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Nº 1579 - Ano 33
28.5.2007

O legado do Beagle
Sérgio Pena na UFMG
Sérgio Pena na UFMG

Conferência de Sérgio Pena na abertura das comemorações dos 80 anos discute contribuições das teorias de Charles Darwin

Maurício Guilherme Silva Júnior

E

m 1831, o naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) parte, a bordo do navio Beagle, para revolucionar a noção em torno da evolução das espécies. Cinco anos após a partida, o jovem, então com 27 anos, volta à terra firme com um “elixir” nas mãos. Trata-se do conceito de “seleção natural”, princípio que gera ainda hoje uma série de contribuições à ciência e à vida em sociedade.

Tal retrospectiva crítica das investigações sobre a evolução humana marcou, no último dia 21, a primeira conferência comemorativa dos 80 anos da UFMG. Darwin: a viagem do Beagle e as novas estratégias da pesquisa e do conhecimento foi o tema discutido pelo geneticista Sérgio Danilo Pena, professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, no auditório da Reitoria.

Na palestra, Sérgio Pena promove viagem no tempo a partir de elementos da teoria de evolução das espécies de Darwin. A jornada proposta pelo pesquisador do ICB inicia-se, justamente, com a viagem cartográfica no Beagle, e se encerra com as contribuições da seleção natural. Durante sua exposição, o pesquisador da UFMG resgatou o conceito de “monomito”, de Joseph Campbell, para explicar a atitude “heróica” de Darwin, desde o embarque no navio.

“Afinal, o que fazia aquele jovem de 22 anos a bordo de um navio em expedição cartográfica?”, pergunta Pena, para logo elucidar a questão: Darwin era a companhia ideal para seu mentor, o comandante Robert Fitzroy, que sofria de problemas psíquicos. Desta viagem ao “acaso”, o naturalista acaba por trazer à tona a seleção natural: “A maior contribuição intelectual de Darwin não foi, como se pensa, a teoria da evolução, mas a idéia da seleção natural”, sentenciou Pena, ao lembrar que o conceito envolvia a combinação de duas forças – chance e necessidade –, essenciais para explicar a emergência e evolução das diversas formas de vida.

“Hoje, há fundamentalistas que se aproveitam das teorias de Darwin, que, na verdade, era um pluralista evolucionário”, explica. Para exemplicar tal “fundamentalismo”, Pena recorreu a reportagem da revista Veja, em que a teoria de Darwin é tomada, simplicadamente, como mero conflito entre os homens. “Isso é bobagem”, ironizou, antes de lançar pergunta seminal à compreensão da seleção natural: “Há provas capazes de confirmá-la?”.

Demonstração fundamental do conceito central de Darwin foi revelada, segundo Pena, pelo Projeto Genoma Humano, que, através de genômica comparativa, demonstrou sistemas similares de genes em espécies diversas. “Apesar disso, pesquisa recente revelou que, nos Estados Unidos, menos de 40% acreditam na veracidade da seleção natural”, disse, ao comentar a gravidade de tal constatação.

Deus

Ao fazer analogia com outra área do conhecimento, Sérgio Pena lembrou que um dos principais nomes da física, Isaac Newton, recorreu a Deus para explicar mistérios do complexo sistema solar. “Mais tarde, é Pierre Simon, o Marquês de Laplace, que vai provar como funcionava o equilíbrio entre os astros”, completou.

Também na biologia, Willian Paley retoma Deus para explicar a complexidade do corpo humano. “Deus não era necessário para a física, mas passou a explicar a biologia”, contou, ao ressaltar que, com sua teoria da seleção natural, Darwin revelou o quanto a ciência não necessitaria do auxílio divino.

Na última parte de sua conferência, Sérgio Pena comentou as aplicações, em períodos diversos, do princípio darwiniano de seleção natural. Analisou, então, perigosas interpretações do conceito, como a teoria de Ernst Haeckel (1834-1919) – que, absorvida por Hitler, serviu de subsídio a preceitos nazistas –, e contribuições eficazes, das pesquisas contra o vírus da Aids ao “desenho” de novos fármacos.

Como contribuição “transdisciplinar” do principal conceito de Darwin, Pena cita o químico Linus Pauling, que, quando perguntado sobre como ter uma boa idéia, dizia: “É preciso ter um montão de idéias. Com o tempo, as boas ficam, e as ruins são jogadas fora”.

Pena pesquisa estutura da população brasileira

Nascido em Belo Horizonte, em 1947, Sérgio Danilo Pena é formado em Medicina pela UFMG, doutor em genética humana pela Universidade de Manitoba (Canadá) e realizou pósdoutoramento pelo Instituto Nacional para Pesquisa Médica, em Londres. Lecionou na Universidade McGill, em Montreal (Canadá), e, em 1985, ingressou no Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB. A diversidade genômica humana e a formação e estrutura da população brasileira são dois dos principais interesses de pesquisa de Sérgio Pena. Ele é autor ou co-autor de três livros, 49 capítulos de livro, uma patente e 203 artigos científicos. Segundo o Science Citation Index, seus artigos já foram citados mais de quatro mil vezes. Orientou 24 teses de doutorado e 22 de mestrado e fundou o Núcleo de Genética Médica de Minas Gerais (Gene). Atualmente, assina a coluna Deriva Genética, na Revista Ciência Hoje on line.