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Nº 1413 - Ano 29 - 23.10.2003

 

 

Universidade: problema ou solução?

José Fernandes de Lima*

os últimos anos, a procura pelo ensino superior tem aumentado significativamente em todas as partes do mundo, o que se deve a uma série de fatores. Um deles é o fato de o mercado de trabalho tornar-se cada dia mais competitivo, exigindo mão-de-obra mais qualificada. E, se o mercado exige, as pessoas vêem-se na obrigação de procurar o ensino superior como forma de atingir essa qualificação. Também é importante observar que o diploma universitário é uma das formas mais eficientes de ascensão social.

Além disso, o próprio desenvolvimento humano impõe a aquisição do conhecimento como necessidade básica. Outro aspecto é o reconhecimento da sociedade a quem tem esse tipo de formação. Uma pessoa com diploma tem status e prestígio social. Em muitos países, as populações são estimuladas a procurar a universidade porque seus governantes entendem não ser possível construir uma nação independente e soberana sem pessoas qualificadas para tocar a máquina estatal e o setor produtivo.

Todos esses fatores estimulam a procura por vagas nas universidades. Por conta disso, estamos sendo forçados a repensar o ensino superior. Quando a universidade era reduto de uma minoria da minoria não havia problema. Não se questionava o financiamento, porque os indivíduos que estudavam lá eram os filhos da elite que definia os orçamentos; não se questionava a relevância, porque estava decidido que o ensino superior era o lugar da elite. A ampliação do acesso, ainda que seja tímida e vise apenas a facilitar o acesso da classe média, traz consigo alguns complicadores: ameaça a relação de poder e põe na ordem do dia a questão do financiamento e, junto com ela, questões como qualidade, avaliação, tamanho e complexidade do sistema.

Em relação ao financiamento, os países desenvolvidos decidiram investir pesadamente no ensino superior. Criaram universidades, diversificaram o sistema, ampliaram o número de vagas, facilitaram a vida dos estudantes com bolsas de estudo. Em determinados países, existe ampla discussão sobre a universalização do acesso ao ensino supe-rior. Isso revela que tais países querem garantir o acesso ao ensino superior a quem assim o desejar. Os países não são motivados apenas pelo interesse pes-soal, mas, sobretudo, pelo interesse de contar com uma massa qualificada de pessoas capazes de produzir progresso econômico e social.

Os países desenvolvidos estão convencidos de que não é possível crescer, distribuir renda, melhorar a qualidade de vida se não tiverem grande contingente de pessoas no ensino superior. Além disso, há a consciência de que o próprio acesso ao ensino superior já é um mecanismo de mobilidade, inclusão e redução das desigualdades sociais.

Ao transportarmos essas questões para países em desenvolvimento e/ou subdesenvolvidos, começamos a ter problemas porque os governos dessas nações enfrentam uma série de carências. Possuem grandes contingentes de analfabetos, excluídos, sem direito à saúde, educação, moradia; têm dificuldades de produzir tecnologia, acompanhar o desenvolvimento dos países desenvolvidos e assim por diante. Diante da falta de recursos para cobrir todas essas necessidades, os dirigentes desses países acabam priorizando determinadas ações. Quando procuram as assessorias das di reções de agentes financiadores internacionais, como Banco Mundial e FMI, os governantes, de modo geral, sugerem que sejam priorizados os ensinos fundamental e médio e chegam a insinuar que, face a tantas carências, o ensino superior é luxo.

Diante da crônica falta de recursos, as pessoas estabelecem uma oposição entre investir no ensino fundamental ou no superior, entre construir moradias ou injetar recursos na pesquisa e no desenvolvimento científico e tecnológico. Dessa forma, parece que a universidade constitui-se num problema, porque requer financiamento público, além de concorrer com questões aparentemente mais imediatas.

Trata-se de uma visão equivocada. É impossível atacar o problema da alfabetização se não tivermos uma universidade pública capaz de formar bem os seus professores, de produzir metodologias de ensino e de realizar pesquisas para avaliar o processo de alfabetização da população. Também não implantaremos grandes programas de saúde sem desenvolver uma pesquisa estatística que detecte se eles estão sendo bem executados ou não. Tampouco avançaremos se não dispusermos de hospitais universitários preparados para pesquisar metodologias mais baratas, eficientes e fáceis de serem levadas à população. Como pensar a questão da moradia sem criar tecnologias de construção viáveis dos pontos de vista econômico e ambiental?

Para alcançarmos um grau elevado de desenvolvimento, não há como prescindir de universidades eficientes e qualificadas. Olhando por esse ângulo, as universidades deixam de ser problema e passam a ser solução.

*Reitor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e vice-presidente da Andifes
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