Busca no site da UFMG




Nº 1472 - Ano 31 - 17.2.2005


UFMG e Arquivo Público abrem
"caixa preta" da repressão

Documentos reunidos pelo Dops mineiro
já podem ser consultados pela população

Andréa Hespanha



Monitores do curso de História da Fafich
organizam o acervo do Dops
Foto: Eber Faioli


inte anos após o fim da ditadura militar e o início da redemocra-tização do Brasil, muito pouco se sabe sobre os métodos obscuros de investigação e repressão aos "subversivos". Mas pesquisadores e cidadãos que tiveram seus direitos violados pelo regime acabam de ganhar um grande aliado nesta cruzada pelo esclarecimento do passado.

O departamento de História da UFMG, por meio do Projeto República, e o Arquivo Público Mineiro concluíram a primeira etapa do trabalho de organização do acervo do extinto Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais (Dops/MG). O Arquivo já disponibiliza para consulta pública 30% do total de documentos acumulados pela chamada polícia política, que vigiava cada passo dos opositores do regime militar.

Iniciado em 2002, com financiamento da Fapemig e do CNPq, o trabalho é coordenado pelo professor Rodrigo Patto Sá Motta e realizado por alunos-bolsistas. Os documentos, entregues pela Secretaria de Segurança Pública ao Arquivo Público Mineiro em microfilmes, foram digitalizados e gravados em CDs e fitas de preservação. Em seguida, foi criado um banco de dados para abrigar o acervo, já disponível em instrumento eletrônico de pesquisa.

Segundo o coordenador, 98 rolos de microfilmes foram transformados em 227 mil imagens digitalizadas. "Apesar das dificuldades impostas pelo suporte da documentação, já que os originais foram incinerados, e pela ausência de uma organização original, foi executado um trabalho pioneiro de descrição de documentos em meio digital", afirma Rodrigo Patto.

Perfil do acervo

No material do Dops estão dossiês de presos políticos, pedidos de busca e de informações sobre pessoas ligadas a qualquer tipo de manifestação contrária ao regime; relatórios de atividades públicas realizadas em Minas, como eleições, greves, apresentações teatrais, festas tradicionais, visitas de autoridades políticas ou de representantes do governo; panfletos de partidos políticos e de universidades. "Também fazem parte do acervo microfilmado recortes de jornais, mapas demonstrativos de venda de armas e munições, informações sobre movimentos na área rural, mandados de prisão, autos de apreensão de livros, armas e outros objetos, relatórios de investigação, depoimentos e análises periciais", completa Rodrigo Patto.

Para o coordenador do projeto, a realização do trabalho, que deverá ser finalizado no segundo semestre deste ano, é de grande importância para a sociedade brasileira. "Com a investigação do material, acumulado pela polícia mineira entre os anos de 1929 e 1979, podemos entender melhor a história política do nosso país e dos partidos políticos, principalmente os de esquerda mais radicais", aponta o professor. Ele acrescenta que a abertura dos documentos fortalece a democracia. "Há 20 anos, ninguém poderia imaginar que um arquivo policial com esse teor fosse aberto à consulta de qualquer cidadão. Por meio desses documentos ficará mais fácil reparar as perdas de pessoas perseguidas durante o regime militar", analisa Rodrigo Patto.

República e autoritarismo

Os pesquisadores do Projeto República, que coordenaram o trabalho de preparação do acervo do Dops para consulta pública, buscam refletir sobre as dinâmicas e limitações do sistema republicano no Brasil. "Estudamos várias frentes, como a música e, no caso dessa atividade de documentação do arquivo do Dops, o autoritarismo republicano, que sempre teve presença marcante na história da República brasileira", conta o professor. Patto afirma que a atuação da polícia política do Estado é um dos principais desdobramentos da república autoritária, daí a importância desses documentos como fonte de estudo e pesquisa.

O projeto integra linha de pesquisa do Departamento, História e cultura políticas , reunindo trabalhos de graduação e pós-graduação, cujos estudos versam sobre a relação entre política e cultura. "Essa linha pretende discutir os impactos da cultura, da tradição e dos valores na vida política das sociedades, as influências da dinâmica culturais sobre a estrutura e pensamento políticos", explica o professor Rodrigo Patto.

O pesquisador salienta a importância acadêmica desse trabalho de arquivamento do acervo do Dops para os alunos bolsistas. "A leitura e organização dos documentos ajudam a preparar os estudantes para lidar com acervos históricos raros, além de ser fonte de estudo para futuros pesquisadores", diz Rodrigo Patto. Segundo ele, os alunos da pós-graduação que participam das atividades valem-se de tais documentos para embasar projetos de pesquisa que compreendem o período republicano brasileiro.

A consulta aos documentos já disponibilizados em meio eletrônico poderá ser feita no Arquivo Público Mineiro, à avenida João Pinheiro, 372, bairro Funcionários, em Belo Horizonte, no horário de 9 às 17 horas.


Legenda: Recorte de jornal com notícia sobre pessoas perseguidas pela ditadura militar