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Nº 1376 - Ano 29 - 28.11.2002

 

 

Assassinato na Universidade

Elisa Silva Borges*

ra véspera de feriado. Era uma manhã de sexta-feira, 11 de outu- bro de 2002.
Elgim Tito Borges Júnior tinha 23 anos;
e não envelheceu nem mais um dia.
Tinha dois filhos; e não os viu nem mais uma vez.
Tinha três irmãos; e não os abraçou nem mais um segundo.
Tinha um pai. Tinha uma mãe. Tinha amigos.
Mas não tinha nenhum inimigo. O que aconteceu então?
De quem é a culpa? Como um só tiro rompeu uma vida?
E estraçalhou dezenas?

Elgim era de Cássia, interior de Minas. Estudava Tecnologia e Saneamento Ambiental na Unicamp, no campus de Limeira. Era bolsista e possuía ótimas notas. Querido pela turma, estava sempre pronto para responder com um belo sorriso. Gostava de MPB e adorava uma boa noite com os amigos e seu violão.

Na manhã de 11 de outubro último, ele saiu para almoçar com os colegas no campus de Limeira. Na mesma hora, a agência do banco Banespa-Santander, localizada na Universidade, era assaltada. O que se seguiu foi rápido. A polícia chegou, os assaltantes correram. Entre os tiros, um tumulto se formou. No meio da confusão, Elgim correu de volta para sua sala, na direção contrária aos colegas, que correram para a biblioteca. Correu para o lado errado.

Levou um tiro pelas costas, que atingiu o coração. Foi-se o estudante. Foi-se o colega. Foi-se o amigo. Foi-se o irmão. Foi-se o pai. Foi-se o filho. Assim, de repente. Assim, sem explicação.

Ainda não se sabe de onde veio o tiro. Se foi da polícia ou dos bandidos. O que se sabe é que houve uma falha. Falha de segurança... falta de cuidado. De quem é a culpa? Da polícia, que entrou atirando irresponsavelmente? Da Universidade, que não ofereceu segurança aos seus alunos? Da sociedade, que banaliza a violência? Do governo, que não consegue resolver o problema da falta de segurança?

No mesmo dia, à tarde, a surpresa. Chegando na república do estudante, seus colegas encontram a polícia no quintal da casa tentando arrombar a porta. Os policiais insistem em entrar, mesmo sem mandado judicial. Pressionados, os estudantes cedem. Procurando pistas do envolvimento de Elgim no assalto, os policiais reviram tudo, mexem em todas as suas coisas. A vítima tornara-se suspeita.

O absurdo da situação chama a atenção. Por que procuraram incriminar tão rapidamente o estudante assassinado? Por que invadiram sua casa desta maneira? Abuso de poder e despreparo. Irresponsabilidade. A acusação ganhou os jornais.

E o ato de alguns policiais e de alguns meios de comunicação transformou uma injustiça em duas. Morto pelas costas e acusado de cúmplice no roubo, Elgim não teve chances de se defender. Em nenhuma das vezes. Sua defesa tornou-se a causa de seus amigos e familiares.

No dia seguinte ao crime, parte da justiça foi feita. A própria polícia descartou qualquer hipótese de envolvimento do estudante no assalto.

A história de Elgim é a história de muitos. Tantos, que se tornaram estatísticas. Números que passam batidos em frente aos nossos olhos. A violência banalizou a morte. Casos de balas perdidas ceifando vidas fazem parte de nosso cotidiano. Estão nas páginas dos jornais. Mas parecem não fazer parte de nossa realidade. Ninguém acredita que pode ser com ele. Ninguém acredita que aquilo possa acontecer com algum conhecido. Parece algo distante. Muito distante. Até que bata à nossa porta.

Mais inacreditável ainda é que isso possa acontecer dentro de uma universidade. Muito mais perto do que pensávamos. Foi na Unicamp, mas poderia ser na UFMG. Foi com alguém que você não conhece, mas poderia ter sido com você. Até onde tudo isso vai? Onde vamos parar?

Imagine se fosse na Praça de Serviços. Imagine se você estivesse lá. Imagine se fosse você.

Para onde ir? Para onde correr? O que fazer? Não haveria saída.

A violência no Brasil é fato inquestionável. O chamado poder paralelo já demonstrou várias vezes toda a sua força. E como lidar com ele dentro de um ambiente universitário? Como parar a violência aqui dentro? Com armas? A Universidade não permite a entrada de policiais armados no campus. Talvez se eles não estivessem armados em Limeira, nada teria acontecido. Mas, então, como lidar com isso? Como homens desarmados podem impedir uma tragédia? E como homens armados podem acabar não causando uma? Esta discussão tem que ser feita para evitar que fatos como esse se repitam. Se a universidade não é segura, nada mais pode ser. E se nada mais é seguro, estamos condenados a viver no medo. A vivermos inseguros.

Devemos prestar mais atenção a casos como esse. Pois o que está em jogo é a nossa vida, o nosso futuro. A sociedade busca soluções, mas criticar e ser apenas um espectador é mais fácil do que apontar o caminho. A UFMG, como espaço livre de debate de idéias, precisa atentar para a falta de segurança e o abuso de poder.

Parece uma discussão distante, mas ela está mais próxima do que se imagina. Acredite, pode acontecer com qualquer um. Aconteceu com o meu irmão...

* Estudante de Psicologia da Fafich/UFMG