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Nº 1578 - Ano 33
21.5.2007

Conferências abrem programação dos 80 anos

A

UFMG abre oficialmente, nesta terça-feira, dia 22, às 9h, no auditório da Reitoria, as comemorações de seus 80 anos de fundação. O primeiro evento será o descerramento de placas de sinalização das ruas do campus Pampulha, seguido de quatro conferências. Na primeira, o professor e geneticista Sérgio Pena, do ICB, fala sobre Darwin, a viagem do Beagle e as novas estratégias do conhecimento e da pesquisa.

As outras três conferências serão proferidas por pesquisadores
vinculados ao Programa Professor Residente, do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT): Francisco Marinho, da Escola de Belas-Artes, Júnia Furtado e Neuma Aguiar, da Fafich.
Felipe Zig
Neuma Aguiar

Entre portas e pontes

Ana Maria Vieira

A experiência transdisciplinar e o estreitamento de laços com a comunidade acadêmica internacional foram algumas das estratégias adotadas por cientistas sociais para exercer a própria profissão e descaracterizar estereótipos durante o regime militar. O recurso, que visava à sobrevivência de suas atividades intelectuais num ambiente de perseguição política, imprimiu, inesperadamente, marcos expressivos em diversos campos do conhecimento. Pouco difundida, essa face da constituição de áreas da ciência no país permeia um dos projetos do Programa Professor Residente aprovados pelo Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT), de autoria da socióloga Neuma Aguiar.

Denominado Ponte e Porta: fronteiras com o conhecimento sociológico, o trabalho consiste em publicação de livro contendo coletânea de artigos produzidos ao longo da carreira acadêmica de Neuma, professora do departamento de Sociologia e Antropologia da Fafich. A previsão é de que a edição reúna entre seis a oito textos, escritos, originalmente, em sua maior parte, para revistas científicas internacionais.

Além de tornar disponível parte dessa produção em português, o livro deverá expor o lado “ponte” de Neuma Aguiar, que, paradoxalmente, tornou-se referência na UFMG pela experiência disciplinar, nomeada por ela como sua fase “porta”. De fato, quem ainda não teve contato com a outra face de sua produção poderá se surpreender: o trânsito entre áreas do conhecimento e a diversidade temática e metodológica presentes nos ensaios selecionados são aspectos reveladores da sintonia da pesquisadora com a experiência transdisciplinar, que abriu e fortaleceu
o campo das ciências sociais no país.

Esse traço de sua trajetória acadêmica ficará evidenciado durante sua conferência desta terça-feira, dia 22. Ela abordará Corporatismo e classe operária, tema de seu primeiro artigo publicado no exterior, e que será incluído na coletânea. “O texto busca desenvolver tipologia para analisar formas de relacionamento e de representação política entre classes, e o lugar do Estado nessa mediação, para a compreensão histórica do desenvolvimento do sistema de representação sindical no país”, resume. Lançado em 1968, na revista argentina Desarrollo Economico, o ensaio tornou-se modelo teórico para análises sobre o tema e, atualmente, passa por revisão.
Mapa - mapa de D’anville
Imagem do mapa do cartógrafo D´anville

Mapa para espanhol ver

Fernanda Cristo

Embora tenha dividido, no final do século XV, o Novo Mundo entre Espanha e Portugal, o famoso Tratado de Tordesilhas não passava de mero acordo de cavalheiros entre os países ibéricos. Pelo Tratado, a parte brasileira onde hoje se situam os estados de Amazonas e Mato Grosso pertencia aos espanhóis, apesar de colonizada pelos lusitanos. Já a colônia de Sacramento, que atualmente é território uruguaio, era propriedade portuguesa explorada por espanhóis.

Em meio a negociações entre os dois países, o embaixador português Dom Luís da Cunha vislumbrou a oficialização da troca de territórios e, para tanto, encomendou um mapa ao cartógrafo D’anville. O mapa deveria ter sido levado à mesa de negociações, em Madri, em 1750, se Dom Luís não tivesse morrido um ano antes. Ao final, outro mapa, bem menos preciso, acabou sendo produzido pelos lusitanos, para que os espanhóis não tivessem noção da quantidade de terras que perderiam no território brasileiro.

A história da confecção do mapa de D’anville, que jamais esteve em terra brasilis, é objeto de estudo da professora Júnia Furtado, do departamento de História, durante sua residência no IEAT.

Trapaça cartográfica

Conhecido como o mapa dos cortes, o documento apresentado na conferência de Madri, em 1750, “joga o Brasil para o leste, área de domínio português, deixando a impressão de que havia pouca terra a oeste para colonização espanhola”, esclarece Júnia. O mapa de D’anville, ao contrário, mostrava que grande parte do território pleiteado pelos lusitanos pertencia, até aquele momento, aos espanhóis. Segundo a professora, Dom Luís acreditava que o mapa era fidedigno e que a negociação deveria ser feita diplomaticamente, usando a colônia de Sacramento como moeda de troca.

“O mapa de D’anville é muito preciso. Algo que impressiona,
pois ele nunca esteve no Brasil. Naquela época, a cartografia se expandia, mas, apesar da criação de aparelhos de medição, o mapa foi feito, exclusivamente, com base em documentos repassados por Dom Luís da Cunha”, comenta Júnia Furtado. Seis documentos dão origem ao registro do cartógrafo francês, um deles na Alemanha, em um museu de obras raras sobre o Brasil, visitado pela pesquisadora há quatro anos.

O documento contém depoimentos de três cristãos-novos, os irmãos Nunes, que desembarcaram no Brasil como refugiados. Eles se radicaram no interior de Minas Gerais, em um povoado chamado Curralim, lugar que, por ser uma ramificação do caminho que ligava Minas e Bahia, favorecia a atuação de comerciantes. “Os três escreveram um roteiro de viagem destinado àqueles que quisessem chegar a Minas a partir da Bahia”, explica a pesquisadora.
Felipe Zig
Francisco Marinho - UFMG
Marinho: autonomia do objeto de arte

A imprecisa arte de navegar

Ana Rita Araújo

Singrar os mares da cognição, não em busca de um porto, mas pelo simples prazer de imaginar e de navegar pelo desconhecido. É esta bússola que norteará a conferência Navegar é impreciso, viver..., a ser proferida pelo professor Francisco Marinho, do departamento de Fotografia, Teatro e Cinema, da Escola de Belas-Artes. Ele discute a imprecisão que caracteriza a pesquisa livre, isto é, que navega por mares inexplorados sem o compromisso de resultados definidos a priori.

Tal imprecisão, aliás, “está presente também na natureza”, lembra o professor. Em analogia, Marinho ressalta a situação de um formigueiro, onde a maioria dos indivíduos busca alimento em fontes conhecidas e seguras. “Enquanto isso, outros tantos saem, errantes, à procura de fontes novas capazes de garantir a sobrevivência do grupo a longo prazo”, afirma o professor.

“As formigas têm análogos na academia: alguns professores são a fonte segura e outros têm o papel de explorar”, reitera, elogiando a iniciativa do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (IEAT) de lançar o edital Professor Residente, que dispensa temporariamente o pesquisador de suas atividades docentes para se dedicar com exclusividade à pesquisa.

Os conceitos que nortearão a conferência de Marinho têm base no projeto
Agentes colaborativos, que ele desenvolve, desde março, junto ao IEAT. A pesquisa traz, do mundo dos games para a arte, os chamados agentes adaptativos autônomos (non player characters), personagens não comandados pelo jogador. “Não estou me apropriando de personagens, mas de uma linguagem”, explica Marinho, ao acrescentar que, embora as teorias estéticas ainda não consigam lidar com a possibilidade da autonomia do objeto de arte, tais concepções começam a ser rompidas.

Inteligência artificial

Segundo ele, a aplicação de padrões de inteligência artificial à arte pode resultar em objeto capaz de perceber o usuário e se modificar em função das escolhas e preferências de quem frui a manifestação artística. “É como se, ao ser manuseado, o livro percebesse quem o está lendo e rearranjasse as palavras para cada leitor”, exemplifica. O projeto tem a arte como ponto de partida, mas envolve dimensões de outras áreas do conhecimento, como robótica, biologia e informática.

Em março de 2008, quando se encerra seu período como Professor Residente, Marinho apresentará trabalho escrito e produzirá instalação de arte computacional com non player characters capazes de identificar e se auto-adaptar a preferências do público. Projeto nessa linha, elaborado no ano passado, durante o Festival de Inverno, será exposto em agosto, em San Diego (USA), na ACM Siggraph 2007, um dos mais importantes eventos de computação gráfica do mundo.