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Nº 1425 - Ano 30- 05.2.2004


/James Lynch

Crime se combate com participação

Patrícia Azevedo

m dos maiores especialistas norte-americanos em estudos sobre segurança e criminalidade, o sociólogo James Lynch esteve na UFMG em janeiro como convidado da cátedra Violência, Criminalidade e Políticas Públicas, implementada pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT). Lynch reuniu-se com pesquisadores mineiros para debater o tema e realizou uma conferência aberta ao público no dia 22 de janeiro. Pouco antes de retornar aos Estados Unidos, ele concedeu entrevista ao BOLETIM, na qual elogia o trabalho de análise geográfica do crime realizado pelo Crisp e defende a participação popular e o controle social como estratégias de combate à violência.

Como a abordagem transdisciplinar pode iluminar o debate sobre a segurança?

Nos Estados Unidos, a transdisciplinaridade é utilizada intensamente para analisar questões sociológicas, mas parece não ter se estendido para outras áreas. Lá, a sociologia praticamente domina o emprego da metodologia transdisciplinar, a psicologia usa um pouco e a área tecnológica não se vale desta perspectiva. Notei que a UFMG procura trabalhar nessa linha. Aqui a área de estatística fornece meios para analisar e armazenar dados sobre o crime. O suporte de especialistas em estatísticas é muito importante para os sociólogos, que nem sempre estão familiarizados com a tabulação de dados e organização de informações.


Seus estudos não se restringem aos dados fornecidos pela polícia. O senhor também costuma estudar as vítimas e até as motivações que as levam a denunciar ou não as violências que sofrem. Como essa vertente pode ajudar a polícia a combater o crime?

Nunca saberemos ao certo o número de crimes que ocorrem, mas quanto mais conhecimentos, melhor para quem trabalha para elucidá-los ou até evitá-los. Por isso, as vítimas são importantes no processo de mensurar e compreender a violência. A vítima vê coisas que a polícia não vê; a polícia não sabe, por exemplo, o que ocorreu antes dos crimes, qual o contexto. São informações que podem ajudar a descobrir porque o crime ocorreu, porque vitimou aquela pessoa e porque ocorreu daquela maneira. Além do mais, a polícia não compreende o crime em sua plenitude, pois tem interesse de divulgar um retrato particular da realidade. Nos Estados Unidos, é comum a polícia passar a impressão de que o crime está diminuindo. Mas nos levantamentos em que as vítimas são ouvidas, o índice de criminalidade chega a ser duas vezes maior. Por isso, é fundamental escutar várias partes, as histórias, analisar as diferenças e descobrir a linha do acontecimento. E não são muitas as cidades que utilizam esse método. Belo Horizonte está em vantagem, porque o Crisp trabalha nessa linha.

Por falar em Crisp, como o senhor avalia o trabalho da UFMG nessa área de estudos sobre a criminalidade?

Uma das coisas que mais me impressiona é a análise geográfica do crime feita pelo Crisp e que muitas cidades nos Estados Unidos ainda não adotaram. Trata-se de uma ferramenta muito útil para esclarecer a natureza do crime. Os softwares desenvolvidos pela área de estatística e utilizados pelo Crisp para tratar os dados tornam o trabalho mais rápido e poupam energia. Muito se fala em utilizar aqui o que é desenvolvido fora, mas o Crisp também possui linhas de trabalho que podem ser replicadas para algumas cidades dos Estados Unidos.


O que acha do programa Tolerância Zero adotado em Nova Iorque?

Muitas pesquisas divergem sobre a eficiência do Tolerância Zero. É um programa em que polícia combate crimes pequenos de forma muito severa. Também não dá para precisar se a queda na criminalidade nos Estados Unidos foi mérito do programa ou efeito da participação pública e do controle social, que também aumentaram. Tudo pode ter colaborado e é isso que tentamos descobrir. A queda da criminalidade me parece muito mais produto de uma combinação de fatores - alguns planejados e implementados - e outros quase naturais. Tanto que houve redução de crimes em cidades que não adotaram o programa. Boston, por exemplo, utiliza uma metodologia de atuação muito diferente da de Nova Iorque, e a criminalidade caiu. O mesmo aconteceu em cidades que não fizeram nada de especial para atacar o crime.


Modelos de segurança podem ser transplantados para outros lugares?

É uma pergunta de difícil resposta. Os riscos aqui são diferentes dos perigos nos Estados Unidos. É essa diferença que o Crisp tenta descobrir: como os programas dos Estados Unidos podem ser usados aqui e de que forma precisam ser modificados. Há diferenças, mas também há similaridades: as pessoas vivem, trabalham, têm filhos, saem de casa, então alguma coisa pode ser aproveitada. De qualquer forma, seria muito simplista dizer que essa transferência é possível.


É possível devolver a sensação de segurança a uma população acostumada a ver e a sofrer com a violência cotidiana?

Creio que a mobilização que as pessoas tentam, por exemplo, fazer aqui em Belo Horizonte, estimulando a participação popular, é muito melhor do que a simples repressão. Por outro lado, há o problema da intimidação das gangues e dos líderes do crime, e isso cria uma relação fundamentada no medo e no silêncio. Quebrar esse processo é o grande desafio. É necessário que haja programas cooperativos entre a Universidade, a sociedade, o governo e a polícia. Até hoje tentamos compreender porque o crime diminuiu tanto e tão rápido nos Estados Unidos. Só resta saber que meios o Brasil vai encontrar para fazer o mesmo.