Busca no site da UFMG




Nº 1468 - Ano 31 - 13.1.2005

/ Iván Izquierdo

Elitista, no bom sentido

Maurício Guilherme Silva Jr.


ascido na Argentina e naturalizado brasileiro em 1981, ele pesquisa os intrincados mecanismos da memória no cérebro humano. Considerado um dos mais maiores – senão o maior – cientistas do país na atualidade, o professor Iván Izquierdo, da PUC do Rio Grande do Sul, esteve na UFMG em dezembro para proferir, no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), a conferência Contribuições da Farmacologia para algumas questões básicas sobre memória. Em entrevista ao BOLETIM, o pesquisador comentou o atual cenário científico brasileiro, falou da contribuição de seus estudos e do prazer de escrever ficção.

Como o senhor analisa o atual panorama da ciência brasileira?


Izquierdo compartilha o sonho de Bolivar

Estamos em estágio muito superior ao de 20 anos atrás. A mudança começou a ocorrer por volta de 1986, fruto da ação de pessoas como Crodowaldo Pavan, então presidente do CNPq. À época, começamos a criar o atual sistema científico e tecnológico do país, tentando, primeiramente, angariar recursos. Naquele período, criamos o sistema de bolsas, que cresceu muito ao longo dos anos e, de tão bem planejado, sobreviveu até mesmo à catástrofe do governo Collor. Na década de 80, praticamente todos os pesquisadores de pós-graduação no Brasil eram bolsistas. O sistema multiplicou o número de cientistas. Com o crescimento das bolsas, os pesquisadores passaram a fazer pós-doutorado, alguns nos Estados Unidos e na Europa, outros no Brasil. Hoje, o número de laboratórios é muito superior ao registrado no início da década de 80. Temos uma massa de cientistas, ainda insuficiente, mas que cresceu muito mais do que a população ou a economia. O sistema, no entanto, começou a sofrer os efeitos do próprio crescimento. A verba não aumentou proporcionalmente ao número de cientistas em atividade. Temos mais pesquisadores que bolsas. Ainda assim, é expressivo o crescimento de publicações científicas feitas no Brasil e, mais ainda, o número de vezes em que essas publicações são citadas por outros autores no exterior.

A ciência brasileira está, então, no rumo certo?
A ciência brasileira caminha na direção da excelência e essa rota deve ser mantida. Algumas correntes reclamam que o sistema orientado para o apoio aos melhores é elitista. Admito que é uma política elitista, mas no bom sentido do termo. Podemos montar uma seleção brasileira de futebol sem critério elitista? Se assim o fizermos, teremos um time fraco. Em situações como esta, não se pode, entre aspas, democratizar. Temos que ir em busca dos melhores.

Para muitos, apesar de nascido na Argentina, o senhor é o melhor cientista brasileiro da atualidade. Como lida com a dupla nacionalidade?
Naturalizei-me brasileiro em 1981. Mas, na Argentina, não perdemos a nacionalidade. Meu atual trabalho conta com a colaboração de um grande grupo de argentinos. Recentemente, estive na Argentina para tratar de assunto que, de certa forma, é um dos sonhos da minha vida. Em novembro, foi concretizado o maior convênio científico já celebrado entre Brasil e Argentina. A partir deste ano, haverá grande intercâmbio científico entre os dois países. Na verdade, acredito na nacionalidade latinoamericana. Ainda chegará o dia da unificação entre as nações da América Latina. Seremos um grande país, como sonharam San Martin e Simon Bolivar.

Em que medida suas pesquisas contribuíram para a compreensão dos mecanismos de atuação da memória?
Em meu laboratório, estudamos os mecanismos bioquímicos das áreas nervosas envolvidas na formação da memória e, mais tarde, da formação de memórias em paralelo, da evocação e da extinção da memória. Pesquisamos também a memória do medo, que é bastante prejudicial na vida diária de muitas pessoas, e como torná-la menos influente no cotidiano.

Como estudos nessa linha auxiliam o tratamento de doenças degenerativas, como o Mal de Alzheimer?
Só poderemos curar o Mal de Alzheimer quando soubermos os mecanismos da doença, que tem sido investigados em colaboração com o professor Marco Antônio Prado, da UFMG. A cura será difícil, pois a doença degenerativa mata os neurônios, que se reproduzem em algunas partes do cérebro, mas a uma velocidade muito baixa. Além disso, eles são incapazes de repor as perdas ocorridas. A grande expectativa, agora, está nas células-tronco. Já é possível usar as células da própria pessoa, introduzindo-as, por exemplo, em áreas já afetadas no cérebro ou no coração. Em São Paulo, um grupo de pesquisadores tem conseguido recuperar pessoas com infarto no miocárdio. Em termos de reabilitação cerebral, há trabalhos fantásticos, como o da pesquisadora Rosália Mendes-Otero. Uma de suas pacientes perdeu a mobilidade do lado direito. Tiraram células-tronco da mulher e as reinjetaram na articulação. As células foram parar em áreas afetadas do cérebro. Em poucos dias, ela havia recuperado o movimento do lado direito do corpo.

O senhor escreve livros de contos. Como é o contato do cientista Iván Izquierdo com a literatura?
A linguagem científica é um pouco mais árida, requer termos técnicos. Na literatura, não. Cada palavra e cada frase tem personalidade própria. Nos contos, os personagens assumem personalidade fantástica. Depois de certo momento, eles guiam o escritor para onde querem. Quanto a meu objeto de estudo, posso dizer que na obra de todos os literatos, a memória é uma das matérias-primas. Sempre utilizamos aquilo de que lembramos ou lemos. Além disso, no cultivo da forma, ou do som da palavra, a memória aparece o tempo todo.