorece o desenvolvimento de habilidades visoespaciais, mas pouco interfere no conhecimento cristalizado", afirma a professora. Outro fator que explicaria a evolução menos acelerada da inteligência cristalizada seriam as deficiências no sistema escolar. Segundo a pesquisadora, o ensino apresenta uma defasagem de cerca de 40 anos. As aulas mudaram pouco nesse período, mas os alunos de hoje são muito diferentes: processam informações com mais rapidez e apresentam novas demandas de aprendizagem. "Tudo isso reduz o rendimento escolar", analisa Carmen Flores-Mendoza.

Os estudos da inteligência geram polêmica dentro e fora da academia. Seus críticos evocam um conceito mais amplo de inteligência, que englobaria aspectos emocionais e de sociabilidade. Há também correntes que criticam o viés determinista que estaria presente em tais estudos. Carmen Flores-Mendoza rebate as críticas, afirmando que não se trata de desconsiderar aspectos afetivo-emocionais, mas de diferenciá-los dos intelectuais. Embora admita que, nos primórdios, as linhas de pesquisa sobre a inteligência tivessem cunho fatalista, a professora do departamento de Psicologia garante que, hoje, o quadro é bem diferente: "Sabemos que a inteligência não resulta apenas de questões de ordem genética e biológica. É importante que ela seja estudada até para compreendermos quais são as decisões e ações adequadas para estimulá-la".

 

QI nas alturas

Estudos mostram que a inteligência média vem crescendo nos últimos anos, em vários países do mundo. Confira.

País

Bélgica
Canadá
Espanha
Estados Unidos
França
Grã-Bretanha
Noruega
Nova Zelândia
Países Baixos

Intervalo/anos

9
21
30
30
25
30
23
32
30

Ganho de QI

7,0
8,44
13,6
9,0
25,12
6,8
9,8
7,73
21,1