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Nº 1540 - Ano 32
21.07.2006

Sob o novo signo da contemporaneidade

Regis Gonçalves

sta é a terceira vez que o argentino Damián Rodríguez Kees vem ao Festival de Inverno da UFMG. Numa participação crescente, esteve aqui em 2004 para uma reunião de diretores universitários de cultura, voltou para um concerto em 2005 e, finalmente, em 2006, esteve em Diamantina como professor na oficina de atualização A fronteira da música com as outras artes.

Foca Lisboa

Kees: transdisciplinar e sem limites

Mas não apenas isso. Na última quarta-feira, dia 19, ele participou de um Encontro Transdisciplinar em que debateu com os colegas Chico Marinho, Fabrício Fernandino e João Gabriel Marques da Fonseca o problema da transdisciplinaridade, proposta conceitual desta edição do Festival.


O encontro foi encerrado com uma performance de Damián, que ele chamou Teatro Musical Contemporâneo, por explorar as fronteiras entre música e teatro. No palco, ele atua, toca piano e dirige – exemplo típico de transdisciplinaridade artística. Segundo Damián, “a transdisciplinaridade é a necessidade da arte contemporânea, porque a vanguarda em cada uma das diferentes áreas artísticas procura chegar até os limites, e esses limites fazem fronteira com as outras artes”.

Damián é professor de música na Universidad Nacional del Litoral, na província de Santa Fé, Argentina. Também é autor de mais de 40 músicas para teatro, dança e vídeo e dirigiu cinco espetáculos onde se integram várias disciplinas artísticas. O professor faz parte do núcleo de cultura criado há cinco anos na Associação de Universidades Grupo Montevideo, integrado por instituições do Brasil, Paraguai, Uruguai, Chile e Argentina.

“Adoro Diamantina e gosto muito da estrutura, forma e propósito do Festival de Inverno da UFMG”, diz, ao acrescentar que na Argentina não existe nada parecido com o Festival, e ao destacar os benefícios do evento para o desenvolvimento dos artistas, em interação com a cidade.

Três participações no Festival de Inverno ampliaram a percepção do professor para o que ele já sabe: o acesso à cultura e aos bens culturais é uma batalha, assim no Brasil como na Argentina. Para ele, fazer circular os bens culturais é tão difícil dentro quanto fora dos país. Se os próprios brasileiros desconhecem alguns de seus compositores eruditos mais expressivos como Gilberto Mendes, a música popular do Uruguai, destacada por ele como sendo de grande qualidade, é totalmente desconhecida nos países vizinhos.

“É bem difícil achar um CD de Astor Piazzolla no Brasil para comprar, assim como é difícil encontrar discos de artistas brasileiros na Argentina. As leis que regulam a remessa de obras de arte para exposição entre os países também dificultam esse trânsito” analisa.

Segundo Damián, as iniciativas para fazer circular os bens culturais partem sempre dos intelectuais, e o que se consegue nesse âmbito fica restrito às possibilidades desses grupos, que são importantes, mas pouco expressivas, se comparadas ao poder dos governos e do mercado. “A universidade tem a obrigação de promover o acesso à cultura e por isso esse Festival é tão importante”, arremata.

Se os limites geográficos resistem à integração das artes, no espaço da criação as fronteiras se oferecem incessantemente para novos contatos. As tentativas são inesgotáveis porque se renovam continuamente na capacidade humana da percepção, insiste. “O ocidente separou o homem aqui”, diz o professor Damián apontando a cabeça, “separou aqui”, aponta desta vez para o coração, “e separou aqui”, diz apontando o sexo.

E completa: “A integração entre as artes visa integrar o homem ao espaço”. Ele explica ainda que a arte se insere no mercado, que não tem interesse em vender as diversas expressões, pois atua no sentido não da sua integração, mas no sentido oposto, da fragmentação”.

Mas como explica o professor argentino, a busca pela transdiciplinaridade nas artes é algo recorrente na história humana: esteve presente no Renascimento, na criação da ópera que reuniu teatro e música, na invenção da história em quadrinhos e na do cinema. Esteve também na oficina que ele ministrou no Festival de Inverno em Diamantina. É com a serenidade de quem sabe que esse desejo humano é atemporal que Damián encontra estímulo para as aulas com seus jovens alunos da oficina: “uma aluna, de 15 anos, sentou-se aqui – mostra o piano – e fez uma coisa muito interessante”.