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Nº 1612 - Ano 34
02.06.2008

A Lagoa encolheu

lagoa

Reservatório da Pampulha conserva somente 2/3 de sua área e 55% do volume original de água

Glauciene Lara

Cenário de um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos de Oscar Niemeyer, a Lagoa da Pampulha perdeu um terço de sua área e mais de 45% de seu volume desde a reinauguração da represa, em 1958. Os dados constam da dissertação de mestrado do biólogo Rafael Resck, apresentada no ICB. A pesquisa, intitulada Avaliação morfológica e estudo da variação horizontal e parâmetros limnológicos do reservatório da Pampulha, traz um diagnóstico da Lagoa, que contém variáveis físicas como área, volume e profundidade da represa, e fatores que indicam a qualidade da água – oxigênio dissolvido, acidez, temperatura e fósforo total.

Por meio da medição de mais de 22 mil pontos da Lagoa da Pampulha, feita em 2007, foi possível confeccionar a carta batimétrica da represa -– mapa que mostra como a Lagoa seria se toda a água fosse retirada. As medidas foram feitas com um ecobatímetro acoplado a um GPS de alta precisão, que fornecem a profundidade de pontos da lagoa e sua coordenada geográfica. A profundidade média registrada foi de 5,1 metros e a máxima, de 16,17 metros. A qualidade da água foi analisada pela coleta feita em 20 pontos do reservatório.

Os resultados encontrados na dissertação são preocupantes, se comparados aos de 1958, quando a Lagoa foi reinaugurada após o rompimento da barragem, ocorrido quatro anos antes. De 18 milhões de metros cúbicos de volume, a Lagoa passou a 10 milhões. A área do espelho d’água caiu de 300 hectares para pouco mais de 195. De acordo com Resck, o assoreamento das enseadas dos córregos Braúnas e Água Funda e a consolidação do Parque Ecológico da Pampulha alteraram de modo definitivo a morfologia da Lagoa.

Dois lados

A pesquisa de Resck também verificou que há duas regiões distintas na represa: uma rasa, de profundidade máxima de dois a três metros, entre a foz dos córregos Ressaca e Sarandi e próxima à Ilha dos Amores; e uma profunda, de seis a sete metros de profundidade, na região da barragem.
A professora Alessandra Giani, do departamento de Botânica do ICB, pesquisadora do fitoplâncton do reservatório, aponta que a Lagoa abriga uma carga muito grande em um perímetro muito pequeno. “Como não tem grande capacidade de se autolimpar, o ambiente da Lagoa, cheio de nutrientes, principalmente fósforo, favorece a proliferação de algas”, explica. Ela afirma que a quantidade algas tinha diminuído com a construção do novo vertedouro, inaugurado em 2002.

Mas elas estão voltando, segundo coletas feitas em maio deste ano. Resultados parciais indicam um aumento de cianobactérias, que eliminam toxinas causadoras de gastrenterites e alergias de pele. Os prejuízos para o homem são maiores se se houver consumo de peixes da lagoa, que podem concentrar essas toxinas. As análises indicam também a presença de uma toxina possivelmente letal ao sistema neurológico. O diagnóstico deve ser concluído em julho.

A dissertação de Resck confirmou o grande impacto dos córregos Ressaca e Sarandi sobre a qualidade da água do reservatório. Cerca de 70% dela vêm desses córregos e, mesmo com a Estação de Tratamento de Águas Fluviais, não alcança os padrões de qualidade preconizados pela resolução 357/05 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama).


Peixes e aves

A dissertação de Rafael Resck é fruto de trabalho sistemático de monitoramento da Lagoa da Pampulha feito no Laboratório de Gestão de Reservatórios do ICB, coordenado pelo professor Ricardo Motta Pinto Coelho, que também orientou a pesquisa. O grupo estuda a Pampulha há mais de 15 anos e indica que, apesar das ações da Prefeitura terem provocado a redução da quantidade de resíduos que chega ao reservatório, o aumento do volume de água e a revitalização das margens, não houve melhoria significativa na qualidade da água. O laboratório realiza medições de 30 parâmetros da Pampulha, que vão atualizar os números encontrados por Rafael. A sistematização será concluída no fim de junho.

Além disso, o laboratório analisa o estoque de peixes da lagoa. “É comum pensar que o aumento da quantidade de peixes significa a recuperação do ambiente, mas, dependendo das espécies que proliferam, isso pode significar desequilíbrio”, explica Ricardo Motta. Espécies como a tilápia, que não é nativa, mas foi encontrada no reservatório, mostram a degradação do meio. A tilápia provoca a turvação da água e o aumento da quantidade de nutrientes na represa, tornando o meio propício às algas. Ricardo Motta acredita que o manejo dos peixes é capaz de melhorar a qualidade da água. Segundo o professor, a criação de espécies como a traíra e o dourado, nativas da bacia do São Francisco, da qual a lagoa faz parte, contribuiria para devolver o equilíbrio ao ambiente.

Outro trabalho que analisa a fauna da Pampulha é o do professor Marcos Rodrigues, do departamento de Zoologia do ICB, estudioso das aves do Parque Ecológico. A primeira fase do estudo identificou mais de 100 espécies de aves na região, quantidade considerada normal para o ambiente urbano. Na segunda fase, ele escolheu algumas espécies para observar sua ocorrência, o que significa saber quando as aves aparecem, quanto tempo ficam, quando e quais espécies migram. Esse levantamento é inédito e permite o conhecimento do comportamento-padrão das aves. Fatores atípicos poderão ser identificados por meio da alteração nesses padrões. Segundo Rodrigues, foram vistos exemplares de tuiuiús na lagoa, ave típica do Pantanal ameaçada de extinção em Minas. O estudo vai verificar se a Pampulha é uma rota dessa população migratória. Também pode ser identificada a influência da degradação da lagoa nos hábitos de aves aquáticas como os biguás e as garças.

A Pampulha do século 21

A bacia da Pampulha possui cerca de 100 quilômetros quadrados. Belo Horizonte abriga 44% dessa área e os outros 56% estão em Contagem. Para a efetiva implantação do Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Bacia da Pampulha (Propam), criado em 1998, os dois municípios firmaram termo de cooperação e instituíram um consórcio, em 1999. Naquela época, a lagoa enfrentou seu período mais crítico, com 8,5 milhões de metros cúbicos, o menor volume já registrado. Para o biólogo Rafael Resck, se não houvessem sido tomadas providências, a Pampulha, hoje, estaria com metade do seu tamanho atual.

As ações de recuperação da bacia realizadas pelo Propam são divididas em três subprogramas. O de Saneamento Ambiental procura combater as causas da degradação, por meio da recuperação de nascentes, vilas e favelas e áreas de erosão. Dos 120 focos de erosão identificados, cerca de 50% foram tratados. Para vilas e favelas – dez em Belo Horizonte e 26 em Contagem –, estão sendo elaborados planos de urbanização, que incluem a canalização de água e esgoto e a coleta de lixo. O subprograma também promove a pavimentação de vias e a implantação de sistemas de drenagem fluvial, que impedem a erosão; o tratamento de esgotos, feito pela Estação de Tratamento de Esgotos (ETE)/Onça, da Copasa; a ampliação da coleta de lixo em todos os bairros e a implantação da coleta seletiva em alguns deles.

O subprograma de Recuperação da Lagoa inclui a implantação do novo vertedouro; a revitalização da orla, por meio da construção de ciclovias e jardins; o desassoreamento, com a retirada de 1,5 milhão de metros cúbicos de sedimentos; a retirada de cerca de 300 toneladas de aguapés e lixo; e a implantação da Estação de Tratamento de Águas Fluviais (Etaf) para os córregos Sarandi e Ressaca. A Etaf retira 80% dos nutrientes das águas que chegam à lagoa.

O terceiro subprograma, de Planejamento e Gestão Ambiental, realiza o monitoramento da qualidade da água e dos peixes, desenvolve ações de educação ambiental em escolas públicas da região, planeja o uso dos solos e o controle de erosões, além de enquadrar os cursos d’água nos padrões do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Um dos objetivos do Propam é alcançar a qualidade da água para a pesca e a balneabilidade, correspondente ao padrão classe 2 do órgão nacional.
O gerente de Planejamento e Monitoramento Ambiental Weber Coutinho, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, informa que, em 2007, foram retirados dez mil metros cúbicos de sedimentos na dragagem de manutenção.

Coutinho destaca que a Pampulha foi devolvida à população como local de lazer e turismo, já que entre cinco e dez mil pessoas freqüentam o local nos finais de semana. Uma das atrações é o Parque Ecológico, inaugurado em 2004. Sua construção foi o melhor destino encontrado para os sedimentos resultantes das sucessivas dragagens da represa na década de 80. A opção pela retirada dos resíduos era muita cara.