Busca no site da UFMG

Nº 1576 - Ano 33
7.5.2007

EntrevistaDominique Duprez

“A sociedade moderna precisa saber integrar as pessoas”

Flávio de Almeida *

Foca Lisboa
Dominique Duprez
Duprez: modelo republicano de integração de imigrantes

A

pesar da abissal diferença social, Brasil e França apresentam algumas convergências. Uma das mais notáveis diz respeito às causas que motivam os conflitos envolvendo jovens nos dois países, avalia o sociólogo francês Dominique Duprez, que esteve na UFMG em abril como convidado da cátedra Ford do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT).

Professor da Universidade de Lille I e presidente do setor de Sociologia do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), Duprez reuniu-se com pesquisadores brasileiros, proferiu conferência sobre os conflitos juvenis ocorridos em áreas periféricas da França e participou do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apoiado pelo Crisp. Em meio a essa intensa agenda, o sociólogo encontrou tempo para conceder a seguinte entrevista ao BOLETIM, em que discorre sobre as dificuldades enfrentadas pela França para acolher seus imigrantes.

Qual a repercussão dos conflitos envolvendo jovens imigrantes sobre as eleições francesas? Que visão o francês médio tem dessa questão?

A repercussão desses conflitos não ocupou lugar central na campanha eleitoral. O francês de classe média não se interessa muito pelos pobres, da mesma forma que o carioca não se interessa pelo que acontece nas favelas do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2005, com fechamento da lista de eleitores, houve aumento massivo de inscrição de jovens moradores de periferia, oriundos da imigração. Muitas personalidades, entre elas o Lilian Thuram, jogador de futebol, originário das Antilhas Francesas, e o rapper Stark, de origem argelina, criticaram muito Sarkozy (Nicolas Sarkozy, candidato de direita à presidência da França) e passaram a chamar a atenção dos jovens da periferia para as questões da política. Já o francês médio só conhece as periferias pela TV; ele tem medo de freqüentar esses lugares.

Que semelhanças o senhor observa no fenômeno da violência juvenil na França e no Brasil?

Na França, o desemprego entre os jovens de até 25 anos chega a 50%, 60%. Entre os homens, mais de 21% têm chance de estar desempregados. Suas condições são precárias, embora um pouco melhores que as daqui do Brasil.

Outra semelhança é o tráfico de drogas. Só que na França o tráfico pode ser definido como uma economia de sobrevida – e não como crime organizado. Lá o tráfico materializa uma espécie de “jeitinho” francês de conseguir dinheiro. Outra característica comum são as relações com a polícia. Os mesmos policiais chegam a pedir os documentos para as mesmas pessoas quatro ou cinco vezes ao longo do dia. Fazem isso para humilhar. Tanto aqui como lá as relações com a polícia são péssimas. Certa vez subi uma favela carioca com alguns policiais, que diziam a todo instante que a relação com a comunidade era muito boa. Só que as evidências mostravam o contrário. Eles andavam fortemente armados e ficavam o tempo todo em posição de tiro, como se esperassem um ataque a qualquer momento.

Que desdobramentos o senhor vislumbra para os conflitos juvenis na França?

O mais importante é deter-se sobre as suas origens e identificar o lugar que os jovens imigrantes ocupam na sociedade francesa. A França adota um modelo republicano de integração dos imigrantes que passa, fundamentalmente, pela escola, que é laica, gratuita e universal. Só que a partir de meados dos anos 70 começaram os problemas do desemprego. E, durante o governo Mitterrand, foi sancionada uma lei que permitiu o agrupamento familiar. Os homens que trabalhavam na França adquiriram o direito de levar filhos e a mulher. Hoje, estamos na terceira ou quarta geração dessas pessoas que migraram para a França naquela época. E são elas as vítimas do racismo. Há 15 anos, começou a aumentar o mal-estar das periferias, gerando reações comunitaristas, caracterizadas pelo retorno dos imigrantes às suas culturas, em especial ao islamismo.

A França tende a lançar mão de instrumentos de controle como fizeram os Estados Unidos em sua cruzada antiterror?

A França não decretou qualquer lei que restringisse os direitos civis dos cidadãos. Lá é impensável algo no estilo do que foi feito nos Estados Unidos. O que houve foi o aumento do controle da polícia. No fim dos anos 90, havia a polícia de proximidade, formada basicamente por patrulhas de dois ou três homens que andavam a pé, e que tinha a função de facilitar o diálogo com os habitantes das localidades. Essa política incluía um programa chamado Emprego Jovem, que contratava jovens pobres para atuar como policiais. Em 2000, o Sarkozy, então ministro do interior, acabou com a polícia de proximidade e com o emprego dos jovens. A partir daí, a polícia passou a ser mais militarizada e menos comunitária.

O filosófo Jacques Derrida, de origem argelina, diz que não basta apenas ser tolerante – conceito associado à capacidade de suportar o outro. Segundo ele, é preciso ser hospitaleiro, o que significa aceitar o outro como ele é, ainda que isso desorganize a sua casa. O senhor concorda com essa análise?

Concordo com essa noção de hospitalidade do Derrida. A sociedade moderna precisa saber integrar as pessoas, pois há muita riqueza nas diferenças. Nesse sentido, a França sempre foi modelo porque conseguiu integrar pessoas de várias nacionalidades.

Mas esse modelo não teria saturado?

Na verdade, o espírito permanece. O que acontece é que, na prática, existe muita dificuldade para empregar os próprios franceses. Não há como ser hospitaleiro com todos. Os políticos de esquerda querem continuar integrando essas pessoas e, até mesmo, aceitar novos imigrantes. Já a direita se recusa a receber novos imigrantes e a regularizar os que estão lá há muitos anos. A França integrou gerações de flamencos, poloneses, italianos e espanhóis. Enfim, não é a hospitalidade que está em falta. No movimento de novembro de 2005, as reivindicações dos filhos da imigração não eram de caráter étnico, mas sociais e econômicas.

* Colaborou Nina de Melo Franco