Busca no site da UFMG




Nº 1425 - Ano 30 - 05.2.2004

 

A educadora visionária

Professora da UFMG resgata trajetória de Helena Antipoff

ara ela, atividades manuais e intelectuais deveriam contar com o mesmo prestígio nas instituições de ensino. De sua origem na antiga Rússia, onde até mesmo grandes autoridades dominavam ofícios mecânicos, trouxera para o Brasil a idéia de educação como um misto - enriquecedor - de teoria e prática. Além disso, quando a psicanálise ainda dava os primeiros passos, a educadora Helena Antipoff (1892-1974) já enxergava a psicologia como importante aliada dos processos educacionais. Em sua visão, os bons professores precisavam conhecer melhor as necessidades de cada criança.

O perfil visionário de Antipoff a transformou numa das figuras centrais da história da educação no Brasil. Sua trajetória profissional e intelectual aparece no artigo Helena Antipoff: razão e sensibilidade na psicologia e na educação, publicado em dezembro, pela professora Regina Helena de Freitas Campos, da Faculdade de Educação, na 49ª edição da revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo (USP). O texto foi escrito a pedido do editor da publicação, o professor Alfredo Bosi, que recentemente assumiu a cadeira antes ocupada pelo mineiro Abgar Renault na Academia Brasileira de Letras (ABL). Na ocasião, Bosi recordou-se de alguns dos trabalhos da educadora, realizados nos anos 40 a pedido de Renault, então Secretário de Educação de Minas Gerais.

A edição 49 da publicação gira em torno do tema Mulher, mulheres. Além de tratarem a questão feminina na atual realidade política, cultural e socioeconômica mundial, os textos abordam a vida e obra de personagens importantes para a emancipação feminina em diversas áreas. Há, ainda, um minidossiê com respostas à questão Que fazer para gerar empregos no Brasil?, escrito por vários autores.


Trajetória

Natural de Grodno, na Rússia, Helena Antipoff foi educada em ambiente intelectualizado. Filha de família aristocrata, logo aos 16 anos muda-se para a capital francesa em companhia da mãe, que, além de dar aulas de russo, desejava viver em um centro cultural mais avançado. Na Paris do início do século, a futura educadora passa a trabalhar na Sorbonne. Apesar disso, torna-se psicóloga pela Universidade de Genebra, no ano de 1912. "À época, ela já demonstra muito gosto pela área de psicologia da educação", conta a professora Regina Helena Freitas.

No início do século 20, poucos eram os especialistas em estudos psicológicos. À época, Antipoff torna-se assistente de Edouard Claparède, um dos papas da área, no Instituto de Ciências da Educação Jean Jacques Rousseau, em Genebra. Lá, entra em contato com figuras muito influentes, entre os quais o ainda jovem Jean Piaget, que exercia a mesma função da educadora. "Os pesquisadores do Instituto viam a psicologia como importante aliada da educação. Eles desejavam conhecer o comportamento das crianças, pois os princípios pedagógicos deveriam centrar-se nos alunos", explica a professora.

De Genebra, Helena Antipoff retorna à Rússia com o intuito de cuidar de seu pai, ferido em decorrência da Revolução de 1917, que pusera fim ao regime czarista. A educadora permanece no país ainda por vários anos, motivada, inclusive, pela vontade de ajudar a reconstruir sua nação. No período, casa-se, tem um filho e escreve artigos importantes sobre desenvolvimento comportamental de crianças abandonadas. "Ela procura compreender o que acarreta diferença no desenvolvimento das crianças. Suas idéias, bastante modernas, tratam da influência da cultura sobre o universo infantil", diz Regina Helena de Freitas.

Na segunda metade dos anos 20, Antipoff retorna a Genebra, onde volta a trabalhar com Claparède. Na mesma época, no Brasil, havia uma série de discussões acerca de mudanças no sistema educacional. Em 1929, a educadora pisa em terras brasileiras justamente com a meta de pôr seu know-how a serviço do governo mineiro. O então presidente do estado, Antônio Carlos, acabara de fundar a Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Minas Gerais. "Ao chegar, ela se apaixona pelo Brasil, tido em seu conceito como um país extremamente pacífico", afirma Regina Helena.

Nas Minas Gerais, Helena Antipoff estuda o comportamento da criança mineira e dá aulas na então Universidade de Minas Gerais, hoje UFMG. A psicóloga envolve-se com a fundação de estabelecimentos de ensino, entre os quais o Instituto de Educação Superior Rural e a Sociedade de Defesa e Promoção das Crianças Carentes, a Sociedade Pestallozzi. Em 1940, monta uma escola para crianças excepcionais no meio rural. O termo "excepcionais", inclusive, foi cunhado pela própria Antipoff, que não as considerava incapacitadas, mas carentes de cuidados especiais.

Com apoio de professores e religiosos, compra a fazenda do Rosário, em Ibirité, onde hoje funciona um complexo educacional. "Ela queria montar uma cidade rural e mostrar a todos como deveriam ser as escolas populares no Brasil", completa Regina Helena de Freitas. Naturalizada brasileira, Helena Antipoff morre em 1974, na fazenda, no estado e no país que elegeu para dedicar-se ao que mais sabia: ensinar práticas democráticas de ensino.´

Memorial

O ensaio publicado pela professora Regina Helena de Freitas integra uma série de ações do projeto Memorial Helena Antipoff, mantido pela UFMG, Fapemig e CNPq, com apoio do departamento de Psicologia da Fafich. Além de uma sala especial na Biblioteca Universitária, que leva o nome da educadora, a iniciativa resgata a trajetória e as idéias de Antipoff através de trabalhos e pesquisas acadêmicas.