Busca no site da UFMG

Nº 1598 - Ano 34
25.02.2008

A crise das 24 horas

Professor da Fafich questiona, em trabalho de doutorado, a atual relação dos jornais com o ciclo de um dia

Itamar Rigueira Jr.

 

Foca Lisboa
elton
Antunes: jornal impresso precisa redefinir seu lugar

Poucas cenas são tão previsíveis: todos os dias, ao amanhecer, as bancas de jornais exibem produtos inéditos, recém-chegados das gráficas, e esperam seus consumidores fiéis. O jornal diário é uma instituição poderosa, ainda que muito discutida nos últimos tempos, sobretudo com o advento da internet. E sobrevive hoje muito mais por força da tradição e do hábito dos leitores, na opinião do professor Elton Antunes, coordenador do curso de graduação do departamento de Comunicação Social da Fafich.

Interessado por esse gênero de publicação – como leitor e pesquisador –, Antunes resolveu entrar no debate sobre o lugar ocupado pelo jornal impresso estudando sua relação com a questão do tempo. O resultado está em tese de doutorado defendida no ano passado na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Para a articulação teórica de seu trabalho, Antunes lançou mão da análise do discurso e de algunsensadores que teorizam o jornalismo. As Ciências Sociais e a História ajudaram, por exemplo, na transformação do tempo em categoria analítica.

“Antes dessa situação de crise, entre aspas, era natural que o jornal aparecesse a cada 24 horas. Mas quando você olha para os jornais de hoje, isso não é mais tão óbvio. As principais edições não trazem o que aconteceu no dia anterior, e isso fica muito claro na de domingo, que pode ser lida de forma autônoma”, afirma Elton Antunes. Para ele, a televisão e a internet tiram o sentido da cobertura diária pelos jornais. E mesmo do ponto de vista industrial é extremamente complexo o jornal dar conta dos eventos da véspera quando precisa estar na casa do assinante antes que ele acorde.

Tempo achatado

Elton Antunes critica a maneira como o jornal lida com as lógicas de tempo. Quando aborda decisões políticas, ignora as repercussões; quando fala de economia, entra no jogo da especulação que interessa ao mercado financeiro; quando o assunto são eventos anuais, tende a rotinizar, reportando-os da mesma maneira que da última vez. Além disso, é como se o jornal negligenciasse as nuances quando se relaciona com as diferentes formas de construir e representar o tempo. “O jornal diário achata o tempo, tudo é agora. E é como se o acontecimento relatado pela notícia fosse sempre um ponto de chegada e não de partida”, reflete o jornalista e professor, que utilizou em suas pesquisas os diários O Globo, Folha de São Paulo, Estado de Minas e Agora.

Antunes reforça seus argumentos sobre o jornal diário impresso ao analisar os cadernos que se multiplicam nessas publicações. Para ele, os suplementos tentam responder à necessidade de os jornais não se parecerem com a edição anterior todos os dias, adensando as publicações com assuntos que fogem à política e à economia. O problema é que, ao fazer isso, o jornal ganha consumidores e perde leitores. “Tem gente que compra o jornal por causa do caderno de informática e não lê o resto. A informática faz parte do nosso dia-a-dia, mas não é tratada desse jeito, é dirigida aos iniciados. O jornal seria um ótimo instrumento para integrar os múltiplos sujeitos que há em nós. Mas não consegue”, afirma Elton Antunes.

Para o recém-doutor, o jornal diário impresso é desinteressante e poderia ser mais enxuto. Precisa ser repensado, mas não na perspectiva da contraposição entre meios – o papel, no caso do jornalismo impresso, e a internet, em se tratando do jornalismo eletrônico. “O jornal impresso continua sendo um lastro. Ele pauta os outros meios e serve de referência para projetos de novas mídias. Só que precisa achar seu lugar, definir de que relações pode dar conta e propor uma leitura de mundo”, analisa Elton Antunes.

Tese: Videntes imprevidentes: Temporalidade e modos de construção da atualidade em jornais impressos diários
Autor: Elton Antunes
Orientador: Giovandro Marcus Ferreira
Defesa: em 2007, junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA)