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Bioética e avanços da ciência*
Após a Segunda Guerra Mundial, tornou-se imperativa a busca de novas ferramentas teóricas e metodológicas para análise dos conflitos que passaram a emergir da realidade.
Foi nesse contexto que surgiu a bioética. Ela apresenta-se como um novo campo de saber multidisciplinar que conquistou a árdua incumbência de ler e interpretar a realidade, com seus antigos e novos conflitos, procurando as respostas morais possíveis e mais compatíveis para cada situação específica e para cada contexto sociocultural.
Essa nova disciplina, contudo, não pode caracterizar-se como um simples instrumento neutro apenas utilizado para ler e interpretar os fatos, sob pena de vir a fracassar no seu papel histórico. Pelo contrário, como ética aplicada e fazendo parte do campo da filosofia moral, principalmente nas flagrantes situações de desequilíbrio social que caracterizam este início do século 21, a bioética tem o compromisso de atuar mediando conflitos, quando possível, ou resolvendo-os, quando necessário.
Foi com esse intuito que defendi na conferência de abertura do 6ºoCongresso Mundial de Bioética, realizado em Brasília, em novembro de 2002, a criação de uma "bioética de intervenção", uma "bioética dura" (hard bioethics), no encaminhamento de soluções para os conflitos morais relacionados com as `situações persistentes' verificadas nas nações pobres do Hemisfério Sul do mundo.
Principalmente nos casos de decisões sobre priorização na alocação de recursos escassos no setor de saúde pública, por exemplo, a bioética de intervenção pende inequivocamente para o lado coletivo, a partir de referenciais filosóficos de raiz utilitarista conseqüencialista.
Em outras palavras, a decisão prática tomada deve ser aquela que proporcione o maior benefício para o maior número de pessoas e pelo maior espaço de tempo possível e que resulte nas melhores conseqüências.
Partindo de uma das bases de sustentação epistemológica da bioética, que é o respeito ao pluralismo moral constatado no mundo atual, a busca do conhecimento científico deve continuar livre, desde que respeitados os parâmetros éticos internacionalmente reconhecidos para os diferentes campos da pesquisa, sobretudo naqueles relacionados diretamente aos seres e à vida humana.
A tecnologia, que é filha da ciência, por sua vez, deve ser obrigatoriamente controlada. O controle de sua aplicação, contudo, não pode ficar exclusivamente nas mãos dos cientistas, de empresas ou de outras corporações.
A questão central colocada para o desenvolvimento científico e tecnológico refere-se exatamente ao campo dos limites. O tema em discussão, portanto, não mais diz respeito ao `não vou fazer porque NÃO POSSO fazer', mas ao `não vou fazer porque NÃO DEVO fazer'.
Neste momento histórico em que os acontecimentos sucedem-se com uma rapidez extraordinária, o limite para a aplicação das novas descobertas não é mais técnico; o limite é ético. Nas futuras democracias do milênio recém-iniciado, as maiorias populacionais deverão responsabilizar-se por incluir também as minorias no contexto das decisões, em vez de excluí-las.
O controle da aplicação de novas tecnologias deverá ser social no sentido mais amplo e plural da expressão, tendo como base de apoio, de acordo com Karl Otto Apel, uma macroética da responsabilidade solidária a partir da construção de novas formas de um verdadeiro pluralismo participativo. Ou como ensinou Kicker: "A decisão precisa ser a que dê o maior benefício para o maior número de pessoas".
*Artigo publicado na Gazeta
Mercantil, de 24/4/2003
** Professor da Universidade de Brasília (UnB) e presidente da Sociedade
Brasileira de Bioética