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Nº 1574 - Ano 33
23.4.2007

Foca Lisboa
Nabo forrageiro - biodiesel

Química pesquisa uso de nabo forrageiro na produção de biodiesel

Tese também analisa método não-convencional de síntese do combustível

Ana Maria Vieira

S

ob uma das bancadas do Laboratório de Ensaios de Combustíveis (LEC), do departamento de Química da UFMG, o aluno de doutorado Pedro Valle guarda um pequeno tesouro, na forma de saca de sementes de nabo forrageiro. Matéria-prima de pesquisa realizada na UFMG, os grãos dessa planta oleoginosa estão sendo avaliados para a síntese de biodiesel, combustível que promete colocar o Brasil no centro de uma nova ordem energética mundial.

Iniciado em 2005, o trabalho, além de introduzir novas informações sobre as aplicações do nabo forrageiro para o setor, está investigando método pouco estudado na produção de biodiesel, que dispensa o uso de catalisadores e para o qual foi desenvolvido equipamento específico. “Meu objetivo é otimizar a síntese do produto por meio de duas vias: a clássica, utilizada comercialmente em todo o mundo, e a denominada supercrítica” diz Pedro Valle. No processo clássico, a transformação de óleos vegetais em biodiesel – conhecida como transesterificação – ocorre na presença de álcoois e Ana Maria Vieira catalisadores. Já pelo método supercrítico (veja box), investigado no LEC, os catalisadores são substituídos por temperaturas e pressões elevadas, presentes no equipamento projetado pelo doutorando, a partir de similares que conheceu na Universidad Nacional del Sur, na Argentina.

Método supercrítico

Por esse método, o álcool é submetido a valores de temperatura e pressão superiores àqueles denominados críticos, nos quais as substâncias puras ou misturas assumem características intermediárias às dos líquidos e gases.

“Pesquisas semelhantes estão em curso no Japão, China, Grécia e Argentina”, informa Pedro. No Brasil, cientistas das universidades estaduais de Campinas (Unicamp) e de Feira de Santana (UEFS) e da Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) publicaram artigo com a proposta de equipamento para essa modalidade de produção de biodiesel.

Pedro Valle considera, contudo, que seu dispositivo possui importante recurso adicional, que torna independentes as variáveis do processo, condição desejável para otimizá-lo. Quase todo construído em oficina do departamento de Física do ICEx, o protótipo custou cerca de R$ 25 mil.

O trabalho é financiado pelo LEC, onde Pedro Valle desenvolve a tese, sob orientação da professora Vânya Pasa. As primeiras reações no equipamento começaram em março. Apesar de apresentar resultados parciais, o caráter promissor da pesquisa já foi identificado pelo mercado, com a formulação de proposta de empresa mineira para montar planta-piloto com a tecnologia.

Foca Lisboa
Pedro Vale - UFMG
Pedro Valle: alternativa ao método convencional de produção do biodiesel

 

Qualidade

Análises iniciais demonstram que as sementes de nabo forrageiro podem produzir biodiesel de boa qualidade. De acordo com o pesquisador, esse aspecto ainda era pouco divulgado na literatura científica. “Não havia, no meio, descrição de todas as propriedades físico-químicas de seu óleo”, diz.

Os estudos mais difundidos sobre a planta decorrem de seu uso na agricultura, onde serve como adubação verde, como alimentação animal e como cultura de inverno para proteger o solo das erosões em períodos de entressafra. Planta de crescimento rápido – seu ciclo pleno ocorre em 120 dias –, o nabo forrageiro ostenta vantagens agrícolas, financeiras e técnicas também para a produção de biocombustível. “Ela apresenta baixo custo de produção, alto teor e qualidade de óleo, além de não competir como matéria-prima na alimentação humana e de ser menos exigente em relação a solos ácidos”, informa Pedro Valle.

O pesquisador observa, ainda, que o óleo do nabo forrageiro é de fácil extração. Por meio de prensagem a frio em laboratório, foram obtidos 220 gramas de óleo a partir de um quilo de semente. O teor estimado é superior a 30%. Mas o principal fator que atesta a qualidade dessa matéria-prima é a elevada presença de triglicerídeos no óleo. "Os óleos vegetais contêm de 90 a 95% dessa substância e de 1 a 5% de ácidos graxos livres, além de pequenas quantidades de água e outras substâncias, que formam gomas”, explica. Na síntese de biodiesel pela via convencional, a molécula de triglicerídeo é rompida na presença de álcoois e catalisadores, dando origem a ésteres alquílicos de ácidos graxos e glicerina. São os ésteres que constituem o biodiesel. “Isso significa que os teores de triglicerídeos dos grãos transformam-se em massa praticamente igual à do biodiesel”, diz Pedro.

Sem sabões

Ele ressalta, contudo, que, no caso de alguns óleos, se as gomas não forem removidas e os ácidos graxos livres, convertidos em ésteres durante processo prévio, a transesterificação é prejudicada. “Em contato com catalisadores básicos, esses ácidos se transformam em sabões, que dificultam o processo”, explica. Ainda de acordo com o pesquisador, a semente do nabo forrageiro não apresenta tais problemas: com teor de triglicerídeos estimado em 98%, as demais substâncias não interferem na síntese do biodiesel.

Ao dispensar catalisadores, a via supercrítica também não produz os indesejáveis sabões. O fato resulta em vantagens adicionais, pois simplifica a purificação do biocombustível. “Além de biodiesel, o processo gera apenas glicerina e álcool, que podem ser separados por sedimentação e destilação”, afirma.