O alfabeto como direito
O título acima pode hoje ser lido por centenas de pessoas carentes
graças ao empenho de uma professora da UFMG
Maurício Guilherme Silva Júnior
uando
aluna da primeira série, ela não conseguia absorver o que lhe
era ensinado. Muito complicado, o método de seus professores baseava-se
em apresentar textos maiores aos alunos e só depois fazê-los
compreender a divisão silábica. Para aprender a ler, Gladys
Rocha contou, na verdade, com o auxílio dos irmãos mais velhos,
que, pacientes, revelaram à garota o universo das letras.
Com o passar dos anos, a mesma dedicação recebida
da família foi transmitida pela filha caçula a centenas de jovens
e adultos de regiões diversas de Minas Gerais, e até de outros
estados. Hoje professora do Centro Pedagógico (CP) da UFMG, e pesquisadora
do Centro de Alfabetização e Leitura (Ceale) da Faculdade de
Educação, Gladys coordena três projetos de alfabetização
na Universidade, além de prestar assessoria a iniciativas similares,
como o Educar, da Prefeitura de Belo Horizonte.
Como boa parte
dos acontecimentos de sua vida, o ofício de alfabetizar não
estava nas previsões de Gladys. Seu trabalho como professora começou
no ensino fundamental, quando, ainda estudante de 8a série,
dava aulas particulares para alunos da quarta série. Anos mais tarde,
apesar de iniciar o magistério, a educadora interrompe os estudos por
questões pessoais. O casamento e o nascimento dos filhos fazem com
que só consiga concluir o segundo grau em regime de suplência.
Antes de tornar-se estudante de Pedagogia na UFMG, cursa alguns períodos
de História na PUC de Minas. À época, aliás, ingressa
em sua segunda experiência como professora e passa a dar aulas na periferia
de Belo Horizonte.
A atividade a fez enxergar que havia algo errado nos métodos
de alfabetização vigentes. "O ensino se pautava, exclusivamente,
pela memorização, o que me incomodava", conta a professora.
Em 1989, ingressa na UFMG, onde, além da graduação, toma
contato com a produção científica da área educacional,
culminando, em 1993, com a defesa de sua dissertação de mestrado.
Orientada pela professora Magda Becker Soares, Gladys investiga a apropriação
de habilidades textuais pelas crianças.
Caminhos e escolhas
Depois de aprovada no concurso do Centro Pedagógico
da UFMG, a professora passa a trabalhar definitivamente com alfabetização.
Em seu próprio mestrado, Gladys já busca solução
para uma série de inquietações educacionais, identificadas
na prática com seus alunos do CP. Terminada a pós-graduação,
em 1995, surgem convites para projetos de alfabetização de pessoas
de diferentes idades. A pesquisadora começa, assim, a coordenar o primeiro
segmento - de 1a a 4a séries -
do projeto Ensino fundamental de jovens e adultos da UFMG.
Em 1998, surge a oportunidade de coordenar também
as ações da Universidade junto ao projeto Alfabetização
Solidária, idealizado pela antropóloga e ex-primeira dama
Ruth Cardoso. Inicialmente, a UFMG desenvolvia projetos em Araçuaí,
no Vale do Jequitinhonha, e Mata Grande e Maravilha, no sertão alagoano.
"À época, realizamos cursos para capacitação
de professores, que retornavam a seus municípios e ensinavam as pessoas
a ler", relembra Gladys. Atualmente, as atividades da UFMG acontecem
apenas em Minas Gerais.
A professora também é responsável pela
coordenação do Programa de alfabetização e
formação profissional no Vale do Jequitinhonha. Tal iniciativa,
que reúne o Ceale, a Pró-Reitoria de Extensão e o CP,
contempla nada menos que 88 turmas de cerca de 20 pessoas, moradoras de dez
diferentes municípios do Vale. "Nessas cidades, há demanda
por orientação continuada. Trabalharemos diretamente com os
alfabetizadores", diz Gladys, que é doutoranda na FaE, novamente
sob orientação de Magda Soares.
Em 1999, Gladys Rocha escreveu e publicou o livro Alfabetização,
destinado ao público infantil, e que integra a coleção
Português - uma proposta para o letramento, de Magda Soares.
Recentemente, a obra, lançada pela Editora Moderna, foi incluída
no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Até setembro,
já haviam sido vendidos 160 mil exemplares do livro, apenas em escolas
públicas.