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Nº 1594 - Ano 34
10.12.2007

Misses, samba e black power

Livro descreve como uma elite negra reunida em um clube no Rio de Janeiro lutou pela afirmação social e racial


a alma da festa
Interferência sobre imagem da capa do livro

Itamar Rigueira Jr.

Em tempos de debate sobre a questão racial, estimulado pelas cotas para negros nas universidades, é interessante saber o que tem a dizer uma cientista social que pesquisou um clube de negros na Zona Norte do Rio de Janeiro da segunda metade do século passado. Mais ainda porque ela descobriu uma agremiação – o Renascença Clube – que reunia uma elite que trabalhou com sucesso pelo reconhecimento de sua posição e pela afirmação da raça.

A alma da festa, de Sonia Maria Giacomini, relançamento da Editora UFMG, contém a tese de doutorado premiada em 2005 pelo Iuperj, co-editor do livro, e é mais um capítulo da trajetória de pesquisa em torno da cultura negra no Brasil. Sonia pesquisou a mulher escrava no século 19 e, mais tarde, estudou mulatas profissionais para sua dissertação de mestrado. Ela coordena o Núcleo Interdisciplinar de Reflexão e Memória Afro-descendente na PUC-Rio.

“Há muito pouco tempo se reconhece a existência de uma elite negra no Brasil”, afirma Sonia Giacomini, que discute, em seu trabalho, como “a casta superior de um grupo discriminado utiliza, como qualquer elite, formas de se distinguir pelo estilo, pela educação formal, pelo consumo e outros símbolos conhecidos de status”.

Na luta pela auto-afirmação, os associados do Renascença tiveram objetivos e estratégias distintas. O grupo estudado está dividido menos em função da cronologia que das características de cada projeto. Esta palavra não aparece gratuitamente: na introdução do livro, Sonia conta que os sócios quase sempre usavam o termo projeto para se referir ao ao clube e às formas de sociabilidade, o que sugere uma conduta organizada para atingir finalidades específicas.

Três capítulos, três projetos

Fundado em 1951, o Renascença tinha de si mesmo a imagem dos clubes sociais brancos, com atividades que correspondiam às aspirações dos fundadores relacionadas a estilo de vida. O clube de professores, doutores e comerciantes abastados centralizava a vida extra-profissional dos sócios, que se sentiam “à vontade entre os seus”. A identidade está, então, na aparência e numa idéia de “bom gosto”.

Sonia Giacomini também destaca, na abordagem desse primeiro projeto, uma questão que lhe é cara: o papel das mulheres, diferente do exercido pelas brancas nos clubes similares e daquele reservado às mulheres negras de camadas proletárias. “É como se a elite negra dissesse aos brancos: ‘esqueça que sou negra, somos todos profissionais liberais, vamos fazer aliança de classes’”, explica Sonia.

Em sua segunda fase, o Renascença se integra à cidade, sobretudo através da participação em concursos de beleza. Rodas de samba substituem bailes e reuniões de sócios, abrindo-se aos brancos. De forma sintomática, Vera Lucia Couto, mulata-símbolo do Renascença (Miss Guanabara e segunda colocada no concurso nacional de 1964), não pertencia aos quadros originais do clube. “Este projeto é comprometido com a brasilidade e investe na contribuição dos negros para a formação do brasileiro”, define a professora da PUC-Rio.

O projeto inaugurado no início da década de 70 é marcado pela oposição entre identidade nacional e étnica. Uma juventude insatisfeita com os valores que conduziram a vida no clube até então descobre a África através dos negros americanos e troca o samba pelo soul. Aos poucos, os novos donos do poder no clube constroem, segundo a autora, “um projeto social e político típico de vanguardas militantes (...) querem contribuir para a criação de uma consciência negra”

 Livro: A alma da festa. Família, etnicidade e projetos num clube social na Zona Norte do Rio de Janeiro – o Renascença Clube
Autora: Sonia Maria Giacomini
Edição: Editora UFMG e Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj)
Vendas: Livrarias UFMG e
www.editoraufmg.com.br
Preço: R$ 37,00