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Nº 1468 - Ano 31 - 13.1.2005


Do bule para o tanque

UFMG pesquisa café como matéria-prima para obtenção do biodiesel

Ana Maria Vieira

maturos, negros e ardidos não entram. O que parece uma regra formulada pelo preconceito nada mais é que o padrão de qualidade estabelecido para o aproveitamento de grãos no beneficiamento do café tipo exportação. Classificados como defeituosos, sua incidência chega a representar 20% das colheitas e, freqüentemente, é possível encontrá-los misturados aos grãos sadios para venda no mercado interno. A receita não é boa e resulta numa bebida de pior qualidade. Mas um novo destino está sendo traçado para esses grãos: por sugestão do Sindicato das Indústrias do Café de Minas Gerais (Sindcafé), professores da Escola de Engenharia iniciaram pesquisa sobre a viabilidade de seu aproveitamento para a produção de biodiesel*.

Os estudos são financiados pela Fapemig, que aprovou, em 2003, a ­liberação de R$ 30 mil. O valor destina-se ao custeio de pequena escala de ­trabalho em laboratório, informa uma das coordenadoras da pesquisa, a professora Adriana Silva França, do departamento de Engenharia Química. O trabalho consiste em realizar a extração do óleo, isolar impurezas e verificar a viabilidade de seu uso para a produção do combustível. O método vale-se de solventes, indicado para sementes de baixo teor de óleo, como as do café.

Estima-se que, de cada 100 quilogramas de café, é possível obter 12 quilogramas de óleo. Apesar de produzir pouco óleo – a soja fornece 20% e o babaçu 60% de sua massa –, o café possui vantagens em relação a outras oleaginosas, sobretudo devido ao volume de sua produção e ao custo reduzido do processo de aproveitamento dos grãos defeituosos, cuja separação já ocorre no beneficiamento convencional.

Rede organizada

O fato de o café ser uma cultura consolidada, que conta com ampla rede de agricultores e empresários organizados, é outro fator importante para o aproveitamento dos grãos como combustível biodegradável. Diversificar o destino dos grãos também interessa aos cafeicultores devido à queda sistemática dos preços do café no mercado internacional nas últimas décadas.

A utilização de grãos de culturas regionais poderia ser o caminho mais curto para o Brasil obter sucesso na produção de matérias-primas para o biodiesel, avalia o professor Leandro Soares de Oliveira, do departamento de Engenharia Química que, junto a Adriana França, coordena a pesquisa na área. Ele observa que a instalação de unidades regionais de produção de biodiesel utilizando oleaginosas locais, além de reduzir custos, permitiria gerar novos empregos e facilitaria o escoamento do produto para a própria comunidade. Minas Gerais responde por quase metade da produção nacional de café, e o Brasil é o líder mundial. Só em 2004, o país colheu cerca de 2,15 milhões de toneladas de grãos estima-se que 430 mil defeituosos, o que daria para extrair 41,24 mil toneladas de óleo para biodesel.

O consumo de diesel no Brasil chega a 40 bilhões de litros ao ano. “Com a regulamentação, que autoriza a mistura de 2% do biocombustível ao diesel, o mer-cado precisará produzir 800 milhões de litros de biodiesel ao ano”, calcula o professor Inácio Loiola Campos, do departamento de En-genharia Nuclear da Escola de Engenharia.

De acordo com Leandro de Oliveira, o aproveitamento de grãos de culturas regionais como matéria-prima de combustíveis pode ajudar a fortalecer uma mentalidade de pesquisa em biodiesel no país. Além dos centros de pesquisa da Petrobras e do Cetec, que desenvolveram tecnologia na área, há, segundo o professor, dois grandes grupos sediados na USP e UFRJ, que estudam biocombustíveis a partir de diversas fontes.

“As competências estão sendo formadas”, analisa Oliveira, que participa da estruturação do laboratório de biodiesel na Escola de Engenharia e de novo grupo de pesquisa na UFMG sobre biocombustível, ao lado de Adriana França, Inácio Loiola e Ramón Molina, este do departamento de Engenharia Mecânica. O objetivo é expandir a pesquisa com diversas matérias-primas e desenvolver projeto para implantação, na Universidade, de unidade de produção de biocombustíveis.

Sobre a importância da pesquisa na área, Inácio Loiola lembra que o peso do petróleo e da eletricidade de origem hidráulica é muito alto na matriz energética do Brasil. “Se houver nova crise, o país poderá amargar graves conseqüências”, prevê o professor. Loiola desenvolve tese de doutorado em que compara o combustível fóssil ao biodiesel obtido a partir de várias oleaginosas. As variáveis analisadas são emissão de poluentes, desempenho do motor e oxidação do biodiesel, freqüente 90 dias após sua produção. Quando isso ocorre, ele tem suas características alteradas e pode causar danos ao motor e ao meio ambiente.

Derivado de óleos vegetais ou de gorduras animais, é um combustível para motores a combustão interna com ignição por compressão, renovável e biodegradável, capaz de substituir parcial ou totalmente o óleo diesel de origem fóssil. Ele permite reduzir, drasticamente, a emissão de poluentes na atmosfera. A indústria automobilística já possui cronograma para converter motores de carro de passeio para diesel, o que aumentará sua vida útil e o consumo de biodiesel no país.

Legenda foto: Adriana França, da equipe que pesquisa o biodiesel na UFMG
Foto: Foca Lisboa