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Nº 1413 - Ano 29 - 23.10.2003


O alfabeto como direito

O título acima pode hoje ser lido por centenas de pessoas carentes graças ao empenho de uma professora da UFMG

Maurício Guilherme Silva Júnior

uando aluna da primeira série, ela não conseguia absorver o que lhe era ensinado. Muito complicado, o método de seus professores baseava-se em apresentar textos maiores aos alunos e só depois fazê-los compreender a divisão silábica. Para aprender a ler, Gladys Rocha contou, na verdade, com o auxílio dos irmãos mais velhos, que, pacientes, revelaram à garota o universo das letras.

Com o passar dos anos, a mesma dedicação recebida da família foi transmitida pela filha caçula a centenas de jovens e adultos de regiões diversas de Minas Gerais, e até de outros estados. Hoje professora do Centro Pedagógico (CP) da UFMG, e pesquisadora do Centro de Alfabetização e Leitura (Ceale) da Faculdade de Educação, Gladys coordena três projetos de alfabetização na Universidade, além de prestar assessoria a iniciativas similares, como o Educar, da Prefeitura de Belo Horizonte.

Como boa parte dos acontecimentos de sua vida, o ofício de alfabetizar não estava nas previsões de Gladys. Seu trabalho como professora começou no ensino fundamental, quando, ainda estudante de 8a série, dava aulas particulares para alunos da quarta série. Anos mais tarde, apesar de iniciar o magistério, a educadora interrompe os estudos por questões pessoais. O casamento e o nascimento dos filhos fazem com que só consiga concluir o segundo grau em regime de suplência. Antes de tornar-se estudante de Pedagogia na UFMG, cursa alguns períodos de História na PUC de Minas. À época, aliás, ingressa em sua segunda experiência como professora e passa a dar aulas na periferia de Belo Horizonte.

A atividade a fez enxergar que havia algo errado nos métodos de alfabetização vigentes. "O ensino se pautava, exclusivamente, pela memorização, o que me incomodava", conta a professora. Em 1989, ingressa na UFMG, onde, além da graduação, toma contato com a produção científica da área educacional, culminando, em 1993, com a defesa de sua dissertação de mestrado. Orientada pela professora Magda Becker Soares, Gladys investiga a apropriação de habilidades textuais pelas crianças.

Caminhos e escolhas

Depois de aprovada no concurso do Centro Pedagógico da UFMG, a professora passa a trabalhar definitivamente com alfabetização. Em seu próprio mestrado, Gladys já busca solução para uma série de inquietações educacionais, identificadas na prática com seus alunos do CP. Terminada a pós-graduação, em 1995, surgem convites para projetos de alfabetização de pessoas de diferentes idades. A pesquisadora começa, assim, a coordenar o primeiro segmento - de 1a a 4a séries - do projeto Ensino fundamental de jovens e adultos da UFMG.

Em 1998, surge a oportunidade de coordenar também as ações da Universidade junto ao projeto Alfabetização Solidária, idealizado pela antropóloga e ex-primeira dama Ruth Cardoso. Inicialmente, a UFMG desenvolvia projetos em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, e Mata Grande e Maravilha, no sertão alagoano. "À época, realizamos cursos para capacitação de professores, que retornavam a seus municípios e ensinavam as pessoas a ler", relembra Gladys. Atualmente, as atividades da UFMG acontecem apenas em Minas Gerais.

A professora também é responsável pela coordenação do Programa de alfabetização e formação profissional no Vale do Jequitinhonha. Tal iniciativa, que reúne o Ceale, a Pró-Reitoria de Extensão e o CP, contempla nada menos que 88 turmas de cerca de 20 pessoas, moradoras de dez diferentes municípios do Vale. "Nessas cidades, há demanda por orientação continuada. Trabalharemos diretamente com os alfabetizadores", diz Gladys, que é doutoranda na FaE, novamente sob orientação de Magda Soares.

Em 1999, Gladys Rocha escreveu e publicou o livro Alfabetização, destinado ao público infantil, e que integra a coleção Português - uma proposta para o letramento, de Magda Soares. Recentemente, a obra, lançada pela Editora Moderna, foi incluída no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Até setembro, já haviam sido vendidos 160 mil exemplares do livro, apenas em escolas públicas.