Busca no site da UFMG

Nº 1594 - Ano 34
10.12.2007

 Michel Menu

Despindo a Gioconda

Itamar Rigueira Jr.


Foca Lisboa
michel
Menu: ciência se aproxima do público pela arte

A Escola de Belas-Artes da UFMG recebeu no final de novembro, para uma palestra, o físico francês Michel Menu, responsável pelo Laboratório do Centro de Pesquisa e Restauração dos Museus da França, que reúne 1210 instituições e é vinculado ao Centro Nacional de Pesquisa Científica (que corresponde ao CNPq). Localizado no subsolo do Museu do Louvre, em Paris, o laboratório conta com 50 profissionais de diversas áreas, empenhados em destrinchar técnicas e materiais utilizados em obras como a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. “Nosso trabalho renovou a história da arte”, disse Menu, nesta entrevista concedida ao BOLETIM. Ele visitou a Escola de Belas-Artes (EBA) a convite do Lacicor – Laboratório de Ciência da Conservação, no âmbito do projeto RestauraBR, financiado pela Finep.

Qual é o objetivo do trabalho de sua equipe?
Estudamos materiais e técnicas das obras de arte dos museus franceses. Visando à restauração, adaptamos materiais atuais para substituir os originais. Utilizamos pesquisa multidisciplinar, que associa historiadores da arte e arqueólogos aos físicos e químicos. Descobrimos técnicas antigas, materiais e sua proveniência. Lançamos mão da ciência e da tecnologia para autenticar obras, desenvolver formas de preservá-las e restaurá-las e entender seus métodos de produção.

Nossa perspectiva é a de uma história da arte mais aberta, que leve em conta não somente as imagens, dos pontos de vista estético, filosófico e cultural, mas também a parte técnica, através de análise físico-química. Trabalhamos sobre três eixos: os estudos pontuais da obra; o desenvolvimento de métodos analíticos, como a datação através do carbono C-14 e os que usam o acelerador de partículas, adaptado às obras de arte, que permite realizar análises não-destrutivas das obras; e as grandes séries de análises que alimentam bases de dados.

Quais foram as mudanças importantes na atuação do laboratório?
Até o final da década de 1980, era apenas um pequeno laboratório de química. Com a incorporação do acelerador de partículas, ele se tornou um laboratório de pesquisas físico-químicas. Começou a era das pesquisas aplicadas, estudos específicos sobre os materiais e abordagens multidisciplinares. Pesquisamos técnicas comuns a vários artistas, os próprios artistas, escolas de cerâmica, técnicas de metalurgia antiga.

Por meio de uma rede européia, organizamos workshops dedicados a artistas em particular. Sobre Rafael (pintor italiano do século 16), constatamos que ele usava vidro moído em seus quadros. Enquanto a descoberta era de um só laboratório, não demos tanta importância. Mas ela se confirmou depois que diversos outros constataram o recurso em várias obras. É um trabalho legitimado por resultados semelhantes ou complementares.

Quais foram os resultados do trabalho com a Mona Lisa?
Não acho que descobrimos coisas excepcionais. O mais interessante é que pudemos estudá-la com profundidade, utilizando recursos como o infra-vermelho e o ultra-violeta. Pudemos olhar e interpretar o quadro de outra maneira. Para citar um exemplo, compreendemos melhor, com o infra-vermelho, a forma como a Gioconda estava vestida. Descobrimos debaixo da pintura o desenho que o artista fez como preparação para o quadro. Há um tecido transparente sob a roupa, do tipo que usavam as jovens nobres florentinas que esperavam um filho.

Isso corresponde de certa forma ao que já se sabia sobre a encomenda feita a Leonardo da Vinci pelo marido da Gioconda, que queria celebrar a segunda gravidez da esposa. Nosso trabalho confirmou e legitimou um conhecimento que já havia. Constatamos também que Leonardo usava uma técnica muito próxima à dos pintores flamengos, com veladuras, camadas finas, transparentes e coloridas.

Pode citar outros casos?
Descobrimos que o pintor flamengo Otto Marseus van Schrieck, do século 17, colou asas de borboleta em um de seus quadros para retratar o inseto. Para a época isso é extraordinário, pois ele fez uma colagem, técnica típica da arte contemporânea. Em outro estudo, sobre uma estatueta de alabastro do século 1 a.C, proveniente da Babilônia, utilizamos o acelerador de partículas para analisar seus olhos. Não era vidro, como supúnhamos, mas rubi. A pedra vinha da Birmânia. Assim, contribuímos para pesquisas que reconstruíram relações econômicas entre as duas regiões, em época próxima à do nascimento de Cristo.

O que o senhor conhece do trabalho feito em sua área fora da Europa?
Sei de associações da Europa com a América Latina, de que tem participado do laboratório coordenado pelo professor Luiz Souza, da UFMG (o Lacicor, da EBA, lidera no Brasil projeto de cooperação entre redes da América Latina e da Europa ligadas a ciência e tecnologia aplicadas à conservação e à restauração). Nós trabalhamos com instituições americanas e japonesas. Nos Estados Unidos há laboratórios em grandes museus com os quais trabalhamos.

Na Inglaterra, existe um laboratório para cada museu. A vantagem do modelo francês, de centralização em torno de uma grande estrutura, é que ele permite formar massa crítica, além de dispor de equipamentos de ponta, recursos como a termoluminescência (para a cerâmica) e técnicas de datação da madeira.

Qual a importância desses estudos para o aumento do interesse público pela arte?
Os métodos físico-químicos renovaram a história da arte. Além disso, podemos fazer ciência de qualidade com objetos do patrimônio cultural, fazendo com que ela se abra mais ao público, mais receptivo ao que está ligado à arte e à cultura. Isso é bom, por exemplo, para a química, árida quando ligada ao petróleo, mas interessante se associada à criação artística.