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Nº 1396 - Ano 29 - 15.05.2003


/Wrana Maria Panizzi

"O ensino superior deve ser associado a um projeto de nação"

roblemas emergenciais não faltam à universidade brasileira. Orçamento insuficiente, déficit de pessoal, ameaça de uma nova onda de aposentadorias, baixos salários e necessidade de aumentar os níveis de inclusão social. "Tudo isso nos torna prisioneiros da conjuntura", afirma a reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Wrana Panizzi, que acaba de assumir a presidência da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Nesta entrevista ao BOLETIM, Wrana, que esteve na UFMG na semana passada, para participar de seminário sobre à inclusão social, discorre sobre essa "agenda emergencial", mas adverte que não se pode perder de vista o papel estratégico que a universidade deve desempenhar na sociedade brasileira: "Precisamos pensar o ensino superior como um projeto de longo prazo associado a um projeto de nação".

Quais os seus planos à frente da Andifes?
Primeiro, vamos trabalhar em favor de uma proposta já antiga da Andifes, a Lei Orgânica do Sistema Federal de Ensino Superior (SFES), que contempla questões fundamentais, como autonomia, recursos financeiros, a carreira dos professores e dos funcionários técnicos e administrativos, a questão dos projetos acadêmicos, o papel político de nossas instituições. Por outro lado, precisamos resolver nossas demandas emergenciais, que acabaram se acumulando nos últimos anos.

Que demandas seriam essas?
Uma delas diz respeito à questão de pessoal. Nossas universidades vêm perdendo cada vez mais seus recursos humanos qualificados - tanto professores quanto funcionários técnicos e administrativos - e precisamos urgentemente de uma política que resolva o problema. Temos um déficit histórico, que agora se aprofunda com a iminência da Reforma da Previdência. Se essa situação persistir, chego a temer pelo futuro de todo o nosso sistema federal de ensino. A questão da Previdência inquieta os professores e os funcionários técnicos e administrativos, e isto tem perturbado até o bom desempenho das nossas atividades. Qualquer reforma deve garantir os direitos adquiridos e qualificar o que são direitos adquiridos de fato. Isso precisa ficar expresso na legislação. Precisamos de regras de transição, que não obriguem essas pessoas a saírem de uma hora para outra da universidade. E há também a questão salarial. Hoje, é mais difícil encontrar pessoas dispostas a ingressar no serviço público. A estabilidade é insuficiente. Se combinarmos baixos salários ao fim da aposentadoria integral, deixaremos de atrair para as universidades quadros que, pela natureza dessas instituições, precisam ser muito mais qualificados.

A questão orçamentária certamente entra no rol das demandas emergenciais...
Sem dúvida. Precisamos de uma política orçamentária que garanta os recursos para não termos que, a cada ano, fazer uma maratona ao Congresso Nacional para buscar emendas orçamentárias que complementem nossos recursos. Até poderíamos valer-nos de recursos complementares para financiar programas de expansão, mas o que vem ocorrendo é que buscamos recursos apenas para chegar ao fim do ano com as nossas contas empatadas.

E a questão da inclusão social, tema do seminário que a trouxe à UFMG?
É outro desafio. As universidades federais são líderes de qualidade, mas precisam recuperar a liderança na oferta de vagas. Se há uma tarefa própria do sistema educacional - de modo especial, no ensino superior - esta é a promoção da inclusão social duradoura, não só aquela que mata a fome - e que também é necessária -, mas que insere as pessoas na vida da sociedade e no mundo do trabalho. Também devemos trabalhar para que as nossas universidades sejam reconhecidas como responsáveis pela geração da riqueza, que permite o nosso desenvolvimento econômico e garante nossa soberania no quadro internacional. Mas, sobretudo, a maior tarefa é fazer com que as nossas instituições sejam vistas como grandes preservadoras dos valores, fundamentais para a constituição da identidade brasileira.

Diante dessa agenda tão extensa e emergencial, ainda há espaço para discutir autonomia?
Além de atender as nossas questões de emergência, a nossa grande pauta é a discussão do processo de autonomia e do próprio projeto de universidade. São questões de longo prazo que vão se configurando em nosso cotidiano. Essa é uma dimensão maior de nossos problemas, mas, infelizmente, somos prisioneiros da conjuntura. De qualquer forma, precisamos pensar urgentemente o ensino superior como um projeto de longo prazo associado a um projeto de nação.

Como será o diálogo entre as universidades e o atual governo? Assim que o atual governo tomou posse, houve uma reunião da Andifes, com a presença do ministro da Educação, Cristovam Buarque, que participou de todo o encontro, fato inédito na nossa história, e do ministro da Ciência e Tecnologia, Roberto Amaral, que ficou por lá durante grande parte do evento. Foi um momento histórico, que permitiu estabelecer um diálogo respeitoso. Os ministros não chegaram com uma pauta pronta, mas manifestaram disposição de construir uma agenda de questões a serem trabalhadas pelo governo e por todo o sistema. O diálogo existe, mas devemos transformá-lo em ações que valorizem a universidade.