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Nº 1612 - Ano 34
02.06.2008

Bresser Pereira e o concurso público da UFMG

Arthur Schlunder Valle*

O concurso público da UFMG para o provimento de cargos do plano de carreira dos servidores técnico-administrativos em Educação, cujas provas foram realizadas no último domingo, dia 1o de junho, surpreendeu-nos: primeiro, em função de, talvez numa iniciativa inédita no serviço público, apresentar edital que não trazia o programa para os diferentes cargos e as sugestões bibliográficas. Em um segundo momento, vencido este ineditismo e retificado o edital, duas das sugestões bibliográficas – para os cargos de assistente em administração e secretário- executivo – incluíram o senhor Luís Carlos Bresser Pereira e, mais particularmente, as suas idéias e princípios que acionaram o chamado Plano Diretor da Reforma do Estado no primeiro governo FHC.

A primeira associação que vem à mente de qualquer servidor público federal é a de que Bresser Pereira é sinônimo de perda salarial e gerou uma série de ações judiciais, parte das quais ainda hoje sem solução. Examinando mais detidamente, Bresser Pereira, à frente do antigo Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare), era defensor ardoroso daquilo que se convencionou chamar de Estado Mínimo, que preconiza a redução da intervenção estatal no campo social e econômico e no qual uma série de atividades passa a ser gerida pelo mercado.

Em uma análise reducionista e limitada, Bresser Pereira entende que Administração Pública passou por um estágio patrimonialista, sucedido por uma etapa burocrática, e que mudanças seriam necessárias para atingir a chamada administração gerencial. O que segundo o próprio Bresser Pereira significaria substituir a administração pública burocrática, rígida, voltada para o controle a priori dos processos, pela administração pública gerencial, baseada no controle a posteriori dos resultados e na competição administrada.

O que então ele pensava em relação às universidades? Mais uma vez, citando o próprio, tratava-se de transferir para o setor público não-estatal esses serviços, através de um programa de “publicização”, transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, com autorização específica do Poder Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo e assim ter direito a dotação orçamentária.

Por “esses serviços” entendam-se universidades, hospitais, centros de pesquisa, museus e assemelhados. Para estes setores, propunha-se, como modelo, as chamadas “organizações sociais”, que, em síntese, implicariam a transferência de patrimônio público (educacional, cultural, financeiro, científico e saúde e assistência social) para uma gestão praticamente privada, regida e controlada pela constituição de quase-mercados.

Este modelo gerou um enorme abismo salarial entre as diferentes carreiras do serviço público


“Quase-mercados” requerem, por conseqüência, “quase-cidadãos” que operariam como consumidores de serviços historicamente constituídos com dinheiro público e apropriados de forma “quase-privada”. Isto, obviamente, não rompe com o patrimonialismo, entendido como apropriação do público pelo privado. O Governo Lula também não rompe com esses princípios ao propor o modelo das fundações estatais de direito privado para os hospitais universitários.

Ora, quais são então as conseqüências do modelo Bresser para a administração pública e seus servidores? Para a administração pública, a construção de carreiras e estruturas remuneratórias atraentes somente para as chamadas atividades típicas ou exclusivas de Estado – diplomacia, arrecadação e fiscalização –; terceirização e privatização para setores e atividades não-essenciais, que passariam a ser licitadas livremente no mercado; e transferência, para um setor denominado de não-estatal, dos serviços chamados competitivos, incluindo universidades, hospitais, centros de pesquisa, museus, etc.

Este modelo gerou uma avalanche de privatizações, muitas das quais com processos questionáveis (setor de telecomunicações, Vale do Rio do Doce etc.); um enorme abismo salarial entre as diferentes carreiras do serviço público e que culminou, em 2001, com quase metade dos servidores do sistema federal de ensino superior recebendo complementação para atingir o salário-mínimo; a adoção de políticas de gratificação por desempenho institucional e individual com critérios pouco claros e com diferenças enormes para incorporação aos proventos de aposentadoria, ocasionando perda de poder aquisitivo quando da inatividade e conseqüente queda de qualidade de vida; a alteração unilateral de mais de uma centena de artigos do Regime Jurídico Único (RJU) com perda contínua de direitos; alterações constitucionais que afetam a administração pública e seus servidores; alterações nas condições e requisitos para aposentadoria e concessão de pensões.

Isso tudo mostra que talvez haja uma razão plausível para a inclusão de publicações de Bresser Pereira como bibliografia em concurso público: a de lembrar como não se devem fazer políticas públicas.

* Técnico-Administrativo em Educação da Faculdade de Educação

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